O trailer branco que atravessou toda a costa brasileira se chama Jandira. Dentro dos seis metros quadrados, há quase sete anos, moram a engenheira ambiental Diulie Tavares, 35, e o oceanógrafo Rafael Langella, de 32 anos. O casal de Santa Catarina é criador de um dos maiores projetos de educação ambiental itinerante do Brasil, o Somos do Mar. Eles chegaram ao “ponto final” da expedição, Belém, justamente no mesmo mês em que ocorre a 30ª Conferência das Partes (COP30).

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Durante as paradas nos municípios, os dois, que também são artistas, apresentam espetáculos para crianças e famílias, além de promover oficinas e outras atividades. Tudo com um único objetivo, que passa pela curadoria da ONU e outras instituições: falar sobre a importância do oceano e a necessidade de conservá-lo. Nesse período, que teve idas e vindas por conta da pandemia e outros contratempos, eles fizeram ações em mais de 65 territórios, alcançando 45 mil pessoas, descrevem.

Agora, em um momento que avaliam como emocionante, a missão vai chegando ao fim. De forma simbólica, eles aproveitaram as participações em atividades da COP30 para lançar o segundo livro do projeto, que trata de forma lúdica para os pequenos sobre o impacto das mudanças climáticas nos oceanos.

— Não tem universidade no mundo que te proporcione essa experiência. A estrada foi uma escola —comenta Rafael.

O projeto nasceu em Itajaí, como uma iniciativa pequena, que os dois levavam em paralelo aos empregos que possuíam à época, há quase uma década. A van deu lugar ao trailer e a região que serviu de laboratório ficou pequena. Com o apoio financeiro de duas grandes empresas e quatro campanhas de financiamento, conseguiram pagar os custos da produção a ponto de poder distribuir gratuitamente os livros em escolas e instituições públicas.

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A cada cidade visitada — eram cerca de 20 dias em cada uma — o casal percebia a repetição dos mesmos problemas, de Norte a Sul: falhas na gestão de resíduos, falta de saneamento básico e lacunas na gestão pública. Ao mesmo tempo, presenciavam resultados que faziam tudo valer a pena, como perceber a inspiração em outros profissionais, a semente da educação ambiental sendo plantada.

A estrada, porém, nunca foi simples. Literalmente. Para o casal, o maior desafio foi o deslocamento, com precariedades que por vezes danificou o veículo. Mesmo assim, o projeto se manteve vivo, até se tornar o ganha pão dos dois, algo que ocorreu já na saída de Santa Catarina há quase sete anos.

Agora, com o ciclo concluído em Belém, cidade que os recebeu no dia 5 e onde permanecem até dezembro, o Somos do Mar entra em um momento de transição. A ideia é voltar para Estado de origem, reorganizar a empresa e mudar o formato, oferecendo cursos para professores, espetáculos mais localizados e um livro para adultos com todas as lições da expedição. Engana-se, porém, quem pensa que eles abandonarão de vez as estradas. O novo sonho, para depois da reestruturação, é fazer o mesmo pela costa de toda a América Latina.

— Foi tudo muito visceral. Agora é colher os frutos — desejam.

Assim como pesquisadores catarinenses que atuam na Blue Zone, os “cientistas artistas” Diulie e Rafael defendem que o oceano ganhe destaque no acordo final da COP. Depois de tantas andanças, ficou claro para eles que ainda existe uma invisibilidade sobre o assunto, uma dificuldade em fazer com que as pessoas entendam a importância dessas águas para o equilíbrio da Terra.

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Bandeira azul de SC

O principal assunto liderado pelos pesquisadores catarinenses na COP30 é o oceano. Essas águas são tidas como o “pulmão do mundo”, o principal regulador climático do planeta por conta da capacidade de absorver calor e parte das emissões de um dos principais gases do efeito estufa.

Isso, porém, tem um preço. O gás carbônico torna a água mais ácida. A acidificação somada ao aquecimento tem um impacto gigantesco nos ecossistemas marinhos, como os recifes de corais, com reflexos sentidos na pesca, qualidade da água e turismo.

Os sistemas recifais que estão com o colapso estimado para não mais do que 2040, alerta a ciência. Os ecossistemas costeiros e marinhos, como os recifes de coral, manguezais e dunas, precisam estar bem conservados para que o oceano atue como um verdadeiro soldado frente às mudanças do clima.

Santa Catarina, conforme dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil, é o Estado que mais sofre com erosão costeira entre todos do Sul e Sudeste, algo que deve se agravar com a intensificação dos eventos extremos. Só há clima saudável se o oceano estiver saudável, reforçam diferentes estudiosos.

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