O Brasil está sob holofotes mundiais neste mês por sediar a 30ª edição da Conferência das Partes, a COP30. É a primeira vez que o país é palco do encontro criado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês). Até o dia 21, Belém, no Pará, vai concentrar milhares de cientistas, políticos, diplomatas e jornalistas de mais de 100 países.
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Atualmente, 198 nações fazem parte da UNFCCC, mas nem todas terão representantes na COP30. Para a Cúpula do Clima, que ocorreu na última quinta e sexta-feira (6 e 7), foram 143 países confirmados. O encontro antecedeu o começo oficial da conferência e reuniu presidentes, ministros e dirigentes de organizações internacionais para discutir os principais desafios no enfrentamento das mudanças climáticas.
Já para as negociações, até o início desta semana, dos 191 países que se credenciaram, 170 deram garantia de que se deslocariam para a capital do Pará. Fora da lista estão os Estados Unidos, um dos maiores emissores de gases de efeito estufa do mundo, o que impõe um enorme desafio na hora de “dividir” a conta, já que um dos principais poluidores sinaliza não querer se envolver no combate ao aquecimento global.
A COP ocorre anualmente para que os países atualizem e avancem nas ações. Para o governo brasileiro, esta edição precisa ser a de implementação, afinal, a ciência já repetiu exaustivamente o que tem de ser feito, basta agir. Entre as bandeiras levantadas está o plano ambicioso de mobilizar ao menos 1,3 trilhão de dólares por ano até 2035 para o financiamento contra a crise climática com foco nos países em desenvolvimento.
Outra ideia encabeçada pelo Brasil é a criação do Fundo Florestas Tropicais para Sempre, em que os recursos doados pelos países sejam usados para garantir a conservação desses biomas. No total, mais de 70 nações poderão ser beneficiadas. Para que tudo saia do papel, porém, é necessário haver unanimidade entre os diplomatas, o que por si só é bastante delicado por envolver dinheiro.
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— Prevenir sai muito mais barato do que reconstruir depois de um desastre. Só que o combate não pode ser algo individual. A gente só vai ter avanços consideráveis quando ser algo global, por isso essas decisões de alto nível na COP são importantes — avalia a professora da UFSC e especialista na área de mudanças climáticas, Regina Rodrigues.
Além dos investimentos, as nações devem chegar a diversos acordos de como fazer a transição nos setores de energia e a forma de mudar a gestão das florestas, oceanos e agricultura, por exemplo. São cinco pilares: mitigação, adaptação, financiamento, tecnologia e capacitação. Com um lobby forte da indústria de combustíveis fósseis (cuja queima é a principal fonte de gases de efeito estufa), o avanço no assunto é extremamente lento.
— A COP no Brasil é fundamental, mas é um passo de muitos que serão necessários para gente, de fato, ter tudo aquilo que precisa para o planeta voltar a ser um lugar seguro e saudável para todas as formas de vida — avalia outro especialista no tema, o professor da UFSC Paulo Horta.
Programação extensa
Muito mais que as negociações a portas fechadas, a COP é um dos maiores eventos científicos do planeta. Pesquisadores de diferentes cantos participam de atividades que ocorrem simultaneamente em duas áreas principais: a blue zone e green zone. Na blue, onde estarão também os diplomatas, o acesso é restrito às delegações oficiais, chefes de Estado, observadores e imprensa.
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Lá, os representantes poderão dialogar e apresentar projetos, estratégias e soluções para a agenda climática. Algo parecido ocorrerá na green zone, mas voltado à sociedade civil, instituições públicas e privadas e líderes globais. Com acesso livre ao público, o espaço será uma oportunidade de aproximar a agenda climática da vida das pessoas com exposições, oficinas, debates, eventos culturais, instalações imersivas, apresentações artísticas e shows.
Ciência e legislativo catarinense na COP
Entre os pesquisadores que participarão de programações nas duas áreas estão os professores da Universidade Federal de Santa Catarina Marinez Scherer, Regina Rodrigues e Paulo Horta. Com décadas de estudos envolvendo mudanças climáticas, os três atuarão de maneiras distintas, mas com o mesmo propósito de ajudar a tornar o texto final da negociação o melhor possível para o mundo.
— A COP trata muito mais do que assuntos de meio ambiente. Ela trata sobre economia, sobre a vida das pessoas, se a comida vai estar mais cara, se a energia vai estar mais cara…Esses grandes acordos podem de fato produzir um mundo mais justo para cada um de nós, e isso depende de ciência, que junto com saberes tradicionais, pode construir políticas públicas — resume Paulo.
Paulo reconhece que a humanidade falhou desde o Acordo de Paris em 2015, durante a COP21, quando ficou acordado que esforços seriam feitos para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Neste ano, dados mostraram que o planeta já atingiu o limite de 1,5°C. Apesar disso, o docente reforça: cada décimo de grau importa. Regina explica o porquê:
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— Os impactos pioram a cada décimo de grau que aumenta. Então a gente pode não conseguir tudo, mas qualquer coisa que diminua já é válido e tem um grande significado —.
Santa Catarina conhece bem esse significado. Um dos Estados com os maiores números de desastres ligados a eventos climáticos extremos no Brasil, não à toa a Assembleia Legislativa (Alesc) percorreu todas as regiões catarinenses para elaborar dois documentos que serão entregues à presidência da COP30 na semana que vem. O primeiro é um relatório com contribuições para o evento global. Nele, são feitas reflexões sobre os impactos locais da crise climática e apontadas experiências que podem servir de exemplo para outras partes do país e até do mundo.
O texto foi elaborado pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Alesc e pela Escola do Legislativo. O deputado Marcos de Abreu, o Marquito (Psol), entregará o relatório à COP na abertura da conferência. Na outra ponta, Mauro De Nadal (MDB), que coordenou a Frente Parlamentar da COP30 na Alesc, participará de atividades na green zone.
A missão dele será levar ao debate internacional três propostas estratégicas que valorizam quem produz com responsabilidade ambiental. As sugestões foram construídas em parceria com o setor econômico catarinense por meio de encontros regionais com produtores, especialistas, cooperativas, entidades empresariais e gestores municipais.
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As propostas estarão reunidas em uma carta que a União Nacional dos Legisladores e Legislativos Estaduais entregará à cúpula da COP30. São elas, no caso de Santa Catarina:
- Compensação financeira para produtores que preservam áreas verdes;
- Incentivos fiscais para quem investe em energia limpa e renovável; e
- Compensação ambiental para municípios com áreas preservadas, com recursos destinados ao saneamento básico e proteção hídrica.
De acordo com informações do Monitoramento da Cobertura Florestal de Santa Catarina, 38% do solo catarinense é coberto por matas nativas, enquanto cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual é proveniente do agronegócio, conforme a Epagri.
Enviada especial
As intenções são diversas, assim como as ideias do que pode ser feito para mudar o patamar do aquecimento global. O que de fato vai emplacar, no entanto, só o final da COP30 dirá. Para Marinez, é essencial acompanhar a discussão porque um clima estável significa menos problemas em todas as áreas e regiões.
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Ela é a única catarinense escolhida como enviada especial pela presidência da COP30. Novidade desta edição, a existência de 30 enviados especiais, 20 deles de setores-chave, deve ajudar a organização a entender as necessidades de cada peça no quebra-cabeça ambiental e climático. Um dos temas, o oceano, está sob responsabilidade de Marinez. Bióloga, doutora em Ciências Marinhas, coordenadora do Laboratório de Gestão Costeira Integrada e professora da UFSC, ela tem uma sólida trajetória na questão da Gestão Costeira e Marinha.
Por conta da função voluntária, a pesquisadora passou os últimos meses levando o tema para eventos internacionais e juntando todas as evidências científicas do porquê ele precisa ser valorizado tanto quanto as florestas quando se trata de mudança do clima. O objetivo final é que o assunto esteja no texto assinado pelos diplomatas.
— O oceano é o principal regulador climático do planeta. Então se a gente não tem um oceano saudável, a gente não tem um clima saudável — explica.
O mar absorve 90% do calor aprisionado devido às atividades humanas e quase 30% das emissões de carbono, detalha Regina. Isso, claro, tem um preço. O gás carbônico torna a água mais ácida. A acidificação somada ao aquecimento tem um impacto gigantesco nos ecossistemas marinhos, como os recifes de corais, com reflexos sentidos na pesca, qualidade da água e turismo.
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— O planeta, sabemos, está adoecido. Nesse momento, por exemplo, nós precisamos salvar os sistemas recifais que estão com o seu colapso estimado para não mais do que 2040 — alerta Paulo
Dá pra dizer, então, que a ciência produzida em Santa Catarina vai ajudar a destacar internacionalmente a importância do “pulmão do mundo”, o oceano:
— Vamos inundar a COP30 de água salgada — diz, determinada, a enviada especial
NSC na COP
A NSC estará em Belém na próxima semana para trazer as principais informações da COP30 ao catarinense. Com uma cobertura multimídia, você pode acompanhar as notícias pela TV, rádio, internet e jornais impressos do grupo.

