Em 2024, foram realizadas 97 plásticas mamárias não estéticas no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (HU/UFSC), em Florianópolis. Entre os procedimentos, estão aqueles para reduzir os seios ou os de reconstrução após a mastectomia por câncer de mama. No entanto, há quem espera uma vaga por outra razão. É o caso de Sofia Lima*, de 26 anos, que há pouco mais de dois anos e meio aguarda por um procedimento na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) da unidade de saúde por conta da descoberta da mama tuberosa, deformidade mamária congênita que afeta o formato dos seios, aos 18 anos.
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A moradora da Grande Florianópolis espera por uma consulta em cirurgia plástica não estética desde janeiro de 2023. Atualmente, há 1.378 pessoas na frente dela, e a previsão para o atendimento é em 842 dias.
Apesar de ter descoberto a condição na maioridade, Sofia se sente diferente das outras meninas desde os 15 anos. A condição, de acordo com o cirurgião plástico Anderson Stahelin, se manifesta desde a puberdade.
— É uma condição com a qual a estrutura das mamas se forma de um jeito diferente desde o começo, ou seja, desde a puberdade. Ao invés de terem um formato arredondado, com um contorno bem distribuído, as mamas apresentam uma base mais estreita e uma restrição no crescimento, o que faz com que o tecido se projete de forma mais acentuada na região da aréola — esclarece o médico, que atua no Hospital Regional de São José, na Grande Florianópolis, e no Hospital Infantil Joana de Gusmão, na Capital.
Isso significa, basicamente, que as mamas não se expandem de maneira harmônica, como acontece nas mulheres consideradas anatomicamente normais, de acordo com Stahelin.
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Segundo o médico, a causa exata para a a mama tuberosa ainda não é totalmente esclarecida, mas muitos especialistas acreditam que ela está ligada a um desenvolvimento diferente durante a fase embrionária e na puberdade.
— Há uma ideia de que possa haver um “anel” fibroso, uma espécie de faixa formada por fibras de colágeno e elastina, que impede que a mama se expanda de modo adequado — explica.
Em alguns casos, há também o componente genético, já que relatos de ocorrência familiar foram documentados, de acordo com o cirurgião plástico Rafael Martins, que atua no Baía Sul Medical Center, em Florianópolis.
— Ainda assim, não há um gene específico identificado. Pode ser multifatorial, envolvendo tanto predisposição genética quanto fatores locais do desenvolvimento embrionário — afirma.
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“Evito olhar e, quando olho, me sinto mal”
Sofia* descobriu a mama tuberosa aos 18 anos por um acaso. Como sempre se sentiu mal pelo formato dos seios — evita usar regatas ou biquínis, além de nunca deixar de lado o sutiã com bojo para disfarçar a condição —, a madrinha dela resolveu pesquisar sobre o assunto e cirurgia plástica na mama, algo que, desde os 15 anos, é o desejo da jovem.
Foi aí que a familiar se deparou com a existência da chamada mama tuberosa, por um vídeo no Youtube. Na época, as duas conheceram uma influenciadora que tinha a condição e compartilhava como era a vida pós cirurgia plástica, que colocou fim à deformidade dos seios.
— A partir daí, a gente foi investigando. Eu acho que a mama tuberosa é muito pouco falada. Desde os 15, eu sentia que meus seios eram diferentes, mas me diziam que eles iam crescer. De fato, cresceram, mas de uma forma diferente — relata.
Depois do diagnóstico, a invalidação foi outra. Alguns médicos e até familiares já disseram que a condição não faria Sofia* “perder nada” na vida e que não deveria incomodá-la “tanto assim”.
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— Fisicamente, não me atrapalha em nada. Mas emocionalmente, atrapalha em tudo. É feio. Não é uma mama “certinha”. Ela é reta, a aréola é muito grande… Eu evito olhar e, quando olho, me sinto mal — conta.
Na maioria das vezes, a condição afeta principalmente a aparência das mamas, sem comprometer a função, de acordo com o médico Anderson Stahelin.
— Em alguns casos, se houver uma redução significativa do tecido glandular, pode haver uma pequena interferência na produção de leite. A questão é bem individual e depende do grau em que a mama foi afetada — explica.
O comprometimento funcional vai depender do volume real de tecido glandular viável, segundo o cirurgião plástico Rafael Martins.
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Ainda assim, o emocional, como Sofia* pontua, é o mais afetado. Segundo os dois médicos, são comuns os relatos de vergonha de usar biquínis e dificuldades em ter relações íntimas.
— Muitas pacientes descrevem ansiedade, insegurança e até depressão leve associadas à aparência mamária. A correção cirúrgica, nesses casos, pode trazer melhora importante da qualidade de vida — diz Rafael.
A telefonista ganha pouco mais de um salário mínimo e, por isso, não consegue arcar com as despesas que a cirurgia plástica na rede particular demandaria. Além disso, a recém-formada em Direito está pagando as despesas do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), programa do governo federal que custeia os cursos presenciais em instituições privadas. Mensalmente, paga R$ 881.
A situação dela no SUS é verde, que indica que a paciente tem um caso de menor urgência, com risco de vida menor e que pode aguardar atendimento por um período maior, segundo o Ministério da Saúde.
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— Eu sei que tem casos dos prioritários, como a redução da mama ou até nos casos do câncer de mama. Mas ainda assim tenho esperanças — diz ela.
Questionada, a Secretaria de Estado da Saúde (SES) informou que não fila de espera para cirurgias de malformações congênitas relacionadas à mama nos hospitais próprios.
A reportagem do NSC Total também questionou a Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis para saber quantas mulheres esperam por uma consulta nos postos de saúde da Capital para serem encaminhadas ao HU da UFSC. A pasta informou que não seria possível verificar porque a condição não está presente na Classificação Internacional de Doenças (CID), sistema de classificação de doenças, problemas de saúde e causas de morte desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os códigos são utilizados para identificar e categorizar as diferentes condições médicas.
De acordo com o médico Anderson Stahelin, dentro do SUS, a indicação para a cirurgia de correção das mamas tuberosas é avaliada caso a caso.
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— Não existe um protocolo fixo exclusivamente para essa condição. Em geral, a decisão depende da avaliação da equipe médica, levando em conta o impacto da deformidade na qualidade de vida e nos aspectos emocionais da paciente. Cada caso é analisado de forma personalizada — pontua.
Entendendo a mama tuberosa: aparência e tratamento
Diferentemente de uma mama anatomicamente normal, que se desenvolve com uma base ampla e com distribuição harmônica do tecido mamário em todos os quadrantes, a mama tuberosa tem as seguintes características, segundo o médico Rafael Martins:
- Base mamária estreita;
- Polo inferior pouco desenvolvido ou ausente;
- Sulco inframamário mais alto;
- Aréola protrusa ou herniada, pois o tecido mamário, comprimido por um anel fibroso na base, extravasa pela aréola.
Visualmente, isso confere às mamas um aspecto de forma tubular ou em cone, o que inspira o nome da condição, de acordo com o médico.
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A mama tuberosa possui graus variados de apresentação. A classificação mais utilizada na prática cirúrgica é a de Grolleau, que define três tipos principais:
- Tipo I: apenas o quadrante inferior medial é subdesenvolvido. É a forma mais leve;
- Tipo II: toda a metade inferior da mama (quadrantes medial e lateral) está afetada. É mais evidente e comumente associada à herniação areolar;
- Tipo III: todos os quadrantes mamários estão comprometidos, e a base da mama é extremamente estreita. É a forma mais grave e visivelmente assimétrica.
Além disso, de acordo com o profissional da saúde, a mama tuberosa pode aparecer de forma unilateral (em um seio só) ou bilateral (nos dois seios).
— A forma unilateral costuma ser mais impactante visualmente devido à assimetria acentuada, o que muitas vezes motiva a paciente a procurar ajuda mais cedo. Mesmo nos casos bilaterais, geralmente há graus diferentes de severidade entre os lados — comenta.
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O tratamento padrão é cirúrgico, segundo o médico Rafael:
— Em casos muito leves, se a paciente não se incomodar esteticamente, não é obrigatório corrigir, do ponto de vista médico. A mama tuberosa não é uma doença que coloca a vida em risco, nem causa dor ou infecção. Contudo, por questões estéticas, psicológicas e até funcionais, como dificuldades na amamentação ou uso de sutiãs, muitas optam pela cirurgia. A correção é indicada principalmente quando há sofrimento emocional ou limitação estética importante, o que, na maioria das vezes, está presente.
Entenda como é o procedimento cirúrgico
- Liberação do anel fibroso constritor;
- Redistribuição ou remodelagem do tecido mamário;
- Correção da herniação areolar;
- E, muitas vezes, o uso de implantes mamários ou enxerto de gordura (lipofilling) para reconstituir o volume e dar forma ao polo inferior.
Antonietas
Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

*Sob supervisão de Luana Amorim
**O nome foi alterado para preservar a identidade da fonte, que não quis se identificar.
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