Foi há aproximadamente oito anos que Daiane Colla, então com 34 anos, descobriu a endometriose. Moradora de Florianópolis, ela fazia uma consulta para colocação do Dispositivo Intrauterino (DIU), mecanismo que fica alocado no útero para prevenir a gravidez. Na época, a médica solicitou um ultrassom transvaginal e ela foi considerada apta para o uso do método contraceptivo.

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Como a empresária tem a entrada do colo do útero estreita, foi sugerido pela médica a internação e sedação para a realização do procedimento.

— No dia e horário agendado, passei por tudo e acordei com a médica informando que não havia conseguido inserir o DIU porque não foi possível “pinçar” meu útero para deixá-lo na posição de inserir o dispositivo. Ela sugeriu um novo exame, desta vez com um médico bastante conhecido na detecção da endometriose — conta.

Foi este médico que diagnosticou a “endometriose aguda” em Daiane, termo geralmente usado para descrever um quadro que se apresenta com sintomas mais intensos e de início súbito. A endometriose em si, no entanto, é uma condição crônica, caracterizada pelo crescimento do tecido endometrial —  que reveste o útero — fora da cavidade uterina.

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Na ocasião, o profissional da saúde também identificou aderências que impossibilitam, até hoje, a colocação do DIU em Daiane.

Entenda o que é a endometriose

Endometriose_01 de Mídias NSC

Desde a descoberta, a empresária faz uso de medicação contínua para garantir que não menstrue — o que, no caso dela, piora os sintomas e ajuda no desenvolvimento da endometriose. Ela também procurou outros médicos, que informaram que, pelo fato de a doença estar controlada, não há necessidade de cirurgia.

No final de março deste ano, aos 42, no entanto, Daiane menstruou pela primeira vez depois de anos, mesmo usando os hormônios que evitam que isso aconteça. Por conta disso, as dores ficaram muito mais fortes.

— São cólicas intensas, dores nas pernas, nas costas, fora as oscilações de humor e o sangramento que dura mais de uma semana — relata.

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Motivada por duas amigas que recentemente fizeram a cirurgia para a retirada da endometriose, ela resolveu buscar conselho médico. Entre maio e junho, ela tem quatro consultas com especialistas para escolher o método e o profissional que irá atendê-la.

— Tenho o desejo de retirar o útero há muitos anos. Nunca tive e sigo não tendo vontade de gestacionar. Antes, os médicos se negavam por acreditar que eu era muito jovem e poderia “me arrepender”. Espero que hoje, com 42 anos, eu consiga finalmente fazer essa cirurgia.

Aumento de atendimentos no SUS

De janeiro a abril deste ano, 186 mulheres receberam o diagnóstico de endometriose em Florianópolis, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde. O número é o menor desde 2023, quando a Capital registrou 277 diagnósticos. Em 2024, foram 228. Antes, em 2022, o número se aproximava do atual, com 183 diagnósticos.

Em Florianópolis, as pacientes com endometriose são encaminhadas da Atenção Primária de Saúde (APS) para os ginecologistas das Policlínicas da Grande Florianópolis, quatro no total. Caso seja necessário um tratamento de maior complexidade, elas são encaminhadas para os hospitais do Estado, segundo a Secretaria de Saúde da Capital.

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A fila por cirurgias em SC

No momento, há 749 pacientes que aguardam por cirurgias relacionadas à endometriose em Santa Catarina, informa a SES por nota. Desse total, apenas 37 pacientes entraram antes de janeiro de 2024.

— Desde 2023, o Estado tem adotado diversas estratégias para reduzir o tempo de espera por cirurgias eletivas, ampliando a oferta de serviços existentes e inaugurando novos em toda Santa Catarina. (…) Com as ações implementadas pela Secretaria de Estado da Saúde (SES), foi possível realizar 1.286 cirurgias eletivas relacionadas à endometriose em 2024, uma ampliação de 131,7% com relação a 2022 quando foram feitos 555 procedimentos, segundo dados do Sistema Nacional de Regulação (Sisreg) — explica a SES em nota.

O “salto” nos atendimentos na atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS) entre 2022 e 2023 não chamou atenção somente na capital catarinense.

No Brasil, em 2022, foram realizados 82.693 atendimentos, número que subiu para 115.765 em 2023, segundo o Ministério da Saúde. No ano seguinte, 2024, foram 145.744 atendimentos. Nos últimos três anos, o crescimento foi de 76,24%.

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Os números da endometriose no mundo

Endometriose_02 de Mídias NSC

“Aprendi a conviver com a dor”

Francielle Silva Albino, de 38 anos, é uma das mulheres que têm caso cirúrgico e depende do serviço de saúde pública para tratar a condição. Foi em 2018 que a moradora da capital catarinense procurou ajuda médica, se queixando de fortes dores na região uterina durante o período menstrual.

— Tive sensação de que ia desmaiar, além do fluxo menstrual excessivo. Em um primeiro momento, meu diagnóstico foi uma “cicatriz no útero”, mas que ainda assim não deveria causar essas dores — conta.

Posteriormente, Francielle foi diagnosticada com endometriomas, cistos que se formam nos ovários devido à presença de tecido endometrial fora do útero. A condição pode ser considerada uma manifestação da endometriose, segundo o Ministério da Saúde.

A funcionária pública de Florianópolis fez alguns tratamentos para evitar o crescimento dos endometriomas, mas sem sucesso.

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— Com o passar dos anos, aprendi a conviver com a dor. Meu caso é cirúrgico, porque um dos endometriomas já possui um tamanho superior ao que é tolerável. Mas, neste momento, dependo do SUS — diz.

O SUS oferece tratamentos clínicos e cirúrgicos para a endometriose, em conformidade com o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Endometriose (PCDT), aprovado pela Portaria nº 879, de 12 de julho de 2016.

Francielle teve uma filha aos 18 anos e, segundo ela, não pretende ter mais filhos — de qualquer maneira, sem o tratamento, não seria possível gestar, no caso dela.

Mudança de vida

A cirurgia, em alguns casos, pode pôr fim a 30 anos de sofrimento. Foi o que aconteceu com Denise Giordano, de 45 anos, que fez a cirurgia em janeiro deste ano. Ela recebeu o diagnóstico da doença no ano passado, quando foi realizar um exame para tratar fertilidade, uma vez que estava tendo dificuldades para engravidar.

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— Quando eu descobri que tinha endometriose, eu pensei: “Meu Deus, agora tudo faz sentido” — relembra o alívio.

Denise acreditava que os sintomas da doença que se manifestavam nela, como menstruação intensa e cólicas que a obrigavam a depender de remédios para a dor, eram comuns do ciclo menstrual.

— Eram cólicas surreais desde os meus 13 anos, tão fortes que eu tinha ânsia de vômito. No início da minha menstruação, os ciclos eram muito mais curtos do que o normal, então eu menstruava duas vezes por mês.

Quando passou a tomar o anticoncepcional, os sintomas aliviaram um pouco, mas ela continuava sofrendo com o ciclo, que, para as mulheres com endometriose, pode ser até torturante, segundo o ginecologista Esdras Camargos, especialista em endometriose há mais de 20 anos em Florianópolis.

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— Menstruar, para algumas mulheres, é até sinônimo de alívio, mas para a mulher que tem endometriose, é um sofrimento. Tem pacientes minhas que, se eu peço para definir a dor em um número de 1 a 10, sendo 10 a pior dor do mundo, elas dão 10. E a gente não é feito para viver com dor.

Era o que Denise passava antes do procedimento deste ano. Já na vida adulta, por uma semana do mês, ela vivia “dopada” para aguentar a dor, que a impossibilitava de ser produtiva em diferentes áreas da vida.

Denise passou pelo procedimento há quatro meses, e se recuperou bem (Foto: Arquivo Pessoal)

Mas há quatro meses, Denise vive outra vida: sem cólicas. Em janeiro, ela fez uma cirurgia para desobstruir as trompas, o que não é um tratamento direto para endometriose, mas pode ser necessário em casos específicos, como quando a doença causa obstrução tubária, que dificulta a fertilidade.

— Foi a melhor coisa que eu fiz no mundo. No mês seguinte, em fevereiro, eu já não tive mais cólica. Isso mudou minha vida da água para o vinho — comemora.

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Falta de informações

A falta de informações sobre a doença, além de questões culturais, faz com que muitas mulheres normalizem a dor e que também não sejam ouvidas de forma adequada pela equipe de saúde, segundo o médico Esdras Camargos.

Foi o que aconteceu com Daiane Colla. Mesmo relatando as dores que ela descreve como “incapacitantes” aos médicos, antes do diagnóstico, nunca foi sugerido a endometriose, ou até mesmo outro exame para identificar alguma outra condição.

— Eu sempre convivi com as cólicas menstruais como se fosse algo que eu precisava enfrentar. Tinha muitas dores, mas eu considerava elas normais, pois acreditava que todas as mulheres passavam pelo mesmo, e que era normal. Hoje entendo que não — relata.

O médico reforça o que ele considera o “jargão da endometriose”:

— Cólica não é normal. Não é normal sentir dor. As pacientes não devem subestimar o que o corpo está dizendo para elas. Não se pode normatizar isso — afirma Esdras Camargos.

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Os sintomas

A endometriose tem taxa de prevalência estimada entre 5% e 15% das mulheres em idade reprodutiva, de acordo com o Ministério da Saúde.  Entre os principais sintomas associados à doença, conforme a pasta da saúde, estão:

  • dismenorreia (cólica menstrual intensa),
  • dor pélvica crônica,
  • dispareunia (dor durante a relação sexual com penetração),
  • infertilidade
  • queixas intestinais e urinárias com padrão cíclico.

No Brasil, a média entre o início dos sintomas e o diagnóstico da doença é de sete anos, estima o ministério. O processo inclui avaliação clínica e, quando necessário, a solicitação de exames de imagem, como a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal ou a ressonância magnética de pelve com contraste. O objetivo é identificar a localização e a extensão das lesões, a fim de indicar a conduta mais adequada.

Doença está mudando

Esdras Camargos, que lida com a endometriose há mais de 20 anos, nota que a endometriose vem passando por mudanças.

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— A forma que eu conheci a endometriose mudou. Os tratamentos mudaram. Tinha uma época em que se operava todo mundo, outra em que se tratava tudo com pílula anticoncepcional… Isso tudo muda o perfil da doença — explica.

Rosária Penz Pacheco, de 51 anos, passou pela época em que a cirurgia era a “solução” para a doença, segundo ela. Desde os 18 anos, ela tinha cólicas mais fortes e sangramento mais elevado.

— Era muito sacrificante ter uma vida normal e menstruar. No início da vida adulta, eu me lembro de começar a trabalhar com muita dor, parecia uma agulha de tricô “picando” lá dentro do útero, dando fincadas internas.

Foram ao menos 10 anos sofrendo com as dores, até que Rosária realizou uma videolaparoscopia, procedimento que utiliza uma câmera e instrumentos cirúrgicos introduzidos por pequenas incisões na parede abdominal. O método é empregado tanto para diagnóstico quanto para tratamento da endometriose, segundo o Ministério da Saúde.

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Na época, em 2002, o médico disse que, caso fossem detectadas as aderências, na hora iria ser feita a cirurgia e, depois, ela começaria um tratamento para aliviar os sintomas, especialmente a dor pélvica crônica.

O tratamento pode incluir terapia hormonal, como o uso de progestágenos e contraceptivos hormonais combinados — que posteriormente Rosária acabou fazendo. Além dessas medidas, analgésicos e anti-inflamatórios podem ser utilizados para controle da dor, assim como o acompanhamento multiprofissional.

Após o procedimento, Rosária passou a fazer um tratamento que incluía injeções anti-hormônios na barriga por cerca de nove meses. Na ocasião, ela tinha 28 anos.

— Era horrível. Foram nove meses de menopausa com 28 anos de idade: calorão, corpo mudando, pele, tudo. Foi muito difícil, era tudo pouco explicado, pouco falado, era só “tem que fazer e pronto”, sem paciência.

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Rosária, então, passou os 12 anos seguintes tomando pílula anticoncepcional de maneira contínua, uma alternativa dada a ela na época. Aos 40, o ginecologista que a tratava recomendou que ela interrompesse o uso, por conta do histórico cardíaco da família. O médico sugeriu, como alternativa contraceptiva, que ela colocasse o DIU, o que ela não quis.

— Por um tempo, minha menstruação se manteve regulada. Mas isso não durou nem uns cinco anos. Comecei a ter cólica de novo, inchaço, e um fluxo mega intenso, foi desesperador.

A volta desses sintomas a motivou a realizar novos exames, que detectaram a endometriose novamente, além de adenomiose (crescimento do endométrio dentro do miométrio) e miomas uterinos (tumor benigno formado por tecido muscular com conjuntivo no útero). As duas condições também causam sangramento menstrual intenso e cólicas. A grande perda de sangue fez com que, inclusive, Rosária ficasse anêmica.

Como tratamento para a endometriose, a ginecologista de Rosária recomendou que ela retomasse o uso do anticoncepcional, desta vez de progesterona, sem estrogênio, que pode ser um aliado no tratamento da endometriose.

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O próximo passo, para Rosária, pode ser a retirada completa do útero e ovários, segundo a médica responsável pelo tratamento dela.

— Eu estou acompanhando o quanto posso, porque cirurgia é uma coisa desagradável, mas se tiver que fazer, vou ter que fazer.

Quando a cirurgia é indicada

Nos casos em que o tratamento clínico não for eficaz ou quando houver complicações, a cirurgia pode ser indicada, de acordo com o Ministério da Saúde: “os principais procedimentos cirúrgicos disponíveis no SUS incluem a videolaparoscopia, uma técnica minimamente invasiva para remoção de focos de endometriose e que também pode ser usada para diagnóstico quando necessário; a laparotomia, uma cirurgia aberta indicada para casos mais complexos; e a histerectomia, que consiste na remoção do útero, sendo recomendada apenas em situações específicas e após avaliação criteriosa”.

A dor, além do principal sintoma da endometriose, é o mais cruel. Além de aumentar o sofrimento da mulher com os outros sintomas, como a infertilidade — quando a mulher que quer gestar menstrua, vem duas dores: a da cólica e a confirmação de que não haverá uma gravidez naquele mês.

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Além disso, o médico Esdras Camargos explica que, convivendo com a dor causada pela doença, o cérebro aprende a “amplificar” a cólica menstrual a cada ciclo. É a forma que o corpo encontra de fazer com que o indivíduo resolva aquela situação.

— No cérebro, a dor aumenta para que a pessoa aprenda e “resolva” aquele problema que o corpo está mostrando o quanto antes, mas não há o que fazer. Isso mexe muito com o emocional da mulher, que já vive sem a plenitude da sexualidade, com a queda de libido, a infertilidade e com dor. 

*Sob supervisão de Andréa da Luz

Antonietas

Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.  

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