Com o sonho de “alcançar um público amplo e diversificado”. Foi assim que a jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e produtora de cinema catarinense, Juliana Sakae, descreveu as expectativas para o lançamento do seu primeiro livro, “Eu, Brasil”. A narrativa da obra acompanha a jornada da autora em busca das histórias da família, enquanto mostra camadas invisíveis da formação do Brasil.
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O livro de Juliana nasceu de um projeto pessoal, que começou após a morte de sua mãe em 2013. Com a ideia de preservar memórias familiares para as futuras gerações, a autora iniciou a pesquisa entrevistando os avós em Florianópolis, antes de viajar a Pernambuco para explorar a origem do avô. Com o tempo, a narrativa evoluiu de um relato íntimo para uma investigação mais ampla sobre suas heranças culturais e histórias apagadas.
— Descobri que a minha tataravó, ou seja, a avó da minha avó, tinha sido uma mulher escravizada em Santa Catarina. Comecei a lidar com todas essas identidades que foram apagadas dentro da nossa ancestralidade. Pesquisei sobre a minha avó, fui para Joinville, porque a família dela era originalmente de lá e fui atrás de documentos.
Na busca por esses documentos, Juliana relata que enfrentou algumas situações que dificultaram o processo. Uma delas foi um atendente que disse que ela não encontraria os documentos que buscava, porque “Joinville tinha sido colonizada por alemães e eles não tinham pessoas escravizadas”. Entretanto, ela voltou ao arquivo histórico e continuou a procura, mesmo que sem sucesso.
— Uma amiga que me falou assim: “Ju, por que que em vez de tu escrever a história dos teus antepassados, tu não escreve a história da investigação? Porque o que tu não descobrir conta mais sobre a história do Brasil do que os próprios documentos”.
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A autora diz que foi a partir desse momento que transformou sua abordagem original. Ela decidiu narrar não apenas as histórias familiares, mas também a jornada de investigação, destacando as lacunas históricas.
— Escrever este livro foi um processo de cura e descoberta. Percebi que, ao resgatar minhas raízes, estava também contando uma versão do país que raramente aparece nos livros didáticos.
Perspectivas femininas e racializadas
Com uma trajetória profissional dedicada a projetos ligados a direitos humanos e documentários, Juliana traz para a literatura uma sensibilidade e um rigor investigativo. A obra foi construída ao longo de quase uma década, incluindo viagens, entrevistas e mergulhos em bibliografias frequentemente marginalizadas.
Além disso, Juliana destaca a importância de incluir perspectivas femininas e racializadas na literatura brasileira. Ela menciona autores influentes, que a ajudaram a entender por quem vive as dores retratadas, como Djamila Ribeiro e Jorge Okubaro, e livros como “Um Defeito de Cor”, de Ana Maria Gonçalves e “A Queda do Céu”, de Davi Kopenawa que moldaram sua perspectiva durante a escrita.
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O livro também reflete sobre questões linguísticas e de pertencimento, influenciado por obras como “Preconceito Linguístico”, de Marcos Bagno, e “Lugar de Fala”, de Djamila.
— Aprendi a abraçar meu sotaque florianopolitano e a reconhecer as muitas identidades que me atravessam.
O estilo do livro mescla escrita íntima com uma pesquisa densa, herdando técnicas do cinema documental. Juliana é uma produtora de cinema especializada em documentários pela New York Film Academy e Direitos Humanos pela PUC de Porto Alegre. Segundo ela, o trabalho do livro foi como trabalhar editando um filme, “cortando, reescrevendo e reorganizando até encontrar a estrutura certa”.
Quando questionada sobre como o livro pode chegar na mão de outras mulheres, ainda na escola, ou na mão de outros jovens que não tiveram tanto acesso a literatura, Juliana responde que espera que o livro “ajude a preencher lacunas na educação literária, oferecendo aos leitores uma visão mais abrangente e inclusiva da história do Brasil”.
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De acordo com ela, essa vontade de que o livro chegue à educação literária vem da falta de acesso a autores racializados no próprio processo de conhecimento durante a escola.
— Temos uma literatura muito específica dentro da nossa formação. Pra mim isso foi uma grande questão. Quando eu comecei a escrever o livro eu morava em Los Angeles, tinha essa questão de ser imigrante. E pra mim foi uma grande questão lidar com as minhas identidades, porque uma vez que tu sai do Brasil tu é latina, tu é, no meu caso, brown [morena]. Eles me chamam de uma pessoa brown. No Brasil eu sou amarela, nos Estados Unidos eu sou brown. Então, eu comecei a entender que as minhas identidades, elas dependiam de onde eu estava e entrei numa crise de identidade — relata Juliana.
A autora ainda conta que foi quando retornou ao Brasil que passou a entender mais quem ela era, e espera que o livro ajude jovens a perceberem um pouco mais cedo o lugar que eles pertencem dentro da história do Brasil. No fim, a obra de Juliana une autobiografia, não-ficção e pesquisa histórica para explorar temas como ancestralidade, traumas e identidades deslocadas.
O título “Eu, Brasil” é inspirado no pensador jamaicano-britânico Stuart Hall, refletindo o desconforto de ser brasileira e, ainda assim, ser constantemente vista como estrangeira.
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Lançamento do livro
A obra de Juliana será lançada durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) 2025, no dia 1º de agosto, às 17h, na Casa Ofício das Palavras (Rua Gravatá, 65). Já no dia 2 de agosto, às 15h, Juliana participará do painel “O caminho da arte na retomada da identidade nipo-brasileira”, organizado pelo Coletivo Escritoras Asiáticas & Brasileiras, também na Casa Ofício das Palavras. Os exemplares ficarão disponíveis para venda no estande das Coletivo Escritoras Asiáticas & Brasileiras, localizado na Praça Aberta.
Um projeto de distribuição de mil livros para escolas, bibliotecas e universidades públicas foi aprovado pelo ProAC-Editais e conta com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, o Programa de Ação Cultural – ProAC e o Fomento CULTSP.
*Sob supervisão de Giovanna Pacheco
Antonietas
Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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