A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que impõe limite à reivindicação de terras pelos povos indígenas foi aprovada pelo Senado nesta terça-feira (9). Agora, o texto segue para análise na Câmara de Deputados.
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O texto insere na Constituição a tese do marco temporal, determinando que somente poderão ser demarcadas as terras que estavam sob a posse dos indígenas na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.
Entenda a proposta
A PEC 48/2023, apresentada pelo senador Dr. Hiran (PP-RR), ratifica os termos do marco temporal, tema da Lei 14.701, de 2023. O objetivo declarado da emenda é conferir segurança jurídica para o processo de demarcação de terras indígenas.
“Essa emenda não visa negar o direito dos povos indígenas às suas terras, mas, sim, oferecer uma base sólida para a demarcação, evitando conflitos e incertezas que prejudicam tanto as comunidades indígenas quanto outros setores da sociedade”, diz a justificação da proposta.
A PEC foi aprovada na forma de substitutivo oferecido pelo relator, senador Esperidião Amin (PP-SC). O texto ampliou as ressalvas à demarcação e acrescentou dispositivos que garantem prévia indenização aos ocupantes regulares de terras que serão demarcadas.
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Tese do marco temporal surgiu em 2009
A tese do marco temporal surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima. O critério temporal foi utilizado nesse caso.
Em setembro de 2023, o Senado aprovou um projeto de lei (PL 2.903/2023) que regulava a demarcação de terras indígenas de acordo com o marco temporal.
No mesmo mês, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu contra a tese, e o governo vetou o trecho da lei que instituía o marco temporal. O veto, no entanto, foi derrubado pelo Congresso Nacional logo depois. Assim, o marco temporal virou lei em outubro de 2023.
Em abril de 2025, o ministro Gilmar Mendes estabeleceu a suspensão das ações que tratam da questão no Supremo, até que haja uma decisão final dos ministros. Na ocasião, foi estabelecido pelo STF um grupo de trabalho para discussão do tema com o Executivo e o Legislativo, o que levou à suspensão da tramitação da PEC 48/2023 no Senado.
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Integrantes de grupos indígenas são contrários ao marco temporal e afirmam que a tese desconsidera, por exemplo, povos nômades e comunidades que foram expulsas de suas terras antes da promulgação da Constituição.
Ao apresentar relatório, Amin lembrou que, desde 1934, todas as Constituições reconheceram implicitamente o princípio do marco temporal, estabelecendo que os povos indígenas têm direito à posse da terra “em que eles se encontram”. Ele elogiou a conduta do ministro Gilmar Mendes na busca de “uma luz de harmonia, de bom senso e de acordo”.
— O marco temporal, por mais vezes que o Supremo decida que ele não existe ou não vale, ele vale, sim, porque tudo que nós fazemos na nossa vida respeita o marco temporal — pontuou Amin.
Oposição a proposta
Na discussão da matéria, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), apelou por um acordo, admitindo que a insegurança jurídica é “insuportável”. Para ele, o marco temporal não resolve o problema e põe os indígenas em desvantagem na regularização de terras.
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— A culpa não é dos indígenas. A culpa é do Estado brasileiro, que não cumpriu o desígnio do Constituinte, que em cinco anos deveria ter regulamentado [as demarcações] — alegou.
Já o senador Dr. Hiran criticou a judicialização do marco temporal no STF e chamou a atenção para a responsabilidade sobre demarcações no campo e em áreas urbanas.
— A lei do marco temporal, a meu juízo, não tem nenhuma inconstitucionalidade, mas, quando nós demos esse tempo de mais de um ano para discutir no Supremo, durante esse tempo, o governo continuou sinalizando a demarcação de terra indígena no país, concedendo insegurança jurídica — diz.
A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) argumentou que os índios “já estavam aqui quando a gente chegou”:
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— Não voto a favor de algo que vai massacrar um povo, que já foi empurrado para longe pelo garimpo ilegal e pelo desmatamento. (…) É necessário que as terras indígenas sejam preservadas e não invadidas e depois querer a legalização.
Para Weverton (PDT-MA), o marco temporal pode gerar desenvolvimento para os indígenas:
— Nós temos que lá levar escola, saúde de qualidade, política pública, aprender, fazer com que eles possam fazer daquela área deles uma área de produção, de geração de riqueza, e que eles possam fazer daquilo ali uma grande referência, como acontece no mundo, onde índio também pode explorar sua riqueza.
Como votaram os senadores de SC
A proposta foi aprovada com 52 votos favoráveis, 14 contrários e uma abstenção, em primeiro turno, e com 52 votos favoráveis, 15 contrários e uma abstenção, em segundo turno.
Os três senadores de Santa Catarina votaram a favor da PEC, sendo:
- Ivete da Silveira (MDB)
- Jorge Seif (PL)
- Esperidião Amin (PP)
Votação ocorre um dia antes do STF iniciar novo julgamento
A votação no Senado ocorreu um dia antes do Supremo Tribunal Federal (STF) começar a julgar, nesta quarta-feira (10), quatro ações que abordam a constitucionalidade ou não da tese do Marco Temporal sobre demarcação de terras indígenas.
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O assunto tem relação direta com Santa Catarina porque o caso que levou a Suprema Corte a descartar a tese do Marco Temporal como critério para a demarcação de terras indígenas, em julgamento feito em 2023, tem origem em uma disputa de áreas no Estado.
O STF vai julgar ações diretas de inconstitucionalidade, chamadas de ADI na sigla do Supremo. Das quatro ações a serem analisadas pelo STF, três pedem que a Suprema Corte considere essa nova lei aprovada pelo Congresso como inconstitucional.
As ações partiram de partidos do campo da esquerda, como PSOL, Rede, PDT e a federação PT, PCdoB e PV, além da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A quarta ação a ser analisada é uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e pede que a lei aprovada pelo Congresso seja reconhecida como constitucional. Isso confirmaria a validade da tese do Marco Temporal. Essa ação partiu dos Partidos Progressistas, Republicanos e Liberal.
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Em setembro de 2023, o STF julgou a tese do Marco Temporal em uma disputa de terras na Terra Indígena Ibirama-Laklaño, ocupada pelo povo Xokleng, no Alto Vale do Itajaí.
O Governo do Estado reivindicava o território sob o argumento de que o local não era ocupado antes da promulgação da Constituição. Os indígenas refutavam o argumento afirmando que haviam sido expulsos por uma perseguição histórica de tropas paramilitares.
