Chovia forte às 11h50min de uma sexta-feira em pleno Centro de Blumenau. O trânsito perto do horário do almoço se intensificava. Mesmo com os carros passando em alta velocidade e espirrando água, um casal dividia um guarda-chuva azul e aguardava na margem da rua por uma brecha, com um pé na pista. Entre uma tentada e outra, recuavam. A cena durou três minutos até que o semáforo perto da Rua Namy Deeke fechou e eles correram para atravessar, se esforçando para não escorregar antes que os carros na Rua Presidente John Kenedy voltassem a encher as pistas. O exemplo ilustra como, mesmo com a reforma do túnel de pedestres, feita para dar mais segurança, muitos ainda se arriscam no vaivém dos veículos em uma das ruas mais movimentadas de Blumenau.

Continua depois da publicidade

Em meia hora, a reportagem flagrou mais de 15 travessias irregulares e tentativas frustradas. No trecho próximo ao Neumarkt Shopping, a distância entre um semáforo e outro é de cerca de 350 metros. A caminhada de uma faixa de segurança para outra leva em torno de cinco minutos. Mas há um detalhe: o túnel de pedestres está posicionado no meio deste caminho. A média de quem atravessava fora da faixa de segurança era de quatro minutos de espera, enquanto quem partia do mesmo ponto para atravessar pelo túnel, com passos calmos, levava no máximo de dois minutos e 30 segundos.

Às 11h26min, duas figuras resistem no meio da chuva. Uma mulher, de roupa social e salto, corre em pequenos pulos desajeitados, sem guarda-chuva, rumo ao Teatro Carlos Gomes. Do outro lado, um homem que carrega uma pasta de papel sobre a cabeça com os ombros encolhidos e passos largos, corre em direção ao Neumarkt. Eles se cruzam no meio da avenida, separados por um carro, como se a pressa tivesse coreografado um encontro improvável. 

Para Valdemiro Samdonai, de 65 anos, morador de Blumenau, cenas assim já virou rotina.

— É normal. O pessoal não tem responsabilidade e acha que o motorista tem que parar. Todo mundo sabe que tem túnel para usar, mas essa pressa — comenta, rindo e gesticulando com naturalidade para as pessoas que se arriscam na roleta russa do fluxo caótico da rua.

Continua depois da publicidade

Veja imagens de algumas travessias irregulares

Por que os pedestres se arriscam ali?

Um jovem, com um boné que falha em proteger o rosto da chuva, parou na ciclofaixa por volta das 11h22min e ficou ansiosamente aguardando um sinal vermelho em qualquer um dos lados. Após dois minutos de espera, se arriscou e correu com passos largos por uma brecha entre dois carros. Ao lado de onde esperava, estava uma placa com letras grandes que dizia “Pedestre, use o túnel”, como se a ordem fosse apenas um detalhe do cenário urbano.

Para Márcia Pontes, especialista e referência em segurança no trânsito, a pressa e a imprudência são os principais motivos para as pessoas atravessarem fora da faixa e em locais sem sinalização. Ou seja, o ditado de que a pressa é a inimiga da perfeição pode ser aplicado quando se fala em segurança e trânsito.

— O pedestre quer a menor distância, a linha reta. Ele vai atravessar no meio dos carros porque acha que chega mais rápido. O túnel existe para dar segurança, mas o pedestre não quer perder tempo. Ele não conhece a legislação, não foi educado para o trânsito. E, com chuva, o risco aumenta: visibilidade reduzida, veículos precisam de mais espaço para frear e o pedestre pode escorregar — destaca a especialista.

A epopeia das funcionárias

Às 11h40min, a cena ganha novos personagens: cinco funcionárias, protegidas por quatro guarda-chuvas coloridos, esperam na esquina em frente ao hospital. Hesitam, riem, fazem movimentos bruscos de avanço e recuo, sempre bloqueadas pelo fluxo de carros. Três minutos depois, impacientes, começam a discutir entre si, gesticulando sobre qual caminho tomar. Uma delas propõe o túnel, enquanto as demais insistem em arriscar a travessia direta. Por fim, o trânsito rápido e a chuva vencem. Entre risadas e reclamações, elas se rendem e seguem apressadas até o túnel. Às 11h45min, já estão do outro lado da rua, rindo e seguindo para bater o ponto no trabalho após o intervalo.

Continua depois da publicidade

Às 11h46min, agoniada por não ter um guarda-chuva e capa, uma mulher não espera por uma brecha e corre até metade da pista enquanto os carros avançam rapidamente em sua direção. Percebendo que está em perigo, decide voltar correndo e quase tropeça ao subir na calçada. A cena se repete mais de uma vez: pessoas param, contemplam, analisam o trânsito, percebem a quantia de carro e são forçadas a ir pelo túnel de pedestres.

— O pedestre vai no sentido da sua “caminhabilidade”, ou seja, para ele, a menor distância entre um lado da rua e o outro é uma linha reta. Então, ele se atravessa no meio dos veículos. Ele arrisca para chegar rápido do outro lado, o pedestre é mais ou menos assim. Ele não quer perder tempo e coloca a vida em risco em troca de alguns segundos, que pode ser a diferença entre a vida e a morte — elabora Márcia.

O Código de Trânsito Brasileiro estabelece que os pedestres devem atravessar as ruas com cautela, considerando a visibilidade, distância e velocidade dos veículos. Sempre que houver faixas ou passagens a até 50 metros, elas devem ser usadas. Quando não houver faixa, a travessia deve ser feita em linha reta, atravessando a rua diretamente de um lado ao outro. Em cruzamentos sinalizados, os pedestres devem seguir os sinais de luz ou esperar que o semáforo ou agente de trânsito interrompa o tráfego. Nas interseções sem faixa, a travessia deve continuar no alinhamento da calçada, com cuidado para não atrapalhar os veículos.

O que diz a legislação sobre faixas de segurança e semáforos

A especialista explica que a atual legislação estabelece que o pedestre é culpado pelo próprio acidente, caso seja atropelado fora da faixa de segurança, em uma distância de até 50 metros dela. Além disso, o motorista que atropelou pode até entrar na Justiça e requerer que o pedestre pague os danos que o corpo dele fez no carro. Porém, caso não tenha faixa na distância estipulada, a preferência é sempre do pedestre.

Continua depois da publicidade

— O pedestre sempre pensa que o veículo vai parar para ele ou tem obrigação de parar. Muitos pedestres não são habilitados, não conhecem regras de trânsito. O condutor tem a responsabilidade porque está no veículo automotor, mas o pedestre também tem a responsabilidade e autocuidado com a própria vida — destaca.

Márcia elabora que as faixas de pedestres só podem ser colocadas em cruzamentos, conforme estabelece o Manual Brasileiro de Sinalização de Trânsito, e qualquer tentativa de instalar uma faixa fora do padrão precisa de estudo técnico. 

— Se colocarem uma faixa de segurança sem um estudo técnico ou com estudo técnico que desrespeite o manual, e houver acidente, o engenheiro responde legalmente porque desrespeitou uma norma de trânsito editada pelo Conselho Nacional de Trânsito — elabora.

Além disso, caso fosse criado uma faixa de segurança em frente ao shopping, seria preciso também colocar um semáforo no local por ser uma via arterial e estar perto do centro comercial com um alto volume de pedestres. Isso, porém, traria um novo problema por entrar em conflito com o manual de sinalização semafórica.

Continua depois da publicidade

Um problema leva ao outro, conforme aponta a especialista, porque o tráfego de veículos poderia ficar ainda mais congestionado pela “excesso” de semáforos naquele trecho.

Ou seja, a melhor saída é usar o túnel.

Leia também

DNIT-SC reabre licitação para viaduto na BR-470 após problemas apontados pela CGU