Antes do sol nascer, os pescadores já estão no aguardo da chegada de peixes no Litoral de Santa Catarina. O olhar atento ao mar enquanto desenrolam a rede de pesca carrega a esperança de manter viva a profissão em meio à ameaça de seu fim. E mesmo com as dificuldades enfrentadas na praia, não escondem o orgulho de se dizer pescador e fazer parte da tradicional atividade, passada de geração para geração.

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Nesta quinta-feira (29) é celebrado o Dia do Pescador. Uma profissão antiga que conhece a natureza, o mar, e sabe identificar a melhor lua e maré para a chegada de peixes na costa. Para que uma temporada da tainha, por exemplo, seja boa em Santa Catarina, é necessário que haja um ritual climático específico. Os peixes, que saem do Sul do Brasil, encostam no Litoral catarinense com a ajuda do vento Sul. Se a direção do vento, porém, não for como o esperado, a pesca é atrapalhada pelo número baixo de tainhas.

Aos 58 anos, Valdori de Almeida já entendia sobre a influência dos eventos climáticos na pesca desde os oito anos. Se empolga ao lembrar que começou com a pesca de arrasto de praia, modalidade da qual vivia a família. Desde então, o mar virou sua “segunda casa”.

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É em Ponta das Canas, no Norte de Florianópolis, que ele passa quase 12 horas diárias, principalmente, durante a temporada da tainha — que perdura de 1º de maio a 30 de julho em Santa Catarina. A chegada no rancho está marcada para 5h, todos os dias, e a saída acontece apenas após o sol se pôr.

(Foto: Tiago Ghizoni/NSC Total)

Mas mesmo com a alegria que carrega ao falar da profissão, o dono de um rancho de pesca em Canasvieiras não viu a tradição ser passada adiante. O contraste entre a calmaria da praia e a correria dos pescadores ao avistar um cardume não foi o que os filhos de Valdori escolheram. Apesar de as crianças também terem acompanhado a pesca, escolheram seguir caminhos diferentes. Isso, conforme conta, foi devido às dificuldades da profissão.

— É difícil sobreviver só da pesca, não tem garantia. É uma vida dolorida, sofrida, e não existe uma escola para ensinar a sabedoria da pesca ou políticas públicas para que profissão traga um futuro. A gente só sabe quando participa da prática. Pensa, a gente até pega bastante peixe, mas vendemos eles pelo mesmo preço que vendíamos a seis anos atrás. Me diz o quanto os combustíveis aumentaram nesse tempo. Não existe uma valorização da gente e nem do nosso produto — desabafa.

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— É muito triste não ter gente interessada em seguir na profissão, é tão lindo quando a gente consegue pegar bastante peixe e levar para os filhos e netos. É uma satisfação grande ver eles comendo — conta.

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A rotina, os equipamentos e as angústias não mudam de um pescador para o outro. Luciano, por exemplo, que é pescador em Jurerê, na Capital, também chega na praia por volta das 5h. O horário independe das condições do tempo.

— A gente tá sempre mexendo com a rede e molhados. Tem dias que ficamos até mais tarde, tem dias que vamos embora com o fim do dia. Tomamos café lá, almoçamos e fazemos o lanche da tarde. Sempre de olho na pescaria, porque se avistarmos tainhas, saímos correndo para lançá-las — diz.

(Foto: Tiago Ghizoni/NSC Total)

Luciano tem 67 anos e há ao menos 57 é pescador. Na pesca ele ocupa duas funções: vigia e remeiro. O vigia é o pescador designado a ficar em um ponto estratégico da praia para observar a chegada de cardumes. É a partir do sinal dele que os outros pescadores começam os trabalhos. Já o remeiro é um dos responsáveis por movimentar a canoa.

— Estamos na água direto e tem dias que ficamos lá esperando peixe e ele não vem. São vários os sacrifícios da profissão, não se ganha na moleza, então para ser pescador a gente tem que gostar e só — comenta.

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Santa Catarina, conforme dados do Ministério da Pesca e Aquicultura, é maior produtor de pescado do Brasil. Os últimos dados atualizados mostram que o Estado detém 32% da frota pesqueira nacional. São quase 8 mil embarcações catarinenses cadastradas, onde 19,4 mil pescadores profissionais fazem parte.

Este ano, o Estado enfrentou uma batalha judicial sem sucesso contra o governo federal, que proibiu a pesca industrial da tainha em Santa Catarina e diminuiu a cota da modalidade de emalhe anilhado. Os prejuízos, conforme a secretária estadual da pesca, giram em torno de R$ 10 milhões.

As dificuldades da rotina pesqueira, porém, vão além, conforme contam os pescadores. A falta de estudo e entendimento das leis, segundo Valdori, é o que complica a profissão.

— Ninguém vem aqui discutir com a gente sobre uma lei ou entender como funciona o nosso dia. A gente só fica sabendo quando acontece, e, claro, é muito importante ter lei, mas se eu não pescar, como eu vou sobreviver? Se houvesse alguém para fazer o pescador entender as normas ou que incentivasse a gente com conhecimento e modernização da pesca, por exemplo, seria muito melhor — diz.

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Ainda que haja dificuldades, o sorriso largo de esperança toma conta dos pescadores ao relembrarem os últimos lanços da temporada. A alegria genuína quando perguntados se trocariam de profissão em algum momento nega rapidamente a possibilidade.

— Eu me sinto muito orgulhoso em dizer que sou pescador. As pessoas até me olham meio atravessado, mas eu vivo do que eu pesco e eu me sinto orgulhoso e feliz por isso. Apesar de tudo, é muito gratificante — comenta Valdori.

— Eu me sinto orgulhoso porque é uma coisa que a gente tem liberdade, não é só o trabalho mas a liberdade da praia. É uma tranquilidade mesmo quando estamos trabalhando — finaliza Luciano.

(Foto: Tiago Ghizoni/NSC Total)

O que faz cada pescador artesanal

Durante as temporadas, os pescadores artesanais ganham novos nomes de acordo com as funções que exercem no rancho. São cinco divididas para cerca de 10 ou 15 profissionais.

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  • Patrão: é o pescador designado a conduzir a embarcação. Ele fica posicionado na parte de trás da canoa e determina o ritmo das remadas.
  • Vigia: designado a ficar em um ponto estratégico da praia, de preferência no alto, para observar a chegada de cardumes. A partir do sinal do vigia, os outros pescadores começam os trabalhos.
  • Remeiro: trabalha para movimentar a canoa.
  • Chumbereiro: responsável por jogar ao mar a parte da rede onde estão os chumbos. Ele é também um dos remeiros.
  • Corticeiro: assim como o chumbereiro, ele faz parte do time dos remeiros, mas é também o pescador responsável por jogar ao mar a parte da rede com as cortiças.

Temporada da tainha em SC

A temporada da tainha tem início em Santa Catarina em 1º de maio com a pesca de arrasto de praia — feita por comunidades que em embarcações pequenas jogam uma rede de cerco para pegar os animais em um “saco”. A rede, assim que o cardume é capturado, é arrastada manualmente pelas extremidades até a areia da praia. Geralmente fazem parte dessa modalidade 10 a 15 pescadores por rancho.

No Estado existem também outras duas modalidades: pesca anilhada e industrial. A atividade anilhada ocorre também com uma rede, porém, ela se fecha no momento da captura. Essa modalidade teve a cota diminuída em 68% esse ano em uma medida publicada pelo governo federal. Ela tem início em 15 de junho.

A pesca industrial ocorre com embarcações maiores em alto mar e foi proibida no Estado este ano.

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