Escolhida para ser a primeira policial penal de carreira a assumir o comando da Secretaria de Justiça e Reintegração Social de Santa Catarina (SEJURI), Danielle Amorim Silva tem um propósito: se tornar referência para outras mulheres que atuam na área da segurança pública do Estado. A catarinense natural de Tijucas, na Grande Florianópolis, que há mais de duas décadas atua no sistema prisional catarinense, assumiu a pasta em fevereiro deste ano com foco na ressocialização por meio da capacitação profissional.
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A trajetória de Danielle, inclusive, está ligada a essa bandeira. Formada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali) e especialista em Segurança Pública pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul), ela atuou como gerente e diretora do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), assessora do diretor do Departamento de Administração Prisional e diretora do Presídio Regional de Tijucas, onde liderou políticas públicas ligadas ao trabalho.
Agora, à frente da Secretaria de Justiça e Reintegração Social, ela busca ampliar as oportunidades laborais e as políticas públicas destinadas aos detentos, além da valorização da categoria. Além disso, detalha os desafios da desativação do Hospital de Custódia, determinada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado, e as ações do governo estadual para reduzir o déficit nos presídios catarinenses.
A senhora é a primeira servidora de carreira a assumir a secretaria aqui em Santa Catarina, mas antes disso já atuou no Hospital de Custódia, no Presídio de Tijucas. Como a senhora analisa a sua trajetória e a importância de ter chegado em um cargo tão importante dentro do sistema prisional aqui do Estado?
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Eu sou policial penal de carreira. Iniciei em 2002 e esse ano completo 23 anos na polícia penal. Trabalhei em várias unidades prisionais, ocupei cargos em outras unidades. [Então] chegar até o cargo de secretária é algo que considero uma posição de privilégio, porque dentro da carreira da polícia penal, a gente não tem igual em outras carreiras, como na Polícia Militar ou na Polícia Civil, essa questão de ter essa ascensão a um cargo de secretário ou do comando. O máximo que chegaria seria na direção geral. E aí quando o governador faz esse convite para mim, de assumir a secretaria, de assumir a titularidade da pasta, isso mostra, em primeiro lugar, o compromisso do Governo do Estado com a nossa categoria, mas também o resultado de uma carreira de muito comprometimento, porque ao longo da minha carreira me capacitei, tanto na parte acadêmica quanto na parte profissional, e também tanto na parte administrativa quanto na parte operacional. Então, hoje, eu chego nesse posto de secretária tendo um conhecimento aprofundado do que é a polícia penal de Santa Catarina.
Quando a gente pensa nas forças de segurança como um todo, ainda vemos como um ambiente muito masculino. Por isso, a senhora se vê como inspiração para outras mulheres que atuam nessa área?
É uma representatividade muito grande, até porque eu sou a primeira policial penal de carreira a ocupar o cargo de secretária de Estado. A gente já teve homens, mas mulher, eu sou a primeira. Então, quando temos esse título de ser a primeira, isso já nos traz um diagnóstico de tudo isso que você falou.
E qual é o nosso lugar de fala dentro dessas instituições? Principalmente nas instituições de segurança pública e até mesmo no sistema de justiça criminal? Hoje, a doutora Vanessa [Cavallazi] é a primeira procuradora-geral [do MPSC] mulher. A doutora Cláudia Prudência foi a primeira presidente da OAB [Santa Catarina], mulher. Então, quando eu chego como primeira mulher, é uma facilidade muito grande, e eu tenho certeza que as minhas colegas policiais penais veem como uma conquista delas também, porque quando uma mulher acende para um cargo desse, é uma representatividade muito grande.
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Eu considero sempre que estamos abrindo as portas. Então, eu sou a primeira, acredito que de muitas. Eu sempre falo para as minhas colegas: se capacitem. A gente tem que estar sempre se capacitando, porque quando chegamos nesse cargo, precisamos desempenhar ele com excelência, porque, por ser mulher, a cobrança é maior. Eu estou na parte de gestão, mas também tenho experiência na parte operacional. Eu fiz curso de técnica operacional, tenho curso avançado de águia de osso, onde apenas três mulheres no Estado são formadas. São questões assim que são uma conquista de espaço. Eu me sinto muito orgulhosa de ser uma mulher que vem abrindo portas para outras mulheres durante toda a minha carreira, desde quando fui para a parte operacional até agora quando chego aqui ao cargo de secretária.
Confira fotos da trajetória da secretária
E falando sobre o seu trabalho em frente à secretaria. Quando a senhora foi diretora do Presídio Regional de Tijucas, a senhora liderou as políticas de trabalho e reabilitação dentro da gestão do presídio. Agora, Santa Catarina tem se destacado dentro dessa área do incentivo ao trabalho junto aos detentos. Dados recentes mostram que só com essas iniciativas foram arrecadados R$ 28 milhões. Como é a atuação deste tema dentro da sua gestão na pasta?
Santa Catarina sempre foi referência na questão do trabalho laboral. Quando eu estive a frente do Presídio Regional de Tijucas, eu fiz esse trabalho onde, naquela época, a gente já estava muito acima da média na unidade. Quando cheguei na secretaria, os dados apontavam que cerca de 30% dos presos exerciam atividade laboral. A média no Brasil é de 23%. Ou seja, toda Santa Catarina já sai na frente.
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Porém, a nossa gestão vem com esse compromisso de aumentar a oferta de trabalho, porque eu penso que o trabalho prisional tem dois vieses. Ele tem o viés da capacitação, para que a pessoa privada de liberdade, quando ela saia, possa se colocar no mercado de trabalho. E tem um viés também para Santa Catarina. Os presos são conveniados, então todos recebem um salário. O trabalho tem a questão remuneratória, onde, além de ter esse retorno para a unidade prisional, tem a parte que o preso consegue auxiliar o seu familiar enquanto está detido. Além disso, quando ele sai, tem essa poupança e o dinheiro para recomeçar a vida. Isso é muito importante.
Já para nossa parte, mais específica do sistema prisional, o trabalho prisional é uma estratégia de segurança. Isto porque, quando eu mantenho esse preso trabalhando, ocupado em um canteiro de trabalho, ele trabalha durante o dia e a noite retorna para sua cela, e no outro dia ele vai trabalhar também, ou seja, tem essa rotina, que contribui bastante para a segurança prisional. Além do que, para acessar a vaga de trabalho, ele tem que ter bom comportamento, e isso já influencia, antes mesmo dele estar trabalhando, dele ter um bom comportamento para conseguir acessar essa vaga. Enquanto ele está trabalhando, ele também tem que ter bom comportamento para se manter trabalhando. Então é um ciclo que é bom para o preso, é bom para o familiar do preso, é bom para a segurança da unidade prisional e é bom para a sociedade, porque essa pessoa, se ela quiser, pode sair da prisão e ser recolocada no mercado de trabalho.
Recentemente nós tivemos o anúncio por parte do governo de Santa Catarina sobre a abertura de novos presídios até 2028 justamente para reduzir o déficit atual, principalmente no cenário em que todas as unidades estão superlotadas. Quais são os detalhes desse plano? E além disso, quais os principais desafios dentro da secretaria aqui em Santa Catarina?
Hoje temos esse déficit de cerca de 7.000 vagas. Com o anúncio dessas construções, a gente consegue minimizar ou zerar o déficit. Lógico que a gente tem que levar em consideração o aumento do encarceramento também. Mas, atualmente, eu vejo que o principal desafio que nós temos dentro do sistema prisional, e precisamos ter esse olhar, é a questão da capacitação e valorização do servidor público. Além disso, também há essa questão de aumentar a oportunidade de trabalho do preso, aumentar a oportunidade de estudo, por meio das políticas públicas, com as nossas parcerias com secretarias de Educação, de Saúde, enfim, aumentar nossa capacidade de oferta de política pública dentro do sistema prisional.
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Então são dois vieses da valorização dos servidores da pasta: reconhecer o trabalho que eles desenvolvem, que é um trabalho árduo, um trabalho que é difícil, um trabalho que muitas vezes a sociedade não vê, porque é um trabalho que fica dentro dos muros dos presídios. E também a questão de aumentar o aumento da oferta de políticas públicas dentro das unidades regionais.
Até porque isso ajuda a evitar a reincidência do crime, não é?
Exatamente. É aquela máxima: onde o Estado está presente, a organização criminosa perde a força. E é isso que a gente precisa ter, essa presença, com políticas públicas por parte do Estado, para que a gente possa ter esse controle eficaz do crime.
Outro ponto que a senhora citou foi a questão da valorização do servidor. A senhora acredita que ter alguém de carreira no comando da pasta reforça essa busca?
Exatamente. Isso é uma questão que o governo atual já vem fazendo, esse reconhecimento. Nós tivemos agora um aumento salarial dos integrantes da segurança pública, no qual a gente também faz parte. Conseguimos também estender para a polícia penal, o sistema socioeducativo, o vale-uniforme, e isto é muito importante, que melhora a qualidade de trabalho.
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O fato de ser uma servidora de carreira mostra que eu sei aquilo que hoje precisamos melhorar na nossa categoria. Eu sempre falo: eu estou secretária de Estado, mas eu sou uma policial penal, sou uma servidora de carreira. Então, essa minha passagem aqui na secretaria vem também para melhorar essas condições de trabalho e valorização dos servidores públicos. Esse diálogo com o governo é muito aberto, porque eu consigo demonstrar que o governo consegue reconhecer realmente o que a gente precisa. É aquela questão do lugar de fala: eu estou no lugar de fala dos servidores e o governo reconhece isso.
A senhora também atuou como gerente do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) que vive um impasse devido a determinação do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) para a desativação do complexo. O prazo era que o encerramento ocorresse no ano passado, mas uma liminar da Justiça suspendeu o fechamento. Como a senhora tem acompanhado essa situação? Há alguma novidade?
Nestes últimos dois anos, até por estar à frente do Hospital de Custódia, essa pauta foi muito presente. Quando o Conselho Nacional de Justiça fala que nós temos que fechar os hospitais de custódia, ele não diz o que a gente tem que fazer, porque é uma instituição que existe devido a necessidade. Eles são pacientes psiquiátricos, mas são pacientes psiquiátricos em conflito com a lei. Eles cometeram um crime. Então, não é somente fechar as portas, mas de que forma nós vamos ofertar um tratamento para essas pessoas e a segurança também, porque são pessoas que não tem essa condição de retornar para a sociedade.
Eu vejo isso com muita cautela e tenho uma opinião pública de que nós não devemos fechar o Hospital de Custódia. Eu penso que se em algum local do país existe algum hospital que não prestava um atendimento de qualidade, a gente precisa melhorar o serviço prestado nesse local, e não simplesmente fechar. Fechar o serviço de saúde não resolve o problema. Esse paciente tem que ser atendido na rede de atenção psicossocial nos municípios, mas esse público, ele é diferenciado. A gente precisa fazer esse questionamento. Ele é um paciente psiquiátrico em conflito com a lei. Nós temos os nossos réus presos dos presídios que são atendidos no Hospital de Custódia, e aí quando a resolução fala “leve esse paciente psiquiátrico para o hospital geral”, como vai ser esse atendimento? O que estou dizendo é o seguinte: fazer uma redação e mandar fechar ela é fácil, mas agora como operacionalizar esse fechamento? É o que o CNJ não nos mostrou.
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Quantos presos temos atualmente no Hospital de Custódia?
Hoje estamos com 84 pacientes internados no Hospital de Custódia.
É importante também pensar para onde levar esses pacientes, certo? Porque você precisa realocar ele para um leito psiquiátrico dentro do sistema de saúde, ou seja, terá que abrir novas vagas para atender a demanda e reformular todo o sistema.
Exatamente. E há a questão da segurança também, em como será feita a segurança desse espaço, desses presos em um hospital geral. E aí se a gente pensar que vamos deixar eles no presídio, também estamos gerando a desassistência de um Hospital de Custódia. Nós temos toda uma equipe de saúde que presta essa assistência. Ele é uma unidade de segurança com saúde. E se eu pensar em deixar ele dentro do presídio, de que forma será feito esse atendimento diferenciado em saúde mental para esse público específico? Por isso que eu falo que é muito complexo, né? A gente vai fechar um serviço, porque ele é um serviço, e de que forma que vai ser prestado.
Eu deixo ele dentro do presídio, deixo ele sem o atendimento adequado, porque o atendimento do presídio tem outro foco. Se eu coloco ele no hospital geral, eu ocupo uma vaga que poderia ser de uma outra pessoa. Então, por isso que eu falo que eu estou muito forte nessa minha opinião que gente não tem que fechar, nós precisamos reestruturá-lo. Se o CNJ e o Ministério da Saúde entenderem que precisa ser reestruturado, a gente vai reestruturar, mas fechar o serviço? É algo bem complexo.
Antonietas
Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.
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