Processos relacionados à responsabilização do Estado por prisão ilegal ou erro judiciário. Essa é a motivação de 29 ações que atualmente estão em tramitação no Judiciário de Santa Catarina e foram apresentadas desde 2022. Com casos recentes de comoção em outros estados do Brasil, as prisões feitas de forma errônea causam impacto social, psicológico e financeiro e atingem não só a vítima da prisão, mas toda a sua família.
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A fala é da advogada Natalie Ribeiro Pletsch, do Innocence Project Brasil, que procura dar visibilidade e espaço às pessoas que não foram ouvidas durante os seus processos legais, reconhecidas inocentes ainda que tardiamente pelo Poder Judiciário.
Em Santa Catarina, esse tipo de crime começou a ser computado no sistema no dia 18 de janeiro de 2022. Por isso, a Corregedoria do Tribunal de Justiça Catarinense explica que os dados apresentados podem não refletir, necessariamente, o número total de processos atualmente em tramitação sobre o tema.
Dessa forma, casos emblemáticos já julgados e que terminaram em pagamento por dano moral às vítimas não aparecem nessas estatísticas. Em um desses casos, em 2019, um homem acabou preso, algemado e colocado em uma cela de delegacia depois de um erro no sistema de automação da área da segurança pública.
De acordo com a decisão, o homem estava andando por uma rua em uma cidade do Meio-Oeste de Santa Catarina quando foi abordado por uma equipe da Polícia Militar. Depois de consultar o sistema integrado de segurança pública, os policiais concluíram que o homem deveria estar preso em um presídio na cidade vizinha. Imediatamente, eles algemaram o cidadão próximo a um ponto de ônibus, para que depois ele fosse levado a uma delegacia.
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Lá, ele foi trancafiado em uma cela. Na delegacia, os policiais fizeram uma nova consulta e viram que estavam equivocados. A pessoa que constava no sistema não era o homem em questão. Ele, então, foi liberado.
Como justificativa, o Estado afirmou que a prisão ocorreu, também, levando em consideração a região em que o homem estava, e que ele também carregava roupas femininas na mochila.
Como forma de reparação, o homem recebeu uma indenização por danos morais de R$ 2,5 mil.
Homem ficou 35 dias preso
Em 2017, outro caso provocou revolta na população de Navegantes, no Litoral Norte. Um homem foi abordado na rua por policiais que pediram seus documentos, mas ele não os tinha levado, já que havia saído apenas para ir ao mercado. Mesmo sem o RG, ele passou o nome completo e informações complementares, como data de nascimento, por exemplo, e nomes dos pais.
No sistema, os policiais viram que havia uma ordem de prisão em aberto no nome dele, pelos crimes de assassinato e roubo. Depois disso, ele foi preso, e no presídio ficou 35 dias. O que realmente havia acontecido era que havia um homem com o mesmo nome dele acusado por esses crimes, e ele acabou sendo preso por engano.
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Ele precisou ir embora de Santa Catarina depois de ter sido solto, devido aos olhares de julgamento que recebia no trabalho e na rua. Em 2021, a Justiça decidiu que o homem deveria ser indenizado em R$ 30 mil, já que a “a gravidade da ofensa é expressiva, pois a conduta praticada foi indevida”, conforme a sentença.
Inocente morreu menos de uma década depois de deixar a cadeia
Em Trombudo Central, no Alto Vale do Itajaí, um homem ficou preso por quase três anos por engano, depois de ter sido condenado erroneamente por estupro. A Justiça entendeu que ele era inocente depois de a família buscar provas, mas depois da soltura, ainda precisou procurar formas de reparação do erro.
A defesa exigia uma indenização de R$ 64 mil. Entretanto, depois de oito anos, em 2021, o homem morreu vítima de câncer, com o agravante da Covid-19.
O que leva às prisões ilegais?
De acordo com a advogada, ainda não há estudos e dados unificados no Brasil que indicam o que, de fato, leva às prisões ilegais de forma determinante. No entanto, alguns fatores contribuem para que essas prisões aconteçam. É o caso do reconhecimento indevido, falsa confissão, erros ou falta de perícia, falsa acusação e má-conduta das autoridades, segundo Pletsch.
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Sobre o procedimento de reconhecimento, a advogada afirma que, a partir das conclusões do Grupo de Trabalho composto por profissionais de diversas áreas e entidades, o Conselho Nacional de Justiça publicou a Resolução 484/2022, que estabelece as diretrizes para o reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário.
Também não há informações sobre o perfil da maioria das vítimas de erro Judiciário.
— O que sabemos são os dados do sistema prisional em que a maioria dos presos são homens jovens negros — revela a advogada, em relação aos presídios de todo o Brasil.
Em Santa Catarina, o cenário do sistema prisional é um pouco diferente. De acordo com dados da Secretaria de Estado de Justiça e Reintegração Social, reunidos pelo Tribunal de Justiça, a maioria dos presos nas unidades pertencentes ao território catarinense são homens, brancos, solteiros e possuem de 21 a 30 anos.
A maioria dos crimes praticados tem relação com tráfico de drogas, roubo, furto ou homicídio. Atualmente, são 54 estabelecimentos penais, com 28.858 detentos.
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Como uma condenação é revista?
No Innocence Brasil, são recebidas as solicitações de assistência por meio de um formulário eletrônico ou carta, que pode ser enviado pela família da vítima. A partir disso, há uma triagem inicial para verificar se o pedido preenche os requisitos para a atuação do projeto.
Depois, o caso é analisado minuciosamente por meio da equipe do projeto, verificando possibilidades que não foram avaliadas pelo Poder Judiciário.
— Ao final, havendo prova inequívoca da inocência que nunca tenha sido avaliada pelo Poder Judiciário, judicializamos o caso. Nos casos em que atua, o projeto prova a inocência de uma pessoa presa injustamente, o que é fundamental para o resgate das suas relações e imagem. Além disso, os casos têm muita divulgação midiática que ajuda a reverberar a notícia da inocência. O projeto procura dar visibilidade e voz às pessoas que não foram ouvidas durante o processo. e que foram reconhecidas inocentes ainda que tardiamente pelo Poder Judiciário — explica.
O que falta para que menos casos aconteçam
Para a advogada, o tema do erro judiciário é pouco trabalhado nas faculdades de Direito e pouco discutido entre os profissionais da área.
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Com isso, parcerias entre a Defensoria Pública e Ministério Público têm contribuído de forma significativa para a diminuição desses casos, conforme explica Pletsch. De acordo com a ela, também há inúmeras práticas reconhecidas em outros países que podem ser utilizadas no Brasil, como a compilação de dados pelo National Registry of Exonerations nos Estados Unidos, que permite um diagnóstico mais acurado do problema para a proposição de políticas públicas e mudanças sistêmicas.
— Apesar de esse tema ter ganhado mais espaço nos fóruns especializados nos últimos anos, ainda há muito a ser feito — aponta.
O NSC Total entrou em contato com a Secretária de Segurança Pública de Santa Catarina em busca de um posicionamento. A pasta, então, redirecionou a reportagem para a Polícia Civil, que não se pronunciou até o fechamento desta matéria.

