O projeto que possibilitou que uma equipe identificasse 35 contaminantes emergentes, incluindo cocaína, em amostras coletadas na área próxima à estação de tratamento da Lagoa de Evapo Infiltração (LEI), da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), na Lagoa da Conceição, em Florianópolis, está encerrado.

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Realizado no Laboratório de Tecnologia de Carnes e Derivados, do Centro de Ciências Agrárias (CCA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o estudo teve colaboração do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), e foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa, Tecnologia e Inovação de Santa Catarina (Fapesc).

O projeto também foi financiado pela própria Casan: “Os autores também gostariam de agradecer à FAPESC e à CASAN pelo apoio financeiro a este projeto”, escreveram os pesquisadores no final do estudo, publicado no dia 1º de fevereiro deste ano.

A professora Silvani Verruck, do CCA da UFSC, liderou a pesquisa. Ela explica que, após a publicação do estudo, foram feitas novas coletas, mas a equipe não finalizou a análise de dados e, por enquanto, não há previsão para realizá-la.

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— O projeto encerrou e com ele também os recursos. O edital era de 24 meses por projeto, não é uma pesquisa contínua. Eles podem continuar caso consigam mais recurso de outras fontes, mas no momento [não há] nada confirmado — comenta.

Procurada pelo NSC Total, a Casan alega que diversos temas de estudo receberam apoio financeiro da companhia, envolvendo temas como drenagem urbana, ligações cruzadas entre água da chuva e esgoto, monitoramento da qualidade da água, biorremediação e restauração, governança pública e gestão da sustentabilidade urbana.

No momento, a Casan diz que está recebendo relatórios dos diversos projetos apoiados e que não possui previsão para novo aporte de recursos.

Segundo a companhia, o projeto que encontrou os contaminantes chegou ao fim no dia 13 de dezembro do ano passado. Silvani, no entanto, alega que ele encerrou no dia 28 de fevereiro deste ano, dias após a publicação do estudo.

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Estudo motivou pedido de audiência pública

O estudo motivou a solicitação de uma audiência pública, realizada no dia 31 de março na Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina (Alesc), para discutir a condição ambiental da Bacia da Lagoa da Conceição. O encontro ocorreu a pedido do deputado Marquito (PSOL), que preside a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.

Entre os presentes, estava a professora Silvani Verruck. Na audiência, ela apresentou os resultados da pesquisa que identificou os 35 contaminantes emergentes em amostras coletadas na Lagoa. De acordo com ela, o laboratório onde o estudo foi realizado tem propostas e soluções em escala piloto para aperfeiçoar o tratamento da água e, com isso, eliminar os contaminantes.

Alexandre Waltrick Rates, Secretário Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis, também estava presente na audiência pública. Procurado pelo NSC Total, ele alega que, agora, a secretaria está verificando o que foi afirmado na ocasião para, tecnicamente, posicionar a Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) no que fazer.

Após a publicação do estudo, a Secretaria do Meio Ambiente não coordenou nenhuma fiscalização ou análise.

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— O estudo é sobre águas. A análise sobre o estudo está sendo feita desde o dia em que recebemos, por solicitação nossa, um resumo do mesmo, ainda não em sua completude — diz.

A fiscalização, de acordo com ele, deve ser longa.

— A Casan faz os seus estudos habituais. Primeiro vamos entender a metodologia, o objeto estudado, a pesquisa propriamente dita, daí poderemos cobrar da Casan, que diga-se custeou o projeto e deve ter os maiores detalhes — finaliza.

Veja quais foram os encaminhamentos da audiência pública

  • Formação de um grupo de trabalho; 
  • Debate sobre os dados conflitantes; 
  • Visita técnica a pontos citados na audiência; 
  • Serão apresentadas pesquisas em reunião ampliada da Comissão de Meio Ambiente; 
  • Não liberar licenças de construção na bacia da Lagoa da Conceição e aumentar a fiscalização; 
  • Equipamento na saída da macrodrenagem na saída do Rio Vermelho que segure contaminantes e outros sedimentos; 
  • Prazo para retirada dos efluentes das dunas e restauração da área (Casan planeja protocolar o projeto no fim de 2026); 
  • Outras alternativas para resolver a questão dos efluentes tratados; 
  • Necessidade de revisão do plano diretor; 
  • Publicação dos planos de manejo de todas as unidades de conservação.  

O que diz a Casan

Questionada pela reportagem, a Casan disse que a presença das substâncias na Lagoa da Conceição pode ser um “indicativo de poluição difusa, devido ao transporte destes contaminantes de forma dispersa pelo meio ambiente, sem uma fonte única identificável”.

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A companhia adicionou, ainda, que cocaína e cafeína, itens encontrados na Lagoa, não obrigam o lançamento de efluentes tratados nas Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) no Brasil.

Leia na íntegra:

“Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o efluente depurado na Estação de Tratamento de Esgoto da Lagoa da Conceição é destinado à LEI (Lagoa de Evanpoinfltração), não sendo lançado na Lagoa da Conceição.

No caso da pesquisa indicando a presença de diferentes substâncias (cocaína e cafeína, etc), pode ser um indicativo de poluição difusa, devido ao transporte destes contaminantes de forma dispersa pelo meio ambiente, sem uma fonte única identificável. Inclusive, por ligações clandestinas de esgoto na rede pluvial e escoamento por água da chuva.

Atualmente, cocaína e cafeína não são parâmetros obrigatórios de monitoramento para o lançamento de efluentes tratados nas Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs) no Brasil, conforme as resoluções ambientais vigentes, como a Resolução CONAMA nº 430/2011 e a Resolução CONSEMA nº 182/2021 (Estado de Santa Catarina)”.

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O que são os contaminantes encontrados?

As amostras para a pesquisa foram coletadas em pontos estratégicos da Lagoa da Conceição, próximas à estação de tratamento de esgoto, áreas urbanizadas e regiões de maior biodiversidade.

Cafeína, medicamentos antibióticos, analgésicos e cocaína estão entre os 35 contaminantes emergentes encontrados nas amostras coletadas pela equipe da UFSC. Os contaminantes emergentes são aqueles de uso diário, como cosméticos, medicamentos e produtos de higiene pessoal.

Durante a pesquisa, foram detectados metabólitos de drogas ilícitas, como a benzoilecgonina, o principal metabólito da cocaína, e a própria cocaína em amostras de água, sedimentos e biota — conjunto de organismos que habitam um determinado local, na Lagoa da Conceição.

As substâncias da cocaína foram observadas em 63% das amostras analisadas. A detecção da benzoilecgonina, inclusive, foi particularmente relevante, já que é considerada um marcador para o uso e descarte de cocaína. Um estudo da UFSC do ano passado também identificou a presença desses compostos em águas costeiras do Brasil, inclusive até em tubarões.

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Para detectar os contaminantes, o estudo partiu de um método com uma abordagem capaz de identificá-los de forma simultânea. Enquanto há estudos que focam em um contaminante só, o método utilizado pela UFSC identifica 165. 

Utilizando a cromatografia líquida acoplada e espectrometria de massas, os pesquisadores realizaram triagens qualitativas e quantitativas para identificar e quantificar os contaminantes. Esse equipamento permite que as amostras registrem os elementos encontrados na água.

A cafeína foi o elemento em maior concentração, seguida pela ciprofloxacina, antibiótico utilizado em infecções causadas por bactérias. A clindamicina, outro antibiótico, e o diclofenaco também foram detectados.

As concentrações são medidas na ordem dos nanogramas, que equivalem a um bilionésimo de grama, mas o que preocupa os pesquisadores é a ausência de uma métrica a partir da qual uma determinada concentração possa ser considerada adequada e segura.

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O laboratório tem propostas e soluções em escala piloto para aperfeiçoar o tratamento da água e, com isso, eliminar esses contaminantes: uma delas é um sistema de destilação de água a base de luz solar, o REACQUA, que gera água pura para reuso sem consumo de energia.

Este equipamento opera no pátio do CCA da UFSC, no bairro Itacorubi, em Florianópolis, e foi utilizado no tratamento das águas com contaminantes emergentes coletadas na Lagoa da Conceição. O dispositivo apresentou resultados de excelência, zerando os contaminantes.

— Nós queremos estudar como remover esses contaminantes de uma forma barata. Hoje, é possível fazer esse processo com utilização de membranas no final do tratamento, mas é algo caro e implica naturalmente num custo elevado. Nossa proposta é tentar usar uma forma mais barata, por isso fizemos este teste em escala piloto — explica Silvani.

Potencial tóxico pode ser maior para meio ambiente

Rodrigo Barcellos Hoff, Auditor Fiscal Federal Agropecuário (AFFA) do Mapa, participou do estudo da UFSC e também realizou a determinação dos contaminantes no laboratório do Ministério da Agricultura.

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Segundo Hoff, os achados não são nenhuma novidade em termos de poluição ambiental. Ainda assim, esse tipo de estudo é novo e, por isso, pouco se sabe sobre o risco tóxico da presença desses compostos para o ser humano, e menos ainda para a fauna e a flora desses ambientes.

— Acredita-se que o potencial tóxico seja muito maior para o ambiente do que para o ser humano, porque essas substâncias em geral não biacumulam, elas têm um perfil de degradação bastante rápido em relação a outros contaminantes persistentes, como metais pesados, por exemplo, e pesticidas organoclorados e organofosforados — esclarece.

Hoff explica que os contaminantes devem chegar ao ser humano somente através do consumo de um pescado.

— O impacto maior seria, por exemplo, para fitoplânctons do plânctons, ou seja, microcrustáceos e microalgas que estão nesse ambiente que servem de alimentação para os pequenos peixes, ou para as aves — comenta.

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Isso, sim, é preocupante, de acordo com o especialista. Por mais que tenham poucos estudos conclusivos em relação à identificação de contaminantes emergentes, sabe-se que resíduos de cocaína, medicamentos para depressão ou ansiedade e alguns anti-inflamatórios prejudicam o desenvolvimento normal de várias espécies presentes no meio ambiente.

— Quanto menor o organismo, maior é o impacto. Tudo que a gente está falando aqui são contaminantes que estão em concentrações que, para nós, é em uma escala muito baixa, mas que podem ter impacto nesses pequenos organismos — pontua.

Justamente pela quantidade escassa de informação, é preciso ficar atento e acompanhar novos estudos, diz Rodrigo:

— Hoje não se sabe, mas amanhã podemos vir a descobrir, com novos estudos, que um determinado resíduo pode ser muito tóxico para alguma espécie e isso vai causar um impacto em toda a cadeia, porque tudo é interligado nos ecossistemas, inclusive interligado com o homem.

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Os níveis de contaminação identificados na Lagoa da Conceição estão no mesmo patamar do que os que estão sendo encontrados em outros locais no mundo, de acordo com Hoff.

— Alguns contaminantes [são encontrados] em concentração mais alta, outros mais baixas, mas dá para dizer que está dentro de uma média e que ainda não se conhecem os impactos disso para o ambiente e para o ser humano. É uma área de estudo recentíssima, mas serve como um alerta de que essas substâncias não são eliminadas pelo tratamento esgoto convencional e que chegam no ambiente até mesmo passando pela estação de esgoto ou por por ligações clandestinas, na rede pluvial — pontua.

*Sob supervisão de Luana Amorim

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