Seis meses. Esse foi o tempo que o catarinense Eduardo da Veiga Beltrame, de 32 anos, levou em meio à aplicação e entrevistas para deixar os Estados Unidos (EUA) e ir lecionar na primeira universidade focada em Inteligência Artificial (IA) do mundo, que fica na capital dos Emirados Árabes, Abu Dhabi.
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Técnico em eletrônica pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) e formado em biofísica pela Brandeis University, em Massachusetts, nos Estados Unidos (EUA), o manezinho está na universidade Mohammed Bin Zayed University of Artificial Intelligence (MBZUAI) há cerca de nove meses, desde agosto de 2024.
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“Quem procura, acha”
O contato de Eduardo com a MBZUAI foi quase por acaso. O manezinho estava trabalhando há alguns anos em startups de biotecnologia, após finalizar o doutorado em bioengenharia na universidade California Institute of Technology (Caltech), mas sentia falta do ambiente acadêmico.
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— Eu gosto muito da academia estadunidense. As universidades americanas são um universo à parte, foram onde me descobri realmente contente nesse ambiente criativo, de discussão, investigação, ponderação sobre quaisquer tipo de problemas — conta.
Eduardo gosta muito de dar aula, ensinar e pensar sobre problemas que são interessantes mas não necessariamente “úteis”. Nas startups, segundo o catarinense, ele não estava tendo esse espaço para a contemplação.
— Eu comecei a buscar por oportunidades acadêmicas nos Estados Unidos, pois eu sabia que só numa universidade estilo americana eu me daria bem. Nossas universidades no Brasil são muito engessadas, burocráticas e pouco dinâmicas, para não citar a falta de recursos e a brutal desvalorização do aluno, professor e pesquisador — comenta.
Eduardo já havia aplicado para várias vagas nos EUA quando, buscando pelo sistema que as universidades americanas usam para anunciar vagas, encontrou a MBZUAI. A instituição informava que estava criando um novo departamento de biologia computacional.
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— Apliquei na hora, porque já tinha tudo pronto e sabia da fama desta região do mundo de ter recursos e fazer as coisas rápido. Foi bem assim, tudo em seis meses. Apliquei no final de fevereiro, fiz a entrevista no Zoom em abril, quando disse “estou disposto a andar rápido”. Fui fazer a entrevista em Abu Dhabi em maio, logo recebi a oferta, e em agosto já iniciei as atividades.
A nova universidade
A universidade foi fundada em 2019. Apesar de ser nova, evolui muito rápido, de acordo com Eduardo:
— Eu brinco que eu saí de startups para ir para uma startup university, afinal a MBZUAI tem apenas cinco anos e está crescendo espantosamente rápido. Hoje temos mais de 80 professores, e queremos chegar a mais de 300 nos próximos anos.
Boa parte desse crescimento, diz ele, virá da recém estabelecida School of Digital Public Health (Escola de Saúde Pública Digital, em tradução livre), onde fica o departamento de Biologia Computacional. Lá, atualmente, são oito professores, e a instituição pretende contratar mais 50 nos próximos anos.
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Tempestades de areia e “falta de verde”: a vida em Abu Dhabi
As tempestades de areia são comuns em Abu Dhabi, de acordo com Eduardo. Apesar disso, a capital tem o estilo de vida parecido com o do sul da Califórnia, Los Angeles e San Francisco, onde “você precisa de carro para tudo”.
— Os Emirados Árabes Unidos copiaram o modelo de desenvolvimento urbano americano, baseado no automóvel, com cidades espalhadas e grandes subúrbios, e trouxeram para cá todas as grandes marcas internacionais. E é uma sociedade extremamente multicultural, 88% das pessoas são de outros países, a maior proporção de imigrantes de qualquer país no mundo — compartilha Eduardo.
O acadêmico, no entanto, sente falta da terra natal, Florianópolis.
— Eu gosto do verde, da floresta, eu amo “Floripa”, então sinto muita falta, pois aqui pra onde você olhar é areia, prédio, ou um canteiro de construção. Enchi minha sala com fotos de “Floripa” e do Brasil, e todo mundo sempre se espanta com a quantidade de verde quando olha.
Na universidade, Eduardo criou e está lecionado a primeira disciplina do departamento de biologia computacional, Single Cell Biology and Bioinformatics (Biologia e Bioinformática de Células Únicas, em tradução livre).
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— O ambiente acadêmico na MBZUAI é muito colaborativo, estamos todos no mesmo prédio, e a universidade é pequena, por enquanto: são 360 alunos de mestrado e doutorado e 84 professores. É fácil conhecer todo mundo, temos tremenda flexibilidade no que fazer, em como gastar nossos fundos de pesquisa… Tem muito recurso e muito incentivo para estabelecer colaborações, isso é ótimo.
Treinamento de lideranças do governo
Eduardo conta que a MBZUAI realiza um grande número de treinamentos profissionais, cursos intensos de uma ou duas semanas para quem está em empresas e organizações do governo. As lideranças de todos os ministérios dos Emirados já passaram por esses cursos, e agora a maior parte dos funcionários está tendo acesso a cursos ministrados pela MBZUAI, segundo o professor.
— A pedido do ministério da saúde dos Emirados, junto com um outro professor, eu já ministrei uma série de cursos online para funcionários de todos os hospitais e organizações de saúde da região.
O acadêmico avalia que essa é uma estratégia inteligente dos Emirados: capacitar a liderança de todos os ministérios e organizações públicas, depois a classe gerencial, e depois todos os trabalhadores.
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— Isso é para [eles] pensarem em como querem lidar com essas novas tecnologias.
Além desses tipos de investimentos a universidade faz questão de ser uma instituição diversa e multicultural. De acordo com Eduardo, atualmente são alunos e professores de 49 países.
Em agosto deste ano, a MBZUAI ainda vai lançar um novo programa de graduação em Inteligência Artificial, com o qual o catarinense está envolvido.
— É um modelo extremamente prático, com conteúdos muito atuais, voltado para a indústria e inovação, e querendo preparar o aluno a criar a própria startup, ir trabalhar numa empresa de tecnologia, ou seguir numa pós graduação aplicada — explica Eduardo.
As pessoas que desejam fazer a graduação na universidade podem se inscrever até o dia 31 de maio. Segundo o catarinense, a instituição oferece bolsa integral e moradia para todos os alunos admitidos. Uma das exigências é o inglês fluente.
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“País singular”
Para Eduardo, os Emirados são um país singular em vários aspectos. Um deles é a idade: é comum dizer que o Brasil é um país jovem, mas os Emirados são mais jovens ainda, com 53 anos.
— Antes da formação do país e da descoberta de petróleo aqui, não havia praticamente nada: não tinha hospital, não tinha estrada, não tinha escola, era tudo deserto. Há meio século o país se organizou, com uma união de sete emirados, e criou tudo que hoje tem aqui — diz Eduardo.
Outro aspecto singular dos Emirados, para o catarinense, é a organização do país e a capacidade de ação do governo.
— Quando decidem fazer algo, eles investem tremendamente, e por longos períodos. O governo tem uma capacidade de ação estratégica realmente surpreendente.
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Em 2019, ano em que criaram a MBZUAI, muito antes do ChatGPT, os Emirados lançaram uma estratégia de IA visando colocar os Emirados como um líder global em IA até 2031. Segundo Eduardo, essa continua sendo a estratégia que norteia os investimentos em IA dos Emirados.
— Hoje, eles certamente estão entre os países mais importantes no desenvolvimento de IA.
Eduardo espera que o Brasil avance nas mesmas questões.
— Seria muito bom se, no Brasil, nós conseguíssemos avançar nessas questões: nos organizarmos enquanto país e governo, criarmos e sustentarmos de fato uma estratégia e visão de futuro de país, e investíssemos pesadamente nela.
Agora, com a entrada dos Emirados nos BRICS e o Brasil na presidência do grupo, Eduardo avalia que os dois países estão num momento oportuno para se aproximarem e terem mais a trocar.
— Seria ótimo, por exemplo, se tivéssemos mais brasileiros passando pela MBZUAI, aprendendo com os Emirados, e levando esses aprendizados para a construção do Brasil. Tenho me esforçado bastante em facilitar essas trocas.
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*Sob supervisão de Andréa da Luz
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