O recém-criado Ministério dos Povos Indígenas (MPI) conta com duas representantes políticas de Santa Catarina nomeadas para cargos importantes. Joziléia Kaingang e Kerexu Yxapyry são lideranças indígenas no Estado há anos e assumiram, neste mês, como chefe de gabinete da pasta e secretária de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas, respectivamente.

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As duas mulheres são educadoras, ativistas pelo meio ambiente e possuem formação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Junto a outras lideranças, a dupla co-fundou a Articulação Nacional Das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), que reúne representantes de todos os biomas do Brasil e atua pelos direitos das mulheres indígenas.

No caso de Kerexu, a luta pela demarcação das terras indígenas no Morro dos Cavalos, na Grande Florianópolis, foi o início da especialização que a levou à Brasília. Além dos 15 anos de docência dedicados à formação de jovens guaranis catarinenses, a primeira cacica da sua aldeia diz que a necessidade de buscar justiça fomentou os estudos para aprender e garantir o direito ao espaço das comunidades indígenas em Santa Catarina.

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— Nessa caminhada a gente tem que entender sobre as questões ambientais, sociais e legislativas. Lutar pela demarcação foi uma formação na minha vida. Fui para a universidade para pensar a questão sustentável dos espaços e para dialogar sobre os direitos dos indígenas. E é isso que queremos fazer no governo federal — conta a secretária.

Já a chefe de gabinete Joziléia está em Santa Catarina há mais de duas décadas. Doutoranda e mestre em Antropologia Social, tornou-se uma referência pela atuação a favor de ações afirmativas para estudantes indígenas ingressarem em universidades públicas, especialmente na UFSC. Uma das conquistas que teve a sua participação foi a aceitação do uso das línguas indígenas brasileiras para acesso à pós-graduação na instituição catarinense.

— A educação para nós passa por um lugar central e ter especialistas, profissionais indígenas graduados, que vão poder dialogar com outros pares dentro dos espaços de poder sobre os nossos direitos, é muito importante — explica a chefe de gabinete.

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Para além da academia, a antropóloga ingressou na política municipal para atuar a favor de demandas antigas dos indígenas na Capital. Como covereadora do mandato coletivo na Câmara de Vereadores de Florianópolis, pautou a necessidade de uma casa de passagem para a comunidade alojada em um terminal de ônibus desativado, além da luta por direitos sociais das comunidades que vivem e frequentam a cidade.

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— É a luta pelo direito à vida com dignidade. Já é mais de uma década de luta para que os indígenas possam ter um local digno, como a casa de passagem — reforça Joziléia.

A violência contra os indígenas em SC

Questionadas sobre a parte mais marcante da experiência como lideranças indígenas em Santa Catarina, tanto Kerexu quanto Joziéia apontam a violência contra as comunidades dos povos originários. Elas afirmam que acompanharam casos desde o impedimento de direitos até ameaças diretas à vida.

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— Existe um apagamento histórico dos indígenas em Santa Catarina, e existe em todo o país. Mas, em Santa Catarina é muito violento — aponta a antropóloga.

Kerexu conta que durante a militância para demarcação do território indígena sofreu ataques, ameaças e atentados. Durante anos, foram tentativas de impedir e intimidar a liderança da Terra do Morro dos Cavalos, que agora está pronta para ser homologada como território indígena.

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— Na linha de frente pelo território guarani, eu pensei: “Se é para morrer, vou morrer por isso”. E foi com essa virada que eu fui adiante para fazer as denúncias do que estava acontecendo — relatou.

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O medo e a insegurança são reais porque casos de assassinatos de indígenas marcaram as comunidades. Joziléia cita dois casos emblemáticos: do professor Marcondes Namblá, de 38 anos, da etnia Xokleng, que morreu depois de apanhar a pauladas em janeiro de 2018 em Penha; e de uma criança, de dois anos, morta em frente à rodoviária de Imbituba em 2015.

— São duas mortes que para mim demonstram o quanto precisamos trabalhar no combate ao racismo. O quanto a gente precisa educar a sociedade para entender a nossa humanidade, a humanidade dos povos indígenas.

Trabalho em Brasília

As duas lideranças assumiram os cargos em Brasília há menos de um mês e já lidam com a crise dos yanomami, no Norte do Brasil. Os indígenas sofrem por conta da fome, malária, intoxicação e outros efeitos do garimpo ilegal que levaram o governo federal a decretar emergência de saúde pública.

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A desassistência da comunidade durante anos foi comprovada por um relatório do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania publicado nesta segunda-feira (30). No momento, a atenção e esforços do Ministério dos Povos Indígenas estão em prestar ajuda humanitária e corrigir os problemas herdados da gestão anterior, segundo Kerexu.

Quem é Kerexu Yxapyry

Originária do povo Guarani Mbya, Kerexu nasceu em uma aldeia em Chapecó, no Oeste do Estado. Passou a infância na mata e, antes de ir para Brasília, Kerexu viveu na Terra Indígena Morro dos Cavalos, em Palhoça, onde se tornou a primeira cacica mulher a ser reconhecida no país. 

A nova secretária é bilíngue, fluente em português e guarani. Foi aluna da primeira turma do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da UFSC e concluiu a graduação em 2015. Tornou-se pesquisadora em 2021, quando ingressou no mestrado de Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

Kerexu é reconhecida como liderança indígena internacionalmente e foi coordenadora executiva da maior organização indígena do Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Também é referência sobre a preservação e reflorestamento da Mata Atlântica, bioma que ela reconhece como corpo-território. 

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Em 2022, concorreu nas eleições como candidata a deputada federal por Santa Catarina e obteve 35 mil votos, sem conquistar uma cadeira na Câmara dos Deputados.

Quem é Joziléia Kaingang

Joziléia Daniza Kaingang é uma liderança indígena natural do Rio Grande do Sul. Atua como professora, antropóloga e ativista ambiental. É doutoranda e mestre em Antropologia Social e foi coordenadora pedagógica da graduação de Licenciatura Intercultural Indígena na UFSC.

Ela participa da rede global de Mulheres Indígenas pela Cura da Terra e foi consultora da ONU Mulheres sobre direitos das Mulheres Indígenas na Pandemia Covid-19.

Atua na luta contra as desigualdades raciais e sociais, pela implementação efetiva das ações afirmativas e cotas nas universidade públicas. Também trabalha para a construção da educação escolar transdisciplinar, com compromisso com a causa indígena e de gênero.

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Foi eleita como covereadora do primeiro mandato coletivo de Florianópolis para a Câmara de Vereadores em 2020. No entanto, deixou o cargo junto de outras colegas após desacordos do grupo em 2022.

Conheça as etnias indígenas que vivem em SC no vídeo:

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