Caros leitores: permita-me começar este artigo com uma confissão profissional: em anos atuando como infectologista, raramente presenciei um anúncio que trouxesse tanta esperança e orgulho para minha especialidade. A aprovação da vacina Butantan contra a dengue pela Anvisa nesta quarta-feira (26) marca um ponto de virada no controle da dengue no Brasil. Afinal de contas, a dengue deixou de ser considerada um surto isolado para ser endêmica no Brasil.

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Nos últimos anos, acompanhamos diariamente emergências lotadas, variantes circulando simultaneamente e deixando pacientes vulneráveis a reinfecções. Já não falamos em surtos isolados — a dengue é presente diariamente na nossa rotina médica.

Em Santa Catarina, só em 2025 já temos 25.891 casos prováveis de dengue, com 20 óbitos e 3 em investigação. Um número alarmante, mas sem muita esperança de mudar a curto prazo. Agora, penso que temos uma grande virada neste cenário. Hoje possuímos uma vacina, a Q-dengue, que exige duas doses, logisticamente complexas, financeiramente custosa, com baixíssima taxa de adesão após a primeira aplicação. A Butantan-DV quebra este paradigma: uma dose única.

Isso não é um detalhe operacional. É uma revolução em eficiência.

Os números falam por si, mas deixe-me traduzir o que eles significam:

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  • 74,7% de eficácia geral: significa que a maioria dos vacinados que se expuser ao vírus não desenvolverá a doença;
  • 91,6% contra dengue grave: este é o número que me emociona. Essa é a proteção contra aquilo que nos tira o sono — aquele paciente jovem que chega com sangramento, com risco de morte;
  • 100% contra hospitalizações: sim, você leu certo. Nenhuma hospitalização por dengue entre os vacinados nos ensaios.

Quando você é médico e vê uma criança internada com dengue hemorrágica, com a mãe ao lado pedindo “doutor, vai melhorar?”, números como esses ganham significado humano real. Os estudos mostram segurança em crianças de 2 a 11 anos, mas os dados completos ainda estão sendo coletados.

O que me impressiona é a abrangência, o desenho e a robustez do estudo clínico: 16 mil voluntários, 14 estados brasileiros, cinco anos de acompanhamento. E o resultado? A vacina é segura tanto em quem já teve dengue quanto em quem nunca teve. Isso importa porque nossa população é heterogênea.

Agora vem a parte que, como infectologista, devo ser honesta: o entusiasmo não nos cega. Um milhão de doses prontas é um começo esperançoso, mas precisamos de contexto: o Brasil tem 215 milhões de habitantes. A parceria com a chinesa WuXi e a previsão de 30 milhões de doses no segundo semestre de 2026 é promissora, mas ainda estamos longe de vacinação em massa.

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Se me pedissem uma palavra para definir este momento: esperança fundamentada.

Não é a vacina que acaba com dengue amanhã. Mas é a vacina que, associada a outras medidas (controle de Aedes, vigilância epidemiológica, educação em saúde), pode transformar dengue de uma ameaça cotidiana em uma doença prevenível.

Nos próximos meses, estarei atenta aos desdobramentos: Como será o acesso no SUS? Qual será a estratégia para grupos de risco? Como iremos comunicar aos pacientes?

Aos meus colegas das emergências, enfermarias, postos de saúde e hospitais: continuamos vigilantes, mas esperançosos. Aos pacientes que perderam familiares para dengue grave: essa vacina é, em parte, fruto do aprendizado de suas tragédias. Agora precisamos ter a vontade política e os recursos para usá-la.

Aos meus colegas das emergências, enfermarias, postos de saúde e hospitais: continuamos vigilantes, mas esperançosos. Aos pacientes que perderam familiares para dengue grave: essa vacina é, em parte, fruto do aprendizado de suas tragédias. Agora precisamos ter a vontade política e os recursos para usá-la.

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Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.