É de amplo conhecimento o que estamos enfrentando nacionalmente uma crise em saúde devido à intoxicação por metanol, com aumento no número de casos e mortes confirmadas. No meio do caos, enquanto muitos Estados brasileiros enfrentam desafios no manejo de emergências toxicológicas, Santa Catarina desponta como um exemplo a ser seguido.
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O Estado é atualmente o único no Brasil a contar com uma política estadual de antídotos, que se destaca por sua organização, eficiência e impacto preventivo. Coordenada pela Secretaria de Saúde em parceria com o CIATox-SC (Centro de Informações e Assistência Toxicológica de Santa Catarina), essa política tem sido importantíssima para minimizar os efeitos trágicos de intoxicações, garantindo que antídotos estejam disponíveis à população no momento oportuno.
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O que coloca esta política estadual em destaque é, sem dúvida, a capacidade de antecipar necessidades e organizar recursos de forma estratégica. Nosso Estado conta com um planejamento detalhado sobre onde os antídotos devem ser armazenados e distribuídos. Essa organização geográfica é chamada de descentralização, e garante que regiões mais vulneráveis ou distantes de grandes centros tenham acesso rápido e seguro aos medicamentos necessários para o manejo de intoxicações graves.
O que torna SC referência
Para aprofundar esta importante discussão, conversei com José Roberto Santin, um dos principais toxicologistas do Brasil. Santin é professor da Escola de Ciências da Saúde da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), onde orienta alunos de Mestrado e Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas.
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Ele também acumula uma ampla liderança em instituições científicas e regulatórias, sendo membro efetivo e atual vice-presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia (SBTOX). Além disso, ele coordena o Grupo de Trabalho sobre Toxicologia no Conselho Federal de Farmácia (CFF) e é membro da Câmara Técnica de Registro de Medicamentos (CATEME/Anvisa).
Ao discutir o modelo catarinense, Santin ressaltou que o sucesso da política estadual está fortemente atrelado à organização e à interdisciplinaridade:
— A logística definida, aliada à comunicação entre toxicologistas e gestores públicos, é o que diferencia Santa Catarina. Mais do que reagir a emergências, o estado se preparou para preveni-las — explicou ele.
Dr. Santin ainda defendeu que Santa Catarina demonstra a viabilidade de estruturar políticas semelhantes em escala nacional:
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— Nós nem precisamos buscar modelos fora do Brasil. O exemplo de Santa Catarina já mostra como políticas bem estruturadas podem salvar vidas. Com foco em logística, capacitação e reposição contínua de antídotos, é possível trazer essa experiência para outras regiões e evitar desfechos trágicos, especialmente em populações mais vulneráveis — concluiu.
Estado pode inspirar política nacional de antídotos
Uma política nacional baseada nesse modelo poderia trazer previsibilidade, eficiência e segurança no atendimento a emergências toxicológicas, algo essencial para reduzir os danos causados por intoxicações. Além disso, a implementação de uma política nacional de antídotos, como prevista na Lei Complementar n.º 197/2023, deve basear-se em práticas verificadas localmente, ampliando o alcance desse tipo de iniciativa para garantir um acesso seguro e descentralizado de antídotos em todo o território nacional.
Outro ponto relevante, é que a SBTOX frequentemente contribui com pareceres técnicos junto a órgãos como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Conselho Federal de Farmácia (CFF), estando envolvida no desenvolvimento de diretrizes relacionadas à segurança química, como a melhoria da regulamentação sobre rotulagem e comercialização de produtos que possam conter metanol, por exemplo. Toda esta cadeia de auxílio técnico, é mandatório para o sucesso de implementação de diretrizes em saúde Pública.
Dr. Santin também destacou que uma política de antídotos não se limita apenas à aquisição de medicamentos essenciais, mas requer toda uma infraestrutura que inclua: capacitação contínua de profissionais de saúde na identificação e manejo de intoxicações químicas; campanhas educativas, especialmente voltadas para regiões vulneráveis, alertando sobre os riscos de produtos adulterados e os primeiros sinais de intoxicação; centralização logística e regulamentação clara, para que medicamentos estejam disponíveis de forma ágil e estratégica em todo o território nacional.
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Para exemplificar, o antídoto fometizol é o mais indicado na intoxicação por metanol, inclusive é o antidoto referenciado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), no entanto não temos o registro sanitário no Brasil do antidoto na Anvisa, o que inviabiliza sua produção ou uso comercial regular no país. Contudo, a Resolução RDC n.º 203, de 2017, da Anvisa, autoriza a importação de medicamentos sem registro no Brasil em situações específicas. Isso permite que o fomepizol seja adquirido sob demanda, especialmente em casos emergenciais. Enquanto isso, em Santa Catarina, está disponível o Etanol farmacêutico que é usado como antídoto.
O caso de Santa Catarina é um exemplo de que planejar e implementar uma política eficiente de antídotos é possível no Brasil, desde que haja comprometimento e integração entre especialistas, gestores públicos e instituições de saúde, inspirando-se no exemplo catarinense para colocar em prática uma política nacional capaz de salvar vidas. Afinal, antídotos não deveriam ser tratados como um privilégio regional, mas como uma garantia básica de saúde pública em todo o território nacional. Santa Catarina deu o primeiro passo; agora cabe ao restante do Brasil seguir esse exemplo.
Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.
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