Eu não gostaria de iniciar este texto com um clichê. Mas ele é inevitável: os problemas fazem parte da vida. E, mais do que isso, reveses, erros, enganos, contratempos, azares e infortúnios predominam. Talvez venham à sua mente a Lei de Murphy e sua sentença de que “tudo o que puder dar errado, dará”. Ela é ainda pior. A sentença original, e na sua totalidade, afirma que “qualquer coisa que possa ocorrer mal ocorrerá mal, no pior momento possível”.

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E, bem, a nossa experiência cotidiana comprova esse pessimismo. A má onda tem tendência a atrair outra. Essa cascata incompreensível é de domínio público. Afinal, quem não conhece máximas populares como “uma desgraça nunca vem só” ou o conformado “desgraça pouca é bobagem”? Como não há
o que fazer, para não cairmos no desespero, só nos resta aceitar e nos consolar com outras máximas, como “Deus escreve certo por linhas tortas” e “há males que vêm para bem”.

A vida é luta

Independentemente do tema ou da intensidade, a verdade é que os problemas estarão sempre à nossa frente. Talvez por isso, a melhor definição da filosofia sobre o que é a vida seja mesmo a de Nietzsche: “a vida é luta”. Já que eles são inevitáveis e nada podemos fazer para detê-los, o que está no nosso controle? É a forma como lutamos, como enfrentamos esses problemas.

Há pessoas que sucumbem ao menor contratempo, outras enfrentam os reveses com serenidade, outras enxergam os problemas com lentes de aumento e transformam um simples infortúnio em tragédia. Diante de um mesmo contratempo – o cancelamento de um voo, por exemplo – há pessoas que são tomadas pela decepção e pela apatia. Outros berram contra o destino – e o funcionário mais próximo. E há aqueles que, com equilíbrio, começam a procurar alternativas.

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Sempre haverá problemas

No departamento dos nossos equívocos, talvez o maior seja a busca de uma vida “sem problemas” – para muitos, sinônimo de felicidade. Cometemos muito esse erro, principalmente nas relações. Muitos divórcios têm na sua gênese esse engano.

Cansados dos problemas da vida a dois – da reclamação da toalha na cama às incompatibilidades inconciliáveis –, sonham com a “livre e sem problemas” vida de solteiro. Depois de um longo desgaste, vem a ruptura, e eis que estão na condição de solteiros novamente. Agora acabaram todos os problemas? Não. Acabaram os problemas da vida de casado, agora é preciso lidar com os problemas da vida de solteiro. Os problemas permanecem.

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Ilustração de um homem olhando para obstáculos
Pessoas lidam de formas diferentes com os problemas (Imagem: Diki Prayogo | Shutterstock)

Enfrentamento, guerrilha e fuga

Na luta contra os infortúnios, não somos bons em todas as frentes. Há pessoas que lidam bem com problemas financeiros, mas lidam mal com doenças, por exemplo. Podemos ter paciência para um contratempo hoje, mas amanhã, não. Nessa equação, outra variável a considerar – talvez a mais relevante – seja o tempo – ou a duração, como prefere o filósofo francês Henry Bergson.

Há quem, diante de uma crise, recebe o impacto, sofre, recolhe-se, mas tende a se recuperar em horas; no máximo, dias. Outros ruminam o ocorrido e sofrem durante meses. Outros se recuperam, mas interiorizam o sofrimento como uma marca, uma cicatriz. E há outros que nunca se recuperam. Interiorizam, transformam o revés numa ferida crônica, sempre aberta, sempre em carne viva.

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Quanto mais tempo com o mesmo problema, mais prejuízos. A ruminação prolongada de um infortúnio embota o presente e inviabiliza o futuro. Não apenas impede a vida de caminhar para frente, mas transforma o revés não resolvido em doenças psíquicas, como a melancolia, a ansiedade, a depressão e outros transtornos.

Enfrentando os problemas

Nossa “resistência aos problemas” pode ter prazo de validade. Ou seja, se você foi paciente até aqui, não significa que sempre o será. É o que mostra o estudo de Terrie Moffitt e Avshalom Caspi. Por quase três décadas, essa dupla de psicólogos acompanhou a vida de um grupo de mil neozelandeses e como eles enfrentavam problemas relacionados com a saúde física e mental, as finanças e as relações
sociais.

Conhecido como Estudo Dunedin, o documento mostra que, no período que antecede a meia-idade, 83% das pessoas analisadas não foram capazes de lidar com seus problemas. Reveses como o divórcio e a perda de emprego não foram ultrapassados e ainda acabaram convertidos em transtornos mentais – depressão e/ou ansiedade – de curta ou longa duração. Ou seja, por diferentes razões, nessa faixa etária, a maioria enrolou-se e ruminou seus problemas em vez de seguir em frente.

Ora, quando verificado esse fenômeno, todo o foco foi para os 17% restantes. Por que, para eles, a capacidade para lidar com problemas continuava intacta? Seriam eles abastados – reveses financeiros amargam os dias – ou fisicamente saudáveis, ou inteligentes – com maior força e repertório para avaliar e encontrar respostas para os problemas? Nada disso se verificou.

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O que o estudo mostrou foi que esses 17% eram pessoas ativas que se envolviam e abraçavam a vida. Algo como uma personalidade abençoada. Quando coisas ruins aconteciam, elas controlavam o estresse e não reagiam de forma exagerada, permaneciam calmas e seguiam em frente. Fizeram isso sozinhas? Não, quando os reveses chegavam, elas se cercavam de pessoas que as apoiavam. Outros atributos como estáveis e confiáveis, tolerantes e não conflituosos, sociáveis e com gosto por pessoas completaram o quadro.

Como fazer parte dos 17%?

A pergunta que se segue é: como ter esse tipo de personalidade que encara tão bem os problemas? O filósofo alemão Martin Heidegger afirma que parte da força interior é estrutural. Nascemos com ela. A psicanalista Isa Zimermann concorda. Para ela, a capacidade de lidar com os infortúnios da vida tem tanto de nato quanto adquirido. Entretanto, para ela, a maior parte é adquirida, na nossa constituição, no ambiente em que somos inseridos. Ou seja, é uma aptidão ensinada pelos nossos cuidadores.

“Se o sujeito teve um bom cuidado, de uma pessoa sensata, integrada, coerente, ele vai construindo a sua própria segurança. Leva essas referências para as experiências dele”, observa. E essa estrutura acaba sendo constituída também a partir da referência dos outros que fazem parte do seu entorno. Esses recursos emocionais adquiridos ao longo da vida, mencionados por Isa, também aparecem nos 17% do Estudo Dunedin.

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Ilustração de um boneco olhando para estrada
Flexibilizar expectativas ajuda a lidar com os problemas (Imagem: Jorm Sangsorn | Shutterstock)

Competências que ajudam a superar os problemas

Estudos à parte, Isa Zimermann identifica alguns recursos emocionais que ajudam a lidar com problemas. O primeiro deles é suportar frustrações. Como se faz isso? Assimilando que não podemos tudo. “O que queremos nem sempre é possível realizar. É aceitar os ‘nãos’ da vida”, diz ela.

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Outro recurso é a consciência dos próprios limites. “Assumir o ‘não saber tudo’ é uma grande capacitação humana”, reafirma Isa. E, sobretudo, é saber flexibilizar as expectativas. Evitar os pensamentos do tudo ou nada. Não foi desta vez, mas outra vez pode ser. “Ter esperança que um outro dia pode ser diferente, que existe uma continuidade e que nós podemos refazer, tentar de novo”, conclui Isa Zimermann.

Importância da calma e racionalização

O resumo da ópera é que, para lidarmos bem com os problemas, até o fim da vida, precisamos de competências que se iniciam no berço. Ora, sabemos que nem todos têm a sorte de ter pais equilibrados, que os percursos privilegiados são raros…

Ainda temos tempo de fazer alguma coisa? Sim. Conhecimento, pensamento racional e reflexivo, ajuda terapêutica – e até este texto – podem ajudar. Quando você se deparar com mais contratempos, pare. Acalme o coração. Racionalize. Aja. Com a repetição e a prática, ficaremos cada vez melhores.

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Enfrentando contratempos

Recentemente, passei por mais um desses exercícios. Após tentativas falhadas de reserva em dois restaurantes, decidimos usar o serviço de entrega. Escolhemos os pratos, as sobremesas. Tudo ia bem quando, de repente, o percurso sumiu do aplicativo e surgiu o status “pedido entregue”. Como é possível?

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Ligamos para o restaurante, eles [os funcionários] não podiam fazer nada. O sistema dizia que a comida foi retirada e entregue ao cliente. Ligamos para o “sistema” que informava que os telefones estavam ocupados. Pensei que deveríamos sair e procurar um restaurante, mas depois me lembrei do efeito cascata dos reveses e decidi por uma solução rápida e que dependesse apenas da minha ação. Olhei para a mesa posta e comecei a fazer o prato mais simples que conheço. Apenas três ingredientes: pasta, queijo e pimenta-preta, o maravilhoso cacio e pepe (literalmente, queijo e pimenta).

E, assim, enfrentam-se os contratempos que a vida nos apresenta. Há sempre tempo para novas conquistas. E podemos, sim, começar o caminho para a construção da tal da personalidade abençoada. A tolerância, a aceitação dos reveses, a busca de alternativas, a atitude do “viva e deixe viver” não são só competências que nos ajudam a lidar com as agruras. Elas funcionam como um lubrificante que facilita a fluidez da marcha e do funcionamento do mundo. Do nosso mundo e o dos outros.

*Por Margot Cardoso – revista Vida Simples

É jornalista, mestre em filosofia e colunista do portal Vida Simples. Recorre aos grandes pensadores para também lidar com seus problemas.

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