Parece que não há mais saída e nós, humanos, teremos mesmo que reaprender ou aprender a viver em coletividade. A afirmação pode até parecer meio fora de contexto, já que estamos falando de sociedade, mas não é nada tão absurdo assim. O que falta a nós todos, humanos, é o entendimento do viver em comum unidade.

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Líderes políticos dos diferentes continentes têm testado esses discursos e tem dado certo. Mesmo em situações de guerra, pandemia, dentre outros, as lideranças mundiais têm provado e aprovado essas comparticipações na dissolução dos problemas comuns. Líderes religiosos têm falado há milênios sobre o viver em harmonia na comunidade. Quase sem sucesso nos dias de hoje, o discurso religioso nunca se cansou de pregar a unidade em suas diferentes formas.

Relação entre coletividade e saúde mental 

No final do século passado, as empresas declararam que os novos funcionários seriam chamados de colaboradores. Hoje, em qualquer loja que estamos ouvimos chamar pelo colaborador fulano ou o colaborador beltrano. Tudo isso fazendo parte de uma cultura organizacional que quer o trabalho em equipe, conjunto, colaborativo.

Até aqui estou falando apenas de discursos que orbitam ao redor do senso coletivo. Parece que em diferentes camadas e contextos o mundo está acordando para a questão do coletivo em distanciamento do privado ou do particular.

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Ao mesmo tempo em que isso acontece, nós, os terapeutas, estamos alertando famílias inteiras para que elas entendam que o equilíbrio emocional não está na pessoa e, sim, no contexto social que a sustenta. A questão de que a saúde mental é o ponto central da condição humana tem se tornado preocupação da política, da religião, da filosofia e da saúde, somente para citar algumas. De fato, nunca estivemos tão perto das duas margens – a da direita, onde habita a solidão, e a da esquerda, onde habita a loucura, ambas questões de saúde mental. 

Reaprendendo a viver em coletivo 

A atual condição humana exige interatividade que não apenas a digital, uma desculpa que inventamos para dizer que estamos juntos, mas envolve uma real interação, aquela: homem a homem, cara a cara, face a face.

Nessa interação haverá o conflito, mas o conflito com múltiplas possibilidades. Hoje, havendo o conflito, podemos resolver ele com um simples bloqueio. Ou melhor dizendo: com um cancelamento, mas, na vida real e no conflito real, teremos que reaprender a força do olhar, a perversão da palavra, o poder das escolhas, os sentimentos, as possibilidades e, por fim, o diálogo.

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Ilustração de pessoas em pé em frente a uma luz branca
Falta de noção sobre compartilhamento pode causar a autodestruição do homem (Imagem: Jorm Sangsorn | Shutterstock)

Fissuras causadas pela falta de compartilhamento 

Estou certo de que o que falta a nós, homens, são essas duas condições para entendermos o nosso século: o que é o cuidado e por que temos que aprender a fazer ele? E qual é de fato o caminho do diálogo com as diferenças. Caso não façamos a tarefa de casa para entendermos isso, corremos o risco de autodestruição. Ou seja, nós, homens, seremos destruídos por nós mesmos.

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O maior enfrentamento dessa geração é ela mesma. O homem tornou-se seu maior inimigo. O homem quis tanto ser livre que a sua liberdade o afastou do outro, cometendo, assim, o pecado maior da vida – achar que se pode viver só. 

Essa constatação atinge todas as camadas sociais e todas as faixas etárias. Vemos crianças que não podem compartilhar um brinquedo ou um espaço justamente porque não foi dada a elas condições de entendimento da partilha.

Pais e educadores falharam quando deixaram de cuidar dessa lacuna ou quando colocaram nessa lacuna mais um bem, mais um telefone de última geração, mais um tênis de marca ou mais um videogame ou qualquer outro eletrônico no quarto só para o filho, garantindo a ele que essa privacidade e particularidade por si só bastaria para ser feliz, para brincar ou para se divertir.

Consequências do isolamento do homem 

Adultos também são atingidos por essa mesma condição. Em voos observamos que a fila das prioridades já está maior que a fila dos clientes. Um dia alguém inventou que, para entrar no avião, teríamos que ser vips, ou seja, ter uma situação financeira muito privilegiada. E assim vivemos legitimados por muito tempo. Há anos e anos os vips entram antes nas aeronaves.

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Tempos depois, vieram os deficientes. Alguém percebeu que aquela condição de exclusividade também deveria ser dada aos deficientes? Depois vieram os idosos, as grávidas, os doentes e, agora, temos tantos vips que já não somos mais. Criamos um argumento para nos isolar e, portanto, nos sentirmos melhores porque tínhamos dinheiro para estar naquele lugar sozinho, onde ninguém diferente de mim poderia estar. 

Acontece que este processo de isolamento, ora pela cor, ora pela condição física, financeira, neurológica e tantas outras, é só mais um processo para sedimentar um esquecimento louco de tornar o homem isolado de si. Iremos chegar a um momento em que teremos tantos critérios de separação que só, então, perceberemos a loucura que criamos e não poderemos mais sustentar.

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Conexão entre o mundo real e o futuro 

Mas nenhuma das situações citadas serão necessárias se fizermos hoje a tarefa que se apresenta: aprender a viver em coletividade e por meio da misericórdia, do diálogo e do cuidado. Para isso, inegavelmente só há um caminho: crianças e velhos terão que olhar e descobrir qual é o mundo real. 

É nesse mundo real que vivemos. Um mundo com fome e com diferenças oriundas não sei de onde. Essas diferenças fazem de todos nós pessoas infelizes, e infelizes não podemos viver. Só conseguiremos algum futuro se o coletivo pousar sobre nossos pensamentos e a sabedoria da convivência se fizer presente dia a dia em nós.

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*Por Geraldo Peçanha de Almeida 

Psicanalista pela Sociedade Internacional de Psicanálise de São Paulo e pedagogo pela UNESP. É autor de livros infantis para educadores, pais e de autoconhecimento, entre eles, “Educar é um ato de persistir com delicadeza” e “Felicidade Sempre Viva”.

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