Adoção precoce de comportamentos, estéticas e linguagens associadas ao mundo adulto por crianças e adolescentes. É como pode ser definida a adultização, termo que ganhou visibilidade nas últimas semanas após a repercussão do vídeo produzido pelo influenciador Felipe Bressanim Pereira, também conhecido como Felca, em que denuncia a prática de exploração e sexualização de menores para criação de conteúdo na internet. O registro, que já acumulou mais de 47 milhões de visualizações até esta quarta-feira (20), acendeu o debate em Santa Catarina com o aumento de denúncias pelo Disque 100 no mês de agosto. Segundo especialistas, é necessário ter cautela na publicação de imagens de conteúdo infantojuvenil nas plataformas.
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Muito antes do termo adultização ganhar destaque, Priscila Hauffe, gerente comercial de 37 anos e mãe de Gustavo, optou por não expor o filho nas redes sociais, assim como não dar telas. Com apenas cinco anos, menino também não possui contas em redes sociais. Além disso, a mãe parou de publicar fotos dele quando o filho tinha cerca de dois anos.
A decisão dela e do marido foi impulsionada pela convicção de que o pequeno não tem a dimensão ou o entendimento do que a internet e as redes sociais realmente significam. A principal preocupação de Priscila sempre foi a exposição e as consequências futuras para a imagem e privacidade do filho.
— Eu não tenho como perguntar a ele se ele estaria de acordo com a exposição que eu estou fazendo. Tentamos sempre ter essa empatia e tentar nos colocar no lugar dele e, assim, quando for mais velho, terá a liberdade de escolha e um maior entendimento das consequências da exposição — explica Priscila, destacando a importância do consentimento.
Ao blindá-lo da exposição online e priorizar seu desenvolvimento em um ambiente controlado e focado na infância, sem acesso a telas, Priscila acredita estar antecipando e combatendo muitos dos riscos que o fenômeno da superexposição digital e da adultização podem trazer, garantindo que o filho viva cada fase de sua vida sem pular etapas.
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— Quando tem um amiguinho utilizando, tudo bem ele assistir, mas o Gustavo sabe que o celular é coisa de adulto e ele nunca ficou com um na mão, nem que fosse para algo mais inocente. Já trabalhamos essa comunicação de uma maneira que ele nem ousa pedir, porque sabe qual é o limite. E essa é uma escolha que sabemos que pode ter boas consequências para o futuro dele— pontua Priscila.
A preocupação com as redes sociais e o acesso às telas é compartilhada por Adriana Sartori, de 37 anos, e de sua família. Mãe de Gael, de 13 anos, e Luke, de 4, Adriana e a família estabelecem limites claros para o uso de tecnologias. O filho mais velho, por exemplo, ainda não possui contas em redes sociais, uma decisão que partiu dele mesmo por não sentir o desejo de tê-las. Já Luke, também não tem perfis ou sequer um celular próprio, ficando o acesso restrito às telas de casa, como a televisão.
Embora a adultização esteja distante do comportamento dos meninos, a mãe explica que o maior receio é a possibilidade dos filhos serem exposto a interações perigosas em ambientes online.
— O maior medo é que alguém tente obter informações sensíveis ou conduzi-lo a compartilhar algo que o exponha — revela Adriana.
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Nesse contexto, as conversas em casa são constantes e reforçam a importância de distinguir espaços seguros de risco na internet.
Para gerenciar o tempo de tela de Gael e prevenir os perigos da exposição às redes sociais, a família estabeleceu limites claros para o uso do celular, controlados por aplicativos de monitoramento e controle parental. As ferramentas permitem configurar limites de tempo de uso, bloquear conteúdos inapropriados, acompanhar a navegação e até mesmo restringir o acesso a determinados aplicativos ou sites.
Esses recursos funcionam como aliados na mediação entre o mundo digital e a infância, ajudando a reduzir riscos como exposição a conteúdos violentos, sexualizados ou voltados ao consumo precoce.
Agosto lidera casos de denúncias no Disque 100 em SC
Santa Catarina registrou 12 casos de denúncias feitas pelo Disque 100 de violência sexual online envolvendo crianças e adolescentes entre janeiro e 17 de agosto de 2025, segundo dados do painel do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC). Do total de casos, cinco foram em agosto, mês em que o influenciador Felca publicou o vídeo com a denúncia sobre a exploração e sexualização de menores para criação de conteúdo na internet.
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Após a publicação do vídeo, no dia 6 de agosto, o Disque 100 recebeu quatro denúncias de erotização de crianças e adolescentes no ambiente virtual em Santa Catarina — ou seja, 33% dos registros feitos neste ano.
Além disso, os números de denúncias feitas pelo Disque 100 de violência sexual online em 2025 em Santa Catarina já superam o total de casos registrados pelo MDHC em 2024, ano em que a plataforma recebeu nove casos no Estado. No ano passado, nenhuma denúncia foi feita em agosto.
Denúncias de erotização de crianças e adolescentes na internet em SC em 2025
- Maio – uma denúncia
- Junho- uma denúncia
- Julho – quatro denúncias
- Agosto – cinco denúncias
Denúncias por dia de agosto de 2025
- Dia 1° de agosto – uma denúncia
- Dia 8 de agosto – uma denúncia
- Dia 14 de agosto – uma denúncia
- Dia 16 de agosto – uma denúncia
- Dia 17 de agosto – uma denúncia
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“Mais do que denunciar, é preciso agir”, diz especialista
A pesquisadora Lynara Ojeda, especialista em direitos humanos de crianças e adolescentes da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), faz um alerta contundente sobre os impactos da adultização infantil e da exposição precoce nas redes sociais. Segundo ela, é essencial garantir que crianças e adolescentes vivam cada etapa de desenvolvimento, sem antecipações que comprometam a saúde física, emocional e psicológica.
A infância e a adolescência, explica Lynara, são fases reconhecidas pela ciência e pela legislação como períodos de desenvolvimento integral. Elas não representam uma incapacidade, mas sim momentos que exigem atenção especial por parte da sociedade.
— Cada idade tem suas próprias demandas e maturidades. Uma criança de três anos precisa de cuidados diferentes de uma de 10 ou 17. Respeitar essas etapas é fundamental para o crescimento saudável — afirma.
Os sinais de adultização são perceptíveis quando crianças e adolescentes adotam comportamentos incompatíveis com sua faixa etária, segundo a pesquisadora. Isso inclui o uso de cosméticos, roupas inadequadas, participação em vídeos com conteúdo sexualizado ou brincadeiras impróprias.
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—Tudo que foge da ludicidade e da criatividade esperadas para a idade indica um processo de adultização — observa.
Lynara também destaca a importância de ampliar o debate público sobre o tema, especialmente após a repercussão de conteúdos como o vídeo do influenciador Felca. Para ela, é papel da imprensa qualificar esse debate, das famílias assumirem a responsabilidade pelo cuidado e do Estado legislar sobre o uso das redes sociais por menores.
— Mais do que denunciar, é preciso agir. Organizar medidas que transformem os ambientes digitais em espaços seguros para nossas crianças é urgente— conclui.
Adultização chega ao congresso nacional
O debate sobre a adultização de crianças e adolescentes em ambientes digitais ganhou destaque nacional e chegou ao Congresso com a proposta de Projetos de Leis. A urgência do tema foi impulsionada por um vídeo do influenciador digital Felipe Bressanim, o Felca, que expôs a exploração de menores na internet.
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O vídeo expôs casos de influenciadores que, segundo ele, lucram com a exposição de crianças em situações impróprias. Entre os citados por Felca, estava o influenciador Hytalo Santos. Após a denúncia, Hytalo e o marido viraram alvos de investigações do Ministério Público da Paraíba (MPPB), os dois foram presos e o perfil do influenciador no Instagram foi desativado.
Em resposta à crescente preocupação, o Projeto de Lei nº 2.628/2022, apelidado de PL da Adultização, e também conhecido como ECA Digital, em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente, ganhou urgência na Câmara dos Deputados e foi aprovada nesta semana. De autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-ES), o projeto foi aprovado no Senado em 2022 e visa criar regras para a proteção de crianças e adolescentes em aplicativos, jogos, redes sociais e outros programas de computador.
A repercussão do vídeo de Felca também impulsionou ações em nível estadual. Em Santa Catarina, um projeto de lei do deputado Jessé Lopes (PL) foi encaminhado para análise das comissões permanentes da Assembleia Legislativa. A iniciativa, batizada de “Frente de Enfrentamento Local Contra a Adultização (Felca)”, busca instituir uma política estadual de prevenção e combate à exploração comercial e à adultização de crianças.
O projeto visa prevenir, combater e punir atos de sexualização precoce ou exploração comercial da imagem e inocência de crianças e adolescentes. Ele também quer reprimir a apologia e difusão de pornografia infantil e inibir práticas de adultização indevida em meios culturais, midiáticos e publicitários.
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A legislação proposta proibiria a veiculação de conteúdos, apresentações ou publicidades com conotação sexualizada ou erótica infantil, bem como a promoção de concursos ou desfiles que incentivem padrões comportamentais erotizados para menores. O descumprimento da lei acarretaria multas que variam de R$ 2 mil a R$ 50 mil.
Disque 100
O Disque 100 é um serviço de utilidade pública do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania destinado a receber demandas relativas a violações de Direitos Humanos, especialmente as que atingem populações em situação de vulnerabilidade social.
O serviço funciona diariamente, 24 horas por dia, incluindo sábados, domingos e feriados. As ligações podem ser feitas de todo o Brasil por meio de discagem direta e gratuita, de qualquer terminal telefônico fixo ou móvel, bastando discar 100.
Como denunciar?
Para denunciar adultização ou exploração sexual infantil, os canais mais indicados são o Conselho Tutelar, o Ministério Público, a Polícia Civil, o Disque 100 e em caso de vídeos nas redes sociais, a denúncia pode ser feita na própria plataforma onde a publicação foi realizada.
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