Que gostosa experiência ir ao cinema ver “O Brutalista”, do diretor americano Brady Corbet. São três horas e meia, com um intervalo obrigatório de 15 minutos. Uma maratona para assistir a um espetáculo que disputará dez Oscars neste domingo (2). Público compenetrado que leva até cobertor para se proteger do ar condicionado. Ninguém desesperado para abrir o celular, ninguém encucado com a pizza pós-sessão das 19h. Quietude na sala, um milagre.
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“O Brutalista” conta a história de um arquiteto húngaro, sobrevivente do nazismo, que foge dos campos de concentração e vai para os Estados Unidos. Ele é representante da corrente arquitetônica brutalista, marcada pelo uso aparente do concreto bruto. Como escreveu Manohla Dargis, crítica do “The New York Times”, ele sai “numa viagem que o leva do velho ao novo mundo, do fascismo ao capitalismo, dos horrores do Holocausto ao abraço sorridente e totalizador do século americano e de tudo o que ele implica — ou seja, uma história que parece muito presente”.
Marco da Hollywood do século 21, o épico “O Brutalista” mostra a selvageria que acompanha o fracasso e o sucesso. Revela os brutalismos aos quais nós seres humanos estamos submetidos nos violentos tempos atuais. As guerras, os deslocamentos. A pobreza, a fome, os desterros. A xenofobia, o racismo. Os preconceitos, as violências. A ignorância e a estupidez humana. O horror, o horror.
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Como sociedade, estamos em permanente ruína. Vivemos em tempos de derrotas esmagadoras. Tempos em que canalhas torcem abertamente pela morte do papa argentino nas redes antissociais, por exemplo. “A violência destroi o que ela pretende defender: a dignidade da vida, a liberdade do ser humano”, afirmou o Papa João Paulo II.
A escalada do ódio revela-se ilimitada. Estamos todos brutalizados, como comprova a atualíssima obra-prima “O Brutalista”.
Os brutalistas 1
Viva o cinema brasileiro. Viva “Ainda Estou Aqui”. Viva Fernanda Torres. Que venha o Oscar, que venham Oscars. Não vindo, não tem importância. O filme de Walter Salles tão cedo não sairá da memória. As histórias da fortaleza Eunice Paiva e de seu marido desaparecido farão nos lembrar, sempre, os brutalismos da ditadura militar brasileira, que perseguiu, torturou e matou adversários políticos. Veja o filme. Leia o livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. A vida presta.
Os brutalistas 2
“A Semente do Fruto Sagrado” é um fortíssimo concorrente iraniano ao Oscar de filme estrangeiro. O filme de Mohammad Rasoulof mostra uma família inteiramente conturbada pela ditadura teocrática do Irã em 2022, quando jovens são detidos, espancados e assassinados pelas forças de segurança. Ué, alguma semelhança com “Ainda Estou Aqui”? É um filmaço, corra e veja.
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Letos no Oscar
“Flow” disputa dois Oscars: filme estrangeiro e filme de animação. O representante da Letônia (terra de minha amada Cintia), dirigido por Gints Zilbalodis, apresenta a comovente história de um gato e outros animais na luta pela sobrevivência durante uma inundação de dimensões apocalípticas. “Flow” é um arrebatamento de grande beleza.
Para refletir
“Períodos de grande turbulência costumam ser também momentos de transformação e descoberta. Quero acreditar que o colapso do futuro acabará forçando a Humanidade a criar novas utopias — um outro modo de se relacionar com o planeta e de criar sociedades mais justas”
José Eduardo Agualusa, escritor angolano
“A vida só pode ser entendida como um acontecimento”
Mikhail Bakhtin, filósofo russo
“A intolerância é inclinada a censurar, e a censura promove a ignorância dos argumentos dos outros e, portanto, a própria intolerância: um círculo rígido e cruel que é difícil de quebrar”
Primo Levi, escritor italiano
 
				 
                                    