Há pouco mais de 60 dias como primeira presidente da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Santa Catarina (OAB/SC), a advogada e professora de Direito, Cláudia Prudêncio, 45 anos, tem se deparado com diversos desafios de gênero, além do intenso trabalho da entidade. Por isso, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, ela fez questão de falar sobre o tema e dizer que, até atingir a equidade, no futuro, será preciso comemorar ainda muito essa data, para difundir ações afirmativas, deixar claro que as mulheres podem ser o que elas quiserem.
Continua depois da publicidade
Receba as principais notícias de Santa Catarina pelo WhatsApp
Cláudia Prudêncio conta que chegou à presidência da OAB graças ao trabalho que desenvolveu há 22 anos na entidade, incluindo a presidência da Caixa de Assistência (Caasc), instituição que teve atuação fundamental na pandemia. Também fala sobre discriminação na campanha, da força do cargo, do trabalho para melhorar a renda dos advogados e do empenho por mais inclusão no sistema OAB/SC.
Graduada em Direito pela Universidade Luterana do Brasil (RS), especializada em Direito Societário e Empresarial, é advogada e professora na Escola Superior da Advocacia, na Unisul e na Fundação dos Administradores de Santa Catarina. Também é sócia-fundadora do escritório Prudêncio, Bernardes e Maluf Advogados, de Florianópolis.
Casada com Gerson Scheffer da Silva, é mãe da Laís, estudante de medicina na Unisul, e da Yasmin, que soube da aprovação no vestibular para Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no dia da posse da mãe na OAB (18 de fevereiro). Cláudia Prudêncio faz questão de dizer que consegue trabalhar o dia todo e parte da noite fora porque o marido, que é corretor de imóveis, “é o porto seguro da família”, cuida das filhas e da casa.
Continua depois da publicidade
A presidente da OAB/SC ganhou projeção nacional pelas propostas apresentadas e por integrar o grupo de cinco advogadas que foram eleitas presidentes de seccionais, um número de mulheres nunca antes registrado no país. Além de SC, também elegeram advogadas as OABs de São Paulo, Paraná, Bahia e Mato Grosso. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A senhora é a primeira presidente da OAB de Santa Catarina em 89 anos. O que isso representa para as mulheres?
É uma quebra de paradigma, porque são 89 anos de história da OAB de Santa Catarina e, até então, nós não tínhamos uma mulher gestora. Então, hoje, estar representando mais de 46 mil advogados, homens e mulheres de ordem, é um privilégio, uma bênção de Deus. É uma quebra de paradigma, porque sou uma mulher simples, que vem do interior, que traz o marido, a filha recém-nascida, sai de uma cidade de 10 mil habitantes e vem para um outro mundo da advocacia (eu sempre fui apaixonada pela advocacia, meu sonho era ser advogada), para uma Capital, conquista o seu espaço, sem sobrenome, sem apoio, sozinha.
Sentar-se nessa cadeira hoje é uma responsabilidade imensa. É óbvio que é uma doação, porque eu estou no escritório, continuo dando aula e tudo mais, mas quando eu sento aqui eu penso: “Eu não posso errar o tom”. Eu preciso mostrar que nós mulheres conseguimos, que temos capacidade como tantos outros presidentes já tiveram porque se um homem erra, às vezes, sequer ele é cobrado. Quando somos nós, você, além de ser cobrada pelo seu erro (e qualquer uma de nós podemos errar), ainda vai ter esse carimbo de que é mulher.
Continua depois da publicidade
Então. eu hoje represento não só mulheres advogadas. Estou sendo chamada no Brasil todo para falar para várias instituições. Semana passada aconteceu um fato engraçado, fui numa posse em Itajaí, e saindo já tarde, cansada, foi numa sexta-feira, uma colega advogada pediu que eu gravasse uma mensagem em vídeo mandando um beijo para a manicure dela, que disse que já tinha visto várias entrevistas minhas e me seguia no Instagram.
Então, para que Claudia esteja à frente da OAB de Santa Catarina como a primeira mulher eleita, democraticamente, ela passou todas as barreiras não só na advocacia, mas para que as outras mulheres saibam que elas podem chegar onde elas quiserem, do jeito que quiserem, no tempo delas, e que nós todas conseguimos.
Por que ainda é importante ter o Dia Internacional da Mulher?
Acho que temos muito ainda o que avançar. Acho que a gente precisa sempre reafirmar a importância da mulher. Da mulher pedreira, da mulher manicure, da mulher médica, da mulher do lar, da mulher advogada, da mulher jornalista. Precisamos, todo o tempo, juntas, olhar para o passado, para todas aquelas que fizeram tanto por nós. Estamos comemorando 90 anos do direito ao voto feminino.
Então quanto ao Dia Internacional das Mulheres, acho que vamos precisar de um bom tempo para que nós possamos continuar mostrando que tantas outras podem se envolver e participar. Nós temos aqui na OAB a Comissão da Mulher Advogada. Eu estou no sistema OAB há 22 anos, e eu lembro que na época se falava: “Por que existe Comissão da Mulher Advogada e não existe Comissão do Homem Advogado?”. Porque nós precisamos de ações afirmativas, precisamos colocar as mulheres em destaque, precisamos ter grupos de estudo.
Continua depois da publicidade
Nossa Comissão da Mulher Advogada de Joinville fez um manifesto lindíssimo contra a violência doméstica. Liguei para a presidente da Comissão para parabenizá-la, e ela me disse uma coisa que me tocou. Que além das vítimas da violência, que precisamos das mulheres advogadas idosas, das mulheres advogadas jovens, das mulheres advogadas com deficiência. Então é todo um conjunto em torno da situação da mulher que necessita dessas ações afirmativas. Eu acredito que eu e você ainda vamos comemorar muito dia 8 de março.
O processo de eleição da OAB foi bastante disputado. O que surpreendeu a sra. positivamente e negativamente nessa campanha?
Já participei de muitas campanhas. Fui conselheira estadual da OAB, eleita; fui secretária-geral adjunta e corregedora-geral do TED, eleita; fui presidente da Caixa de Assistência dos Advogados de Santa Catarina (Caasc), eleita, a segunda mulher em 75 anos de história da Caixa (a primeira foi a doutora Solange Pirajá, há mais de 40 anos), e agora passei por uma eleição como candidata à presidência da OAB.
Acho que o ponto positivo foi o resultado, foi histórico. Foram quatro chapas, isso nunca aconteceu na história da OAB. Nós vencemos porque não é só a Claudia, mas um grupo maravilhoso de homens e mulheres de ordem que se doam para o sistema, quase 50% de aprovação com mais de 12,7 mil votos. Ganhamos com mais de 4,5 mil votos de diferença da segunda chapa. Foi o reconhecimento do trabalho dos últimos três anos de muita dedicação da gestão sensacional do Rafael (Horn) e da Claudia Prudêncio.
Continua depois da publicidade
De pontos negativos, eu nunca imaginei, por ser mulher, sofrer tanta violência de gênero como eu sofri. Também sofri violência de naturalidade, porque eu sou gaúcha. Fui espezinhada, humilhada, porque ligavam para fazer a campanha dizendo: “Você não vai votar numa gaúcha, você não vai votar na filha de um pedreiro analfabeto!” Eu sou uma mulher de posições firmes, nas minhas sustentações orais, nas minhas audiências, no meu escritório, na sala de aula com meus alunos, sempre tive o meu posicionamento.
E quando uma mulher é forte, ela é taxada como louca, como a gritona, e foi isso que sofri na campanha. Me doeu que muitas mulheres foram porta-vozes dos homens nessa campanha de difamação. Amigas que deixaram de estar ao meu lado quando das escolhas dos grupos políticos, porque numa campanha se esquece da essência da pessoa. Mas sabe aquele ditado, “quanto mais você bate no pão, mais ele cresce”. Mas a advocacia catarinense não quer mais campanha baseada em fake news, campanha difamatória.
Isso gerou uma divisões na OAB de Santa Catarina? Será preciso fazer um trabalho de união?
Não gerou divisão porque nosso grupo permaneceu. Não foi do grupo essa divisão, são oposições ainda esparsas que ficam no discurso. Na prática, não sabem do dia a dia nosso aqui, de doação, de responsabilidade, de comprometimento, de amor à causa. O que me fez ganhar as eleições é o amor que eu tenho pela advocacia. Todos sabem o carinho e o amor que eu tenho.
Isso é sabido em todo o Estado e também no Brasil, porque a Nossa Caixa de Assistência foi referência entre as 27 OABs do país. Então, as pessoas gostam da Cláudia, respeitam a Cláudia, querem ouvir a Cláudia, sabem que é uma mulher gestora. Eu cuido, eu recebo todo mundo, dou acolhida. Então, esses grupos esparsos, ficaram na campanha. Sou presidente de todos, chapa 1, 2, 3 e 4, seja quem for, as portas estão sempre abertas, eu recebo todos aqui.
Continua depois da publicidade
Nós temos as comissões temáticas do sistema OAB em que você faz a inscrição pelo site. Não olhamos quem é e quem não é, todos podem participar, eu quero que todos venham ajudar. Agora é óbvio que você passou por uma eleição, é óbvio que você fica magoada. O que você não faria para os outros, você não quer que aconteça com você. Mas hoje, já estou há 60 dias trabalhando, dia e noite direto, e me surpreendi quando fizemos um post no Instagram com tudo o que já fizemos nesse período. Então é isso, trabalho vence, trabalho mostra a nossa competência e o resto é resto.
Que diferenciais da sua trajetória fizeram com que você chegasse à presidência da entidade?
Claudia – Acho que o amor à causa, o comprometimento que eu sempre tive com a advocacia. Mas o que me definiu como presidente da ordem para ser escolhida pelo grupo, porque foi uma escolha democrática, de todos os presidentes de subseção, somos 52, acho que dois ou três só não apoiaram o meu nome naquele momento, os demais, a maioria, apoiaram o meu nome. Dos mais de 100 conselheiros estaduais, também a maioria avassaladora apoiou o meu nome.
E o que me deixou pronta, que disse Cláudia você pode, você consegue, foi a Caixa de Assistência. Ser presidente da Caixa de Assistência me deu a oportunidade de ser presidente da OAB de Santa Catarina. Porque a Caixa é o braço assistencial da advocacia catarinense. Conseguimos chegar na ponta, dar um auxílio emergencial para um advogado que não tinha o que comer, trazer psicólogas gratuitas para nossa advocacia catarinense, porque tinha caso de suicídio.
Conseguimos oportunizar 9 mil exames de mamografia ou ultrassonografia gratuitos para as mulheres advogadas, e nós tivemos vários diagnósticos de câncer de mama. Também trouxemos exames de PSA para os homens para prevenção e diagnóstico do câncer de próstata. No momento mais difícil da advocacia, que foi a pandemia que nos fez perder clientes, que nos fez fechar o escritório porque não tínhamos condições de pagar água, luz, telefone e aluguel, foi a Caixa que oportunizou 32 escritórios compartilhados, em todas as regiões do Estado.
Continua depois da publicidade
A Caixa oportunizou trabalho, pois o advogado tinha sala para fazer audiência, sustentação oral, atender o seu cliente, o ganha-pão dele. Tudo isso a Caixa oportunizou. E aí o advogado entendeu a importância da OAB, porque antes o advogado era distante da OAB, não queria saber. Mas agora ele sabe que pode se sentir pertencente ao sistema porque o sistema o protege.
Na pandemia, muitos advogados ficaram sem renda. Para quem vê de fora, isso é até surpreendente, porque se imagina que todo advogado ganha bem. Como vocês perceberam que essa necessidade era grande?
Eu recebi em março de 2020, bem no começo da pandemia, uma ligação de um amigo de Lages. Isso foi dia 28 de março, a pandemia começou dia 14, 15, aquele pânico todo. Ele disse: “Claudinha, o que a Caixa vai fazer por nós aqui na Serra catarinense? Porque eu já soube de oito ou nove colegas aqui que já entregaram as chaves dos seus escritórios”. Aquele dia, me arrepio só de falar, eu vi que precisava fazer a diferença.
E nós fizemos. Lages e a região foram contempladas com o escritório compartilhado, os advogados puderam trabalhar, e isso não tem preço. Você fazer pelo outro. Quantos e quantos caixões… Nós perdemos muitos advogados e familiares de advogados na pandemia, e muitos colegas não tinham condições de comprar um caixão. A pandemia bateu muito forte. A OAB conseguiu liberar mais de R$ 3 bilhões em alvarás junto ao nosso Poder Judiciário para que o nosso advogado tivesse como botar o pão na mesa.
Continua depois da publicidade
O Rafael Horn, nosso ex-presidente, meu parceiro, conseguiu junto ao governo do Estado que nos colocasse lá no inciso de atividade essencial para que não fechássemos as portas, porque os outros estados não conseguiram.
A OAB de SC conseguiu balcão virtual para poder ser atendido no Judiciário. A OAB de SC fez um trabalho de interlocução junto ao Poder Judiciário, ao Executivo e Legislativo incrível para que nós pudéssemos todos continuar trabalhando. Todas as outras profissões foram atingidas terrivelmente. Nós, hoje, conseguimos saber qual é a real função da OAB, que no momento mais difícil do advogado e da advogada está aqui para atendê-los e protegê-los. E o advogado entendeu isso. E aí, mais uma vez eu repito, são os resultados da urna.
Foi por isso que vocês se emocionaram tanto na posse dia 18 de fevereiro?
Sim, porque ninguém me disse que eu seria presidente da Caixa, que é o braço assistencial do sistema, com uma pandemia mundial. O Rafael ficou só aqui na sala presidência, e eu lá na Caixa. Então a emoção dos nossos discursos foi exatamente o resultado do nosso trabalho. Porque eu aqui estou dando continuidade ao trabalho dele, de continuar transformando a advocacia catarinense.
Mas eu e ele sentimos na pele o fato de estarmos à frente de duas instituições importantíssimas, a OAB e a Caixa, durante uma pandemia. Nós trouxemos atendimento telepresencial de médicos para os colegas. Conseguimos mais de 9 mil consultas médicas em todas as especialidades.
Continua depois da publicidade
A gente também envolveu muitas famílias por meio de jogos online para interagir, porque estava todo mundo muito estressado. A gente fez concursos de música, violão e canto, de declamar poesia entre colegas do Estado todo, para que eles pudessem um olhar para o outro sabe, interagir, em todas as 52 subseções. Eu trouxe a colônia de férias cuidando de 4 mil filhos de advogados, gratuitamente, porque durante a pandemia as crianças ficavam em casa e os pais não podiam trabalhar.
Que conselhos a sra. daria para mulheres terem uma carreira de sucesso?
Acho tão forte a expressão “carreira de sucesso”, sabe, por que, eu, assim, sou mãe. Penso que qualquer mulher pode ser feliz, importante, do jeito dela. Olha as nossas avós, que nos criavam, em casa, cozinhando, cuidando dos filhos, eram mulheres de sucesso. Olha uma senhora que sustenta 12 filhos limpando banheiro, ela não é uma mulher de sucesso? Claro que ela é! Ela deixa o banheiro limpo, banheiros públicos para a gente ir lá e usar aquele banheiro. Ela é realizada do jeito dela, e tem uma casa, e tem uma família, e é feliz.
Então, eu sempre fui muito cuidadosa com a palavra de empoderamento porque eu nunca almejei nada na minha vida. Todas as coisas que aconteceram na minha vida foram resultado do meu trabalho. Quando eu comecei a lecionar – sou apaixonada pela docência – e fui convidada para ser paraninfa, conclui que foi resultado das minhas aulas.
Continua depois da publicidade
Quando você é a professora homenageada, é porque gostaram da sua aula, quando a aluna conta que estava sendo estuprada, ela confiou em você, porque você traz confiança para ela. Quando uma aluna vem e conta que apanha do marido, ela conta para você porque sente em você uma pessoa de confiança, então, como professora, eu sou uma mulher realizada. No meu escritório, você vê, a nossa área é a área do direito empresarial, uma área masculina, advogo há 22 anos, uma área extremamente masculina.
Eu vivo e sobrevivo do meu escritório, dos meus honorários. Eu não tenho outro ganha pão. Se eu não receber no final do mês, eu não tenho como viver, isso é importante as pessoas saberem que hoje tem uma presidente de ordem que advoga, que vive da advocacia, que vem aqui, se doa à OAB, mas que também trabalha no escritório.
Eu tiro lixo, faço café, eu cuido de prazo, eu corrijo contrato, eu faço audiência, e eu sou uma mulher realizada na minha profissão, isso me faz feliz. Fico agoniada quando eu não estou no escritório, quando não estou em litígio, quando não estou mediando, eu sinto falta. E eu tenho um escritório muito simples, então eu não sou uma mulher de sucesso, sou uma mulher de um escritório muito simples, que não tem 100, 200 advogados. É simples, mas eu me sinto realizada como eu sou.
E hoje, à frente da OAB, eu tive que aprender, nestes 60 dias, que eu sou uma mulher pública, que as pessoas querem ouvir o que eu tenho para falar. Eu já conversei com o governador do Estado, com os presidentes do presidente do Tribunal de Justiça, da Assembleia Legislativa, do Tribunal de Contas, com Procuradoria Geral do Estado e com ministro do STJ. Como mulher pública, você sente o peso de ser referência. A OAB é uma entidade grande, não dá para errar o tom.
Continua depois da publicidade
Como foram as conversas com o governador sobre temas da categoria?
Nós, aqui na OAB temos um convênio com o governo do Estado para a advocacia dativa. Os advogados dativos prestam serviço ao governo pela remuneração de uma tabela para atender a população carente. São 12 mil colegas advogados que sobrevivem e vivem desse trabalho. E você tem ali uma tabela que paga R$ 100 para fazer uma audiência, para cuidar de um processo por três anos. Se a gente for ver a tabela, os valores são horríveis. Então, qual é a minha conversa com ele e por que ele está receptivo?
Porque eu disse: “governador, nós precisamos triplicar o valor da tabela dos honorários dos advogados dativos”. Como ele é advogado, como ele é um homem simples, como ele conhece a realidade da ponta, ele está muito sensível à nossa causa.
Na Defensoria Pública o governo tem 200 defensores que não conseguem atender toda a população que necessita de serviços. Então, o convênio é importante. Só que eu falei para ele que não consigo mais atender por R$ 100, por R$ 50, por R$ 300 processos de anos e anos. Precisamos aumentar. Daí foi criado um grupo de estudos deste fundo que é gerido pelo Poder Judiciário. Queremos ver quanto precisa ter esse fundo para poder triplicar os valores da tabela.
Por que a sra. colocou como compromisso de campanha “Mais honorários no bolso da advocacia”?
Durante a pandemia, nós vimos a advocacia catarinense passar por um momento muito difícil, de muitas dificuldades. E aí qual foi o nosso recado nos três anos de gestão em pandemia? ‘Estamos aqui pro que der e vier, conte conosco’, e eles entenderam. Fui tão bem votada porque eu dizia o tempo todo ‘eu preciso cuidar do advogado, da advogada, do bolso deles, para que eles tenham mais renda e menos despesas’. Qual foi a primeira coisa que eu fiz quando assumi? Permiti o desconto de 50% da anuidade da jovem advocacia, até os seus cinco primeiros anos, sem escalonamento.
Continua depois da publicidade
Por quê? Porque a jovem advocacia representa 60% da advocacia catarinense. Como é que um jovem sai daqui, recebe a sua credencial, e vai trabalhar onde? Lá no escritório compartilhado que a Caasc fez. Como ele terá acesso a um software jurídico? A Caasc disponibilizou. Como ele consegue um médico? Desconto na escola do filho? Porque conseguimos convênios com escolas de todo o Estado de 5% a 30% de desconto.
Assumi a Caixa com 200 convênios. Entreguei agora para o meu sucessor, Juliano Mandelli, com mais de seis mil convênios. Em qualquer lugar que você vai tem uma plaquinha nossa de desconto. Eu quero que que esses descontos, quando lançar no CPF do advogado, automaticamente vá reduzindo a anuidade. Eu quero uma OAB sem anuidade, que está em torno de R$ 900 em 12 vezes. Eu quero que os convênios compensem esse custo.
Outro compromisso de campanha é a criação do SOS Morosidade. O meu maior desafio hoje é o retorno das atividades presenciais do Judiciário. Estive com o doutor João Henrique Blasi, falei da nossa preocupação. Ele é outro homem sensível à nossa causa, já foi gestor aqui na OAB. De que precisamos? Que os processos andem, um olhar atencioso será no primeiro grau.
Naquela comarca em que o processo não anda, a OAB será interlocutora pelo advogado, porque o advogado não pode ficar batendo todo dia na porta do juiz pedindo para que aquele processo ande, ainda mais no interior, comarca pequena. Qual é o resultado de um processo célere? Honorário no bolso.
Continua depois da publicidade
A sra. também prometeu um piso regional. Como será?
Vamos criar o piso ético regional. Nós temos grandes bancas de advogados por aí, que advogam para grandes sociedades empresariais, tem que ter um mínimo. Tem a tabela da OAB também, mas a gente precisa regionalizar. No Oeste, por exemplo, o custo de vida não é o mesmo da Capital. Temos uma tabela de honorários, mas queremos um piso. Que o Sul tenha um piso, o Oeste tenha um piso. Mas vamos fazer audiências públicas em cada região para definir os valores. É óbvio que vai ser trabalhado isso para ajudar, não para tirar trabalho dos advogados.
Tem a questão tecnológica, o avanço da inteligência artificial no direito. Como vê esse desafio?
Hoje, já estamos com audiências virtuais. O advogado não sai mais do escritório para ir ao Fórum. Temos agora parlatórios virtuais, que foi outra grande conquista da advocacia catarinense nos presídios. Com a pandemia, o Fórum foi colocado dentro do escritório. Eu recebo as testemunhas no meu escritório, depois a gente manda o link, a gente participa das audiências do escritório, o juiz faz do gabinete ou da casa dele, onde ele estiver. O maior desafio é o retorno das atividades presenciais. Não volta mais, o futuro é esse. Isso sim é tecnologia.
As audiências virtuais vão continuar, mas a gente quer que o advogado opte, se ele vai até o Fórum ou fica em casa. O juiz fica no Fórum, que é o lugar dele, na sua comarca, no seu gabinete. Nós advogados, ou fizemos do escritório, ou vamos até lá. A pandemia vai terminar, mas hoje, para nós advogados, é muito mais prático. Eu faço uma audiência no Fórum de São Paulo sem precisar ir até São Paulo. É tudo por sistema.
Por que eu fiz escritório compartilhado? Porque eu precisava deixar estruturado um local para o advogado que não tem em casa uma boa internet, que não tem uma boa conexão no seu celular. Outra coisa que conseguimos na pandemia é a gravação das audiências, que era uma briga nossa da OAB.
Continua depois da publicidade
A gente está um pouquinho preocupada com o futuro da advocacia diante da tecnologia, mas cada advogado que se especializa na sua área tem condição de superar tudo isso porque o atendimento é presencial. O cliente procura o advogado, não o robô.
Qual é o plano para o projeto Inova Lab da OAB/SC?
Será um laboratório de inovação. É um projeto que a gente acha extremamente importante, que vai ser voltado ao fomento de novos serviços em nicho de mercado para a advocacia, e que também vai buscar soluções de desafios da classe que vai enfrentar como decorrência de grandes transformações na profissão no judiciário. Então, ele vai mostrar o futuro, ele vai estar atento ao que vai acontecer, e adiantar para o advogado antes que aconteça.
O que a sra. pensa sobre os cursos de direito a distância, por EaD?
A OAB tem um olhar muito forte com relação a esses cursos, tanto é que nós fomos contra todos esses anos, porque é um estelionato, né? É um estelionato educacional, teve um pedido para abertura de 20 mil vagas aqui em Santa Catarina. A OAB foi completamente contrária.
É um trabalho que está vindo de cima pra baixo, do Conselho Federal. Estou muito segura que agora, com o Rafael Horn como vice nacional, ele vai ajudar a rever esse estelionato aqui no Estado. Eu, como professora, docente, apaixonada pela sala de aula, me preocupo muito com a qualidade dos cursos, de colocar na rua excelentes profissionais.
Continua depois da publicidade
É favorável ao exame da Ordem para o exercício da profissão?
Eu sou completamente favorável ao exame de ordem. No caso de medicina, 100% dos médicos trabalham porque eles não têm um teste antes. Você gostaria de ser atendida por um advogado sem o exame de ordem? (Cerca de 25% dos graduados em direito no Brasil passam no exame da Ordem).
É tradição no Brasil a OAB se posicionar politicamente, principalmente em relação a impeachment. Como será na sua gestão?
A OAB tem como obrigação, sempre, atender à sociedade, ela tem essa função de estar sempre presente em todos os assuntos e aspectos da sociedade. Nós tivemos, aqui, dois casos de impeachment do governo do Estado de SC. A OAB, isenta de qualquer manifestação, colocou uma comissão para cuidar dos advogados que estavam envolvidos, para poder ajudar, contribuir, mas sempre com muito isenção em manifestação de A, B, C ou D.
Então, na minha gestão, acredito que eu continue essa sempre boa interlocução. Durante toda a minha campanha eu falei que quero uma OAB apartidária. Mas é claro, né, a OAB tem que estar atenta à Fake News, que vai acontecer em ano de eleição. Acho que a gente vai fazer um trabalho bem forte de parceria junto ao TRE, OAB e TRE em campanhas políticas. Seremos uma das parceiras dos projetos, de envolvimento contra Fake News. Sempre que me perguntam qual é o meu partido, eu digo que é a OAB, sempre que perguntam qual é a minha causa, eu falo que é a advocacia.
Continua depois da publicidade
A sra. defendeu a diversidade em seu discurso de posse. O que a sua gestão vem fazendo nesse sentido?
Eu sempre fiz isso dentro do sistema OAB, desde quando eu era coordenadora geral da inclusividade. Na Comissão da Diversidade Sexual nós temos à frente a Margarete. Eu trabalhei para termos mais advogados negros, por exemplo. Sempre me preocupei em trazer colegas, pessoas com deficiência. Temos aqui na OAB agora, depois de 88 anos, um acesso por elevador.
Quando eu estava na Caixa trouxemos um sistema de inclusividade de colegas advogados. Trabalhamos pela empregabilidade. Tenho o maior respeito e admiração por todos e todas, sem distinção. Nós não tínhamos cotas de gênero até 2016. Trabalhai pelas cotas. Primeiro, conseguimos 30% e, agora, é 50%.
Nunca na história você viu tantas mulheres envolvidas no sistema OAB como em 2022. A nossa chapa está composta de 50% homens e 50% mulheres, todas em cargo de gestão. Eu trabalhei muito também na inclusão de homens e mulheres negras no sistema OAB. Hoje, 30% das cotas são para eles. São ações afirmativas, inclusivas.
Continua depois da publicidade
A OAB de Chapecó teve um caso de discriminação contra um homossexual para doação de sangue. Como foi resolvido?
Isso pra mim foi muito forte. Eu tenho uma filha que namora com outra menina. Lais, minha filha mais velha, namora com a Luiza há quatro anos, e a minha filha é a mãe dela, se doa, e nós sempre doamos sangue. E a minha filha, que cursa medicina, é impedida de doar sangue pela opção sexual dela? Graças a Deus, aqui em Florianópolis ela não foi impedida, mas esse colega de Chapecó foi, e aquilo pra mim foi muito forte, bateu em mim de uma forma que eu fiquei, assim, acabada. Pensei ‘não é possível que eu vou ficar em um mundo onde as pessoas ainda são discriminadas pela opção sexual’, isso não pode mais existir. Toda forma de amor é justa.
O colega advogado impedido entrou com ação judicial e conseguiu o direito de doar sangue. Nós fizemos essa sentença girar o Brasil todo. Isso porque a nossa causa é a igualdade, a não exclusividade, é a não discriminação. Não quero mais ter medo de a minha filha sair de casa com a Luiza e poder não voltar. Eu não quero mais que batam num cara que está dormindo num banco porque é morador de rua. Acho que esse movimento de OAB não é só cuidar de honorários, falar de política. É muito mais.
Quando eu me manifestei sobre o deputado de São Paulo, uma mulher no Instagram disse: Dra. Cláudia, a senhora está salvando muitas pessoas Brasil afora. E outra coisa. Não venha com essa de que defender direitos humanos é esquerda ou direita. Parem de polarizar. Isso é um absurdo. Isso não é esquerda, isso é mãe, é ser humano, que veio para o mundo para fazer o melhor, olhar todos e todas. Para nós, a sentença de Chapecó foi um dia de vitórias.
Continua depois da publicidade
Como analisa as polêmicas declarações sexistas do deputado paulista Arthur do Val, sobre as ucranianas?
Eu tenho até vergonha de falar sobre isso. Voltando à sua pergunta sobre o 8 de março: nós ainda comemoramos o Dia Internacional da Mulher e ter que ouvir o que nós ouvimos de dirigentes políticos que estão aí para defender a sociedade, homens e mulheres, gays, lésbicas, negros e indígenas, ouvir tamanha atrocidade doeu em todas nós, mulheres, e em todos os homens. Eu me manifestei na hora no Twitter, mostrei a nossa preocupação. Foi feio, foi triste. A mulher ser vista como objeto sexual é muito triste.
Por que, além de advogada, a sra. também é professora de direito?
Minha mãe era professora do ensino fundamental. Eu sempre vivenciei ela com os alunos. Mas minha paixão é o direito. Como sou uma mulher que fala bem, me convidaram para dar aulas. Já fazem 17 anos. É uma cachaça. Sinto falta quando não vou. Por eu dar aula, meu cérebro está sempre estudando. Com meus alunos, eu aprendo mais do que ensino.
Hoje, tenho grandes amigos conselheiros que foram meus ex-alunos. São amizades feitas fora de casa. E eu sempre falo: é preciso passar pela vida fazendo diferença em alguma coisa. Tudo o que eu faço eu procuro deixar plantada uma sementinha para um dia olhar para trás e ver lá aquela árvore linda, ver que eu consegui fazer a diferença. Aos domingos, participo do grupo MoRua, que cozinha para moradores de rua. De 15 em 15 dias, eu e meu marido Gerson estamos lá no Centro Anastácia, no Estreito. São vários casais. Eu sou responsável para cozinhar o arroz e o feijão. Preparamos cerca de 300 marmitas e distribuímos na Catedral.
Continua depois da publicidade