Pela primeira vez em 185 anos de história, a Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina está sendo liderada por uma mulher. A contadora de carreira Michele Roncalio, de Blumenau, graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é a secretária interina durante as férias de um mês do titular Paulo Eli, que retorna quarta-feira (4). É ela quem está decidindo sobre temas de uma das pastas mais importantes do executivo estadual. Revela que os desafios mais difíceis são os que envolvem a interação com o legislativo nas questões tributárias.
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Um dos projetos polêmicos do momento é o de alíquotas de ICMS sobre leite, trigo, alimentos e bebidas em votação na Assembleia Legislativa. Ela tem mantido a posição de Paulo Eli, mesma que está no projeto enviado pelo governador Carlos Moisés para a Alesc: reduzir as alíquotas, com exceção para as bebidas quentes. Segundo ela, uma das preocupações futuras é a redução de alíquotas de energia e telecomunicações a partir de 2024.
Sobre o fato de ser a primeira secretária da Fazenda de SC, a auditora pública de finanças, que é casada e tem um filho, diz que é uma honra, mas reconhece que isso poderia ter acontecido antes. Como adjunta na pasta, lidera diversos projetos, entre os quais os da área social como o SC Moradia e o SC Mais Renda, além de outros voltados ao desenvolvimento, incluindo, recentemente, a área de PPPs e concessões. Saiba mais na entrevista a seguir:
O que significa para as mulheres ter, pela primeira vez, uma representante no cargo de secretária de Estado da Fazenda após 185 anos?
– Na verdade é uma grande vitória, mas eu nunca parei para pensar em ser a primeira mulher ou não, mas, sim na valorização do trabalho dos técnicos da Fazenda. É uma honra, mas penso que isso poderia ter acontecido antes porque temos um número expressivo de servidoras, tanto na carreira de auditora fiscal, como nas demais carreiras, como a de auditora de finanças públicas, que é o meu caso. Mas o significado é emblemático de as mulheres ocuparem cadeiras que sempre ficaram com o sexo masculino. Há um grande caminho a ser trilhado, ainda.
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Na sua opinião, o que falta para as mulheres ocuparem mais cargos de liderança nos setores público e privado?
– Em primeiro lugar, a mulher tem que se sentir capaz, demonstrar que tem condições de ocupar a função. Mas ainda há uma certa insegurança das pessoas ao redor, em função dos vários papéis que a mulher ocupa, se ela consegue se dividir, atender em qualquer horário demandas de trabalho. Acho que ainda falta, tanto das próprias mulheres, terem consciência de que são capazes, quanto da sociedade ter esse respeito, essa maturidade para aceitar com segurança. Muitas vezes, a mulher precisa ser mais incisiva, colocar opiniões com mais firmeza, para deixar claro que está capacitada para funções de liderança.
Qual está sendo o seu maior desafio à frente da pasta? A polêmica do ICMS na Alesc?
– Em questões práticas, está sendo essa interação de projetos de lei tributária até porque eu e o secretário Paulo temos mais afinidades distintas. Ele tem mais sobre questões tributárias e eu, sobre questões fiscais, contas públicas e a parte do Tesouro. Para mim, essa parte tributária é um desafio, mas temos uma equipe de excelência que atua de maneira conjunta. Mas penso que o maior desafio é ser um ano eleitoral. Muitas peças mudam, muita coisa que seria facilmente tratada hoje fica mais complexa pela questão política.
Falando em ano eleitoral, o governo de Carlos Moisés desenvolve o Plano 1000, que tem muitos projetos com prefeituras. É esse que está gerando mais questionamento político?
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– O Plano 1000, na verdade, é para planejamento. O governo do Estado, em todas as gestões, faz convênios com municípios que não são, necessariamente, que abrem para um plano de desenvolvimento. A ideia do Plano 1000 é dar uma garantia de que serão apresentados projetos estruturantes para que o governo do Estado tenha condições de auxiliar os municípios para que eles saiam do papel. Até porque são os projetos estruturantes que vão auxiliar no desenvolvimento econômico e social do Estado.
O Estado, união e municípios precisam trabalhar conjuntamente. Prova disso é a nossa própria bandeira de auxiliar nos investimentos das BRs. A gente teve que arrumar a casa, começar a fazer projetos em rodovias estaduais porque estavam em situação muito difícil. A gente precisava fazer obras, mas nem projeto tinha. Agora, nós temos um planejamento de obras das rodovias estaduais, mas não adianta essas estarem ok, mas as rodovias federais estarem deterioradas, fazendo com que os caminhões cheguem quebrados nas estradas estaduais.
E a mesma coisa envolve os municípios. Uma empresa vem se instalar em Santa Catarina, mas ela fica baseada em um município. Então, se eu não fizer acesso ao município, na infraestrutura, posso perder essa demanda de investimento. O Estado sempre é chamado. Então, se antigamente o governo do Estado era chamado para colocar asfalto em cima da brita por ter um recurso mínimo, para tapar buraco, agora, com o Plano 1000 ele diz: façam os projetos que o Estado vai ajudar, em nível estruturante, o desenvolvimento econômico e social do Estado.
O governo encaminhou proposta de orçamento para a Alesc com previsão de receitas e despesas recordes para 2023. Quais as explicações para esses números?
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– O que foi encaminhado para a Assembleia foi a lei de diretrizes orçamentárias para a elaboração do orçamento que acontece no segundo semestre. Na verdade, aí já é preciso incluir índices para depois elaborar a previsão da Lei Orçamentária Anual (LOA). Estão falando sobre uma diferença de R$ 10 bilhões em relação à LDO do ano passado. Mas a LDO foi encaminhada à Alesc em abril do ano passado, logo após a segunda onda da Covid-19.
Ainda tínhamos muita incerteza e também foi logo após 2020, um ano complicado em todas as esferas. Quando foi encaminhada a lei orçamentária em setembro do ano passado isso foi revisto. A lei orçamentária para este ano que está em curso está em R$ 37 bilhões. Agora, estamos apresentando uma projeção de R$ 43 bilhões (para 2023). Isso tudo com base em indicadores. E a inflação também impacta na arrecadação, nas despesas. Assim como os contratos das pessoas são reajustados, como aluguel, se nós fizermos a renovação de um contrato, ele passa pelo equilíbrio econômico-financeiro de qualquer maneira.
Há um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto). Estamos indo para o terceiro PIB per capita do país, há um crescimento de investimentos no Estado. O próprio governo de Carlos Moisés está investindo mais, há um retorno de investimentos para o desenvolvimento. Nós usamos indicadores da FGV.
O que entra no valor?
– Esse valor de R$ 43 bilhões é receita bruta. Nele está toda a participação dos municípios na arrecadação do Estado, os 25% de ICMS, 50% de IPVA, e o repasse de 20% do Fundeb, que serão deduzidos. Também precisamos atualizar os valores pelo IPCA. Tivemos que incluir no cálculo a atualização do IPCA de 2021, que foi superior a 10%, e mais o IPCA previsto para 2022.
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São considerados também a variação do PIB de SC, que tem sido maior do que a do PIB nacional, a variação do câmbio e da taxa de juros Selic. Chega-se a uma receita de aproximadamente R$ 43 bi bruta, mas haverá uma série de deduções. O que fica de Receita Corrente Líquida (RCL) do Estado é R$ 35 bilhões. As despesas do Estado são pagas com a RCL. E existem também as transferências para os poderes com base na receita.
O que mais preocupa a senhora nas polêmicas tributárias?
– Eu gostaria de destacar que, às vezes, pedem para gente copiar de outro estado uma demanda, mas esquecem de olhar como está a cadeia como um todo. Hoje, utilizamos as menores alíquotas e mantemos o compromisso de não aumentar impostos. Por ser um ano eleitoral, o que está acontecendo em todo o Brasil é que muitas vezes desvirtuam alguns pleitos de cadeias produtivas.
Há outras cadeias produtivas que necessitam de apoio, sim, mas também temos limitações por ser ano eleitoral. Se for renúncia de receita, não pode ser efetivada no ano em curso, mas a Fazenda sempre se compromete a estudar o mercado. Prova disso foi que no ano de 2019, tivemos que rever alguns benefícios que não tinham mais sentido de existir para poder revisar e conceder outros.
Agora, desse projeto de lei que está na Assembleia em discussão, o principal é a prorrogação da Cesta Básica. A lei atual vence dia 30 de junho e o projeto na Alesc tem no arcabouço a prorrogação até 31 de dezembro de 2023.
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A senhora falou que não pode haver renúncia fiscal em ano eleitoral. Seria o caso da alíquota de bebidas do projeto que está na Alesc?
– Aí nesse caso, a questão não é valor. Está se comparando com a alíquota praticada no Paraná, de 3,2%. Só que o Paraná utiliza-se da substituição tributária (ST). Essa alíquota é paga antecipada à venda, quando os bares e restaurantes adquirem de fornecedores. Automaticamente, ao ser pago antecipado, o que acontecia também em SC, acabava prejudicando a maioria das empresas do Simples. Ele impacta porque as empresas do Simples não se creditam. No final da cadeia, elas pagam 6% para todos os impostos.
Essa alíquota da bebida é uma questão de justiça tributária para poder manter baixo os impostos da cesta básica, dar incentivo à indústria. A gente precisa ter o cuidado para não dar outros incentivos fiscais que incidem sobre uma minoria e depois terão que ser retirados. Eu não quero revisar um benefício em outra área para dar benefício para bebida alcoólica.
Em 2023, teremos uma discussão fervorosa por causa da decisão do STF de revisar as alíquotas de energia elétrica e telecomunicação (A alíquota, que está em 25% passará para 17%). Vamos ter que estudar compensações. As alíquotas da cesta básica teremos que manter. Isso não se discute, mas alguns benefícios terão que ser revisados. Então, para que conceder um benefício agora para bebidas alcoólicas se no ano que vem eu vou ter que retirar? Se eu retornar a ST, vou prejudicar a maioria do Simples.
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A Fazenda tem um cálculo de quanto será a queda da receita com essa redução da alíquota de ICMS para energia e telecomunicação?
– Fizemos ano passado um levantamento com base em 2020 que precisa ser revisado. O ano de 2021 não estava fechado. Eu não tenho esse novo levantamento de pronto. Naquela projeção, deu que as perdas poderiam chegar a R$ 1,8 bilhão. É bastante recurso que deixa de entrar no Estado e nos municípios.
No ano que vem, primeiro ano do mandato, é elaborado o PPA (Plano Plurianual para quatro anos), que precisa considerar esses impactos. Talvez, será necessário revisar alguns benefícios com menores impactos em cadeias produtivas.
A senhora tem liderado também projetos sociais do governo, como o SC Mais Moradia e o SC Mais Renda. O que temos de novo no SC Mais Moradia, que está em andamento?
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– Quando apresentamos a Lei Orçamentária Anual para o ano em curso (2021), foi considerada a lei mais social porque a gente previu algumas demandas, como o próprio SC Mais Moradia. Foi instituída uma medida provisória porque abrange também a defesa civil pelo fato de algumas famílias terem sido tiradas dos seus lares e haver o pagamento de aluguel social.
Mas a previsão, principalmente, é atender os municípios com os menores IDHs do Estado (0,699). Entre os 61 municípios com menores IDH, quais já teriam os terrenos para licitar e construir as casas. Esta semana, recebemos as informações dessas matrículas e, com base na MP 252, foi divulgada a lista dos 41 municípios que podem licitar e iniciar a construção das casas.
Para a construção dessas casas, o Estado passa até R$ 70 mil e o município fica responsável pela construção. E com base no Cadastro Único, serão convocadas as famílias. Essas casas serão feitas em regime de comodato. As casas cujas famílias saírem porque atingiram uma nova condição de renda serão reformadas para receber outras famílias. Esse contrato de comodato, inicialmente de 10 anos com possibilidade de renovação, deverá ficar, geralmente, em nome da mulher, que é mais vulnerável em renda e abandono.
Quantas moradias serão feitas?
Na primeira portaria foram autorizadas 615 unidades habitacionais em 41 municípios. Se chegar este ano a 61 municípios com menor IDH, chegaremos a 1.100, sendo 15 unidades cada município. Mas a ideia é de um projeto duradouro, que seja continuado para o atendimento do déficit residencial para SC.
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Como foi o programa SC Mais Renda e há expectativa de ser repetido?
Esse projeto também foi desenhado para a Secretaria de Desenvolvimento Social junto conosco. A nossa ideia era para abranger as pessoas com vulnerabilidade temporária. Existe uma demanda de pessoas vulneráveis no Estado, como um todo, e existiu uma demanda temporária de pessoas que ficaram desempregadas no período da pandemia em setores mais afetado, principalmente de turismo e restaurante.
A ideia foi dar o braço do Estado para essa recuperação. Coordenar esses programas eu pude conhecer um pouco mais a realidade do Estado. Mas, há pouco tempo, como a gente se utiliza o Cadastro Único do governo federal, tivemos dificuldades porque o cadastro não estava atualizado. Os que receberam a verba, usaram o recurso financeiro. O trabalho foi em conjunto pelo governo do Estado.
Você perguntou se será repedido. O nosso projeto é um pouco outro. Estamos na linha de ensinar a pescar. Temos projetos para capacitar pessoas para o mercado de trabalho ou reforçar a capacitação. Nós temos, em Santa Catarina, uma demanda grandiosa de trabalho, mas não temos as pessoas capacitadas para tal. Por isso que estamos reforçando projetos junto à Fapesc e com o projeto Bolsa Estudante. Esse deve atingir muitas famílias que foram contempladas pelo SC Mais Renda. O Bolsa Estudante é também baseado no CadÚnico. Dentro dos requisitos que foram definidos, poderão ser contempladas 57 mil famílias.
A Fazenda, agora, é a pasta responsável pelo Programa de Parcerias Público-Privadas e concessões. O que está priorizando?
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– Eu tenho coordenado junto com a equipe essa frente de PPPs e concessões e, também, a liquidação de empresas. Fizemos a liquidação da Codesc e temos pelo menos mais duas liquidações que devemos concluir ainda este ano. As PPPs e concessões enfatizam o desenvolvimento econômico, a exemplo de programas de crédito que temos junto ao Badesc, BRDE e fundo de aval.