Quando olhamos para a evolução da humanidade, as conquistas são extraordinárias, desde a cura de doenças complexas a viagens espaciais. Mas quando nos fixamos na vida das pessoas, milhares de mulheres seguem enfrentando uma verdadeira guerra oculta em casa, com violências e até morte — só porque seus parceiros acham que podem mais. Isso implica em perdas para as famílias, a sociedade e para a economia. Como os números dessa violência são alarmantes em Santa Catarina, a Federação das Associações Empresariais de SC (Facisc), o Ministério Público do Estado (MP-SC), o governo de Santa Catarina e o projeto Antonietas, da NSC, se uniram na campanha Aqui Não para acabar com esse problema. A multinacional Engie Brasil também realiza um movimento empresarial com esse objetivo.

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O Observatório da Violência contra a Mulher em Santa Catarina mostra que de janeiro a novembro deste ano foram requeridas 28.984 medidas protetivas, enquanto que 48 feminicídios foram registrados —entre eles o que vitimou a professora de inglês Catarina Kasten, estuprada e assassinada na Praia do Matadeiro, em Florianópolis, no dia 21 de novembro, e que gerou uma série de manifestações e revolta em várias cidades do país.

No entanto, esses são os casos gravíssimos. Cinco são os tipos de violências que afetam as mulheres: sexual, moral, física, psicológica e patrimonial. São milhares de ocorrências e todas resultam em perdas econômicas e sociais. Dados apontam, ainda, que uma em cada três ocorrências policiais no Estado têm mulheres como vítimas.

No lançamento da campanha Aqui Não, na sede da Facisc, no dia 18 de novembro, a vice-governadora Marilisa Boehm (PL) ressaltou que esses números de violência contra a mulher não combinam com Santa Catarina, o estado com o melhor desenvolvimento social e econômico do Brasil.

Já articuladora do movimento, a promotora de Justiça do MP-SC, Chimelly Louise de Resenes Marcon, destacou dois dados que mostram os impactos dessa violência na economia. A promotora citou um estudo feito em 2017 pela Universidade Federal do Ceará segundo o qual a violência contra a mulher causa perdas estimadas em R$ 1 bilhão por ano para a economia brasileira. Ela citou também estudo da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o qual a violência contra a mulher causa perdas de 2% do Produto Interno Bruto Mundial (PIB), o que, por ano, corresponde a um prejuízo de 1,5 trilhão de dólares — valor semelhante ao PIB do Canadá.

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Esses prejuízos econômicos são estimativas da soma das perdas de cada vítima que é agredida em casa, no trabalho ou em outros locais e não consegue exercer suas atividades com tranquilidade. Mas são dados ainda pouco pesquisados que, com uma apuração melhor, podem se revelar ainda maiores.

Empresa acolhe vítimas em Brusque

Um exemplo de como a violência contra a mulher afeta a economia é informado por uma indústria de confecção de alto padrão em Santa Catarina. Ela calcula que quando as vítimas estão no momento mais crítico do sofrimento de violência, a produção delas cai de 30% a 35%. Esse exemplo é do Grupo RC Conti, de Brusque, que tem à frente a diretora e acionista Rita de Cássia Conti, primeira vice-presidente da Facisc. A empresária fez questão de falar sobre o desafio de ter colaboradoras enfrentando essa fase crítica de violência e sobre como a empresa está atuando.

— Tivemos o caso de uma colaboradora que tinha muitos problemas. Desconfiamos que era caso de violência doméstica. Conseguimos um trabalho com psicólogos e, depois de um tempo de atendimento profissional com apoio da empresa, ela conseguiu se empoderar, se afastar do agressor e agora está transformada — contou a empresária.

Além desse caso com final feliz, a empresa colabora para solucionar dois outros casos difíceis que agora estão sob controle, mas ainda sem um final tranquilo. Um deles envolve uma família com crianças. Nessas situações, a empresa acolhe e colabora tanto concedendo mais licenças para a pessoa buscar uma solução quanto no apoio para a solução em si. Quando necessário, a empresa aciona a polícia e a Justiça.

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— Uma profissional que está passando por um processo de violência doméstica trabalha menos, produz menos nesse período. Somando faltas ao trabalho, atrasos e licenças para atendimento médico e psicológico, ela produz de 30% a 35% menos no mês, em média — revela Rita Conti, ao observar que a maior parte do atendimento é feito no horário de trabalho para o agressor não saber.

A RC Conti tem 27 anos de atividades e, por ser uma confecção, tem 80% do quadro de colaboradores formado por mulheres. A empresa atua com a marca Mensageiro dos Sonhos, de pijamas, camisolas e outros itens da linha noite que se destaca pela qualidade e inovação.

De acordo com Rita, equipes da empresa percebem quando uma colaboradora está passando por um problema, mas quando é na fase inicial, com impacto mais psicológico, é muito difícil a vítima se abrir. Ela tem vergonha de contar e pedir ajuda.

Mas a empresária informa que a RC Conti aderiu à campanha Aqui Não e começou a levar essa discussão de forma aberta para dentro da empresa. O tema será tratado em reuniões da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) e em outras reuniões, além de incluir cartazes e peças visuais.

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— Hoje não sabemos qual é o percentual de colaboradoras que sofrem algum tipo de violência. As mulheres preferem não falar sobre isso. Para muitas, é um tabu. Mas, com essa campanha, acreditamos que poderemos reunir dados mais exatos logo mais — diz a empresária.

Homens à frente da campanha na Facisc

Embora a campanha Aqui Não seja para acabar com a violência contra as mulheres, na Facisc, entidade empresarial com abrangência em 293 municípios do Estado, as lideranças masculinas é que estão à frente dessa iniciativa. O presidente Elson Otto abraçou a ideia junto com o Ministério Público de SC, enquanto que o segundo vice-presidente, César Smielevski, é o líder da campanha dentro da entidade. Rita Conti participa de tudo desde o início do projeto, mas eles é que lideram.

O presidente Elson Otto informa que dezenas de empresas de diversas regiões do estado e de diversos setores já anunciaram a adesão à campanha e esse movimento continua. Ele afirma que homens e mulheres precisam falar sobre esse assunto, difundir as informações e esclarecer sobre a importância do fim dessa violência.

— Agora, a partir de janeiro, essa campanha vai se estender envolvendo todos os promotores do Estado. Eles vão chamar as associações empresariais de cada cidade e elas vão desenvolver a campanha na sua região. Esperamos um grande avanço sobre o tema. Diversas associações já estão se mobilizando — afirma Elson Otto.

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A entidade aproveitou o evento de final de ano que realizou em Florianópolis no dia 5 de dezembro, o Celebra Facisc, para distribuir alguns materiais sobre a campanha Aqui Não. Um folder diz: “A violência contra a mulher tem muitas formas. Reconhecer é o primeiro passo para romper o ciclo”. Além disso, explica os tipos e o ciclo da violência, e os telefones para denunciar.

O presidente da Facisc observa que a campanha vai reconhecer que o problema da violência contra a mulher existe, e elas precisam ser protegidas, conhecer as leis e como se defender. E se o problema é em casa, as trabalhadoras precisam ter rede de apoio dentro da empresa.

— A Facisc está incentivando a participação das empresas na campanha Aqui Não. Vamos fazer um acompanhamento, uma análise. Num primeiro momento, vamos certificar as empresas que participarem da campanha e adotarem ações para evitar a violência contra a mulher. Mais tarde, vamos entregar um selo para essas empresas. Isso será feito por meio das associações empresariais — explica o presidente da federação.

Outro destaque desse envolvimento da Facisc é que a campanha, dentro da entidade, é liderada por um empresário, o segundo vice-presidente César Smielevski. Uma das primeiras ações que ele fez quando assumiu esse desafio foi anunciar a adesão da empresa dele, a Betha Sistemas, à campanha Aqui Não. Assim, a empresa de tecnologia do setor público, de Criciúma, da qual ele é cofundador e acionista, foi a primeira do Estado a aderir à campanha.

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Protagonismo empresarial para rever situação em SC

Empresas de SC, inclusive multinacionais como a Engie Brasil, se mobilizam oferecendo apoio a vítimas e promovendo ações de conscientização, reconhecendo o impacto negativo da violência na produtividade e na sociedade

É grande o otimismo de que o meio empresarial terá participação relevante para reverter esse problema no Estado porque o associativismo está mais diverso quando se fala em gênero. Das 149 associações empresariais do Estado, cerca de 50 são presididas por mulheres, que levam o assunto com mais facilidade para todas as instâncias.

Para Rita de Cássia Conti, numa determinada fase, com o avanço da campanha, a Facisc poderá estudar a realização de uma pesquisa para saber como está o impacto da violência contra a mulher nas empresas e, assim, ter dados econômicos e sociais mais precisos.

A empresária, que foi a primeira mulher a ser diretora da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc) e presidiu a Associação Empresarial de Brusque, Guabiruba e Botuverá, acredita que o associativismo empresarial pode ter uma participação relevante na solução da violência contra as mulheres.

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A multinacional Engie Brasil, que é francesa mas tem sede no país em Florianópolis e é líder nacional em energia renovável, também é uma das protagonistas globais e brasileiras nesse movimento de defesa das mulheres, desde 2020. Nos últimos anos, realiza a Jornada Agosto Lilás e foi além porque envolveu 26 outras grandes empresas e instituições do Brasil nesse movimento. Elas já atuavam juntas no projeto Parcerias do Bem e avançaram nesse desafio da proteção às mulheres. Assim, palestras da jornada em Florianópolis foram transmitidas online para essas 26 parcerias do evento.

Quem está à frente desse trabalho é a gerente de Responsabilidade Social Corporativa da companhia no Brasil, Luciane Pedro. Ela acaba de liderar na empresa a campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Meninas e Mulheres”, desenvolvida de 20 de novembro a 10 de dezembro. Essa ação é inspirada nos “16 dias de ativismo” campanha idealizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) pelo fim da violência contra as meninas e mulheres no mundo.

— A violência contra a mulher é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma das crises de direitos humanos mais persistentes e negligentes do mundo. Eu falei essa frase agora e me arrepiei, porque somos mulheres, então isso nos angustia — afirmou.

Para mostrar o quanto essa violência está piorando no Brasil, ela cita dados recentes, entre os quais uma de cada três mulheres já sofreu violência por parte de um parceiro íntimo ao longo da vida; as denúncias no número especial 180, que subiram 33% em 2025; 40% das testemunhas adultas não tomam nenhuma atitude para ajudar no momento de uma agressão; e 88% das mulheres já relataram ter sofrido violência psicológica ao longo da vida. Ela finaliza essa lista de dados negativos com a informação de que o Brasil já teve, só neste ano, quase 1.500 feminicídios, o maior número desde o início da série em 2015.

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Impacto da pandemia

Luciane Pedro reconhece que, dentro de empresas, também acontecem casos de violência contra a mulher. E todas essas violências afetam direta ou indiretamente os resultados e a economia como um todo. A propósito, a companhia percebeu o impacto da violência doméstica em 2020, durante a pandemia. Teve informações de que o fato de todos ficarem mais em casa, em função do vírus da Covid-19, as brigas entre casais aumentaram. Então, a Engie lançou o programa Mulheres do Nosso Bairro, de incentivo ao empreendedorismo, e buscou parceria com o Instituto Maria da Penha para a prevenção da violência.

Nesta campanha dos “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra Meninas e Mulheres”, a Engie Global destacou que ela é protagonista nesse movimento em nível mundial. Fez um retrospecto desse movimento, que começou em 2020, citando que a Engie Mundo e a Engie França foram algumas das primeiras empresas a falar sobre esse problema. Em 2020, a companhia promoveu treinamento dos seus gestores, equipe de recursos humanos e outras, dando a eles informações e medidas para que pudessem iniciar ações de informação e proteção às mulheres da empresa que estavam sofrendo violência.

— Esse é um assunto muito novo ainda mundialmente. Antes, a lógica era que a questão da mulher, da violência contra a mulher, deveria ser tratada em casa. Mas isso mudou. Então, a Engie está tratando isso em nível de grupo, em todas as suas unidades no mundo — explica Carolina Costa, analista de Responsabilidade Social da Engie Brasil.

Na Engie global, entre as medidas adotadas para proteger as mulheres, a companhia incluiu os números de emergência para as vítimas nas faturas dos clientes, levando as informações para mais de 8 milhões de lares na França. Em 2023, a companhia foi além ao publicar um conjunto internacional de recomendações para mobilizar amplamente todos os trabalhadores e trabalhadoras da companhia.

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Recentemente, a Engie Mundo aderiu à iniciativa AXA Safe Spaces, uma parceria estratégica que fortalece a capacidade coletiva de identificar, agir e direcionar pessoas que enfrentam violência doméstica ou sexual. Desde 25 de novembro, o treinamento foi disponibilizado para todos os colaboradores da companhia, independente de nível hierárquico.

Um ponto forte da Engie em todas as ações sobre violência contra a mulher é a comunicação. Informar que o problema existe, quais são os tipos de violência e como a mulher pode se proteger ou buscar ajuda.

Antonietas

Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.