Não houve espaço para outra interpretação quando braços direitos estendidos em direção à bandeira nacional viralizaram país afora. Devia ser a odiosa saudação nazista. Só podia ser. Afinal, era Santa Catarina o cenário da manifestação golpista, quarta-feira (2), em que pessoas em verde e amarelo saudaram o hino e a bandeira de maneira pouco usual para civis.
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A cena em São Miguel do Oeste causou espanto. Mas a tese de casais fazendo o gesto nazista diante de símbolos nacionais à luz do dia é surreal demais para ser verossímil. Por que, então, tornou-se hegemônica?
Porque Santa Catarina tem projetado a imagem de uma comunidade fechada, pouco afeita a diferenças e antidemocrática. O noticiário nacional, que sempre valorizou nossa cultura, riqueza natural, resiliência, prosperidade econômica e qualidade de vida, nos últimos tempos tem se ocupado de células nazistas, preconceito contra nordestinos, assédio eleitoral e apoio à virada de mesa nas eleições. É doloroso admitir, mas há uma grave crise de imagem a resolver.
O Estado vende ativos intangíveis como qualidade, confiança, segurança e bem viver. Marcas catarinenses servem-se dessa combinação de atributos altamente favoráveis e reconhecidos fora de nossas divisas para fazer bonito nos mercados nacional e internacional.
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Empresas instalam-se aqui interessadas nos índices educacionais, profissionais de outros estados e países vêm para cá atrás das praias e da qualidade de vida. Famílias inteiras mudam-se para municípios catarinenses em busca de tranquilidade e oportunidades profissionais. Aqui a vida pode ser melhor, acreditam.
Não se constrói uma reputação dessas da noite para o dia. Mas destruí-la pode ser um processo rápido.
Santa Catarina é também o lugar que admitiu em escolas do ensino básico, durante décadas, um professor negacionista do holocausto. Incapaz de puni-lo mesmo quando exibiu uma cruz suástica no fundo da piscina de casa. Onde alguém sente-se à vontade para fazer uma “piada” com a Klu Klux Klan numa faixa estendida em plena rua. Nenhum outro estado da federação tem tantos grupos organizados de propagação a crimes de ódio em proporção à população, atestam pesquisadores.
Aqui, um radialista interpelou um candidato a governador para protestar contra menções à pele negra da vice dele. Cidadãos irritados com o resultado da eleição presidencial não viram óbice em propagar ofensas aos nordestinos em redes sociais. Um hotel recusou-se a hospedar uma cantora trans.
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Empresas catarinenses com atuação nacional, algumas que exibem selos de Melhores Lugares para se Trabalhar e de boas práticas em Environmental, Social and Governance (ESG), foram denunciadas pelo Ministério Público do Trabalho por assediarem funcionários a votarem nos candidatos dos donos. Nenhum outro Estado teve tantas denúncias de assédio eleitoral em 2022.
Intervenção militar
Nesta semana, centenas de pessoas interromperam rodovias para clamar pela intervenção de forças militares contra o resultado de uma eleição reconhecidamente limpa. É o que fazia o grupo de São Miguel do Oeste. Quem estiver disposto a defender nossos conterrâneos da acusação de nazismo precisará dizer: “Calma, são apenas catarinenses exigindo um golpe de Estado”.
Outra vez, em nenhuma outra parte do país a proposta de lançar o braço forte do Exército contra compatriotas que reuniram mais votos nas urnas encontrou tamanho apoio popular. Santa Catarina virou epicentro de um golpismo desastrado.
Goste-se ou não, a indústria do turismo exige respeito à diversidade e obediência à lei. Discursos xenófobos atrapalham a atração de mão de obra, de empresas e a construção de marcas sólidas para competir além de nossas divisas.
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Não há prosperidade e felicidade sem valores mínimos de convivência. Ainda há tempo de resgatar a essência catarinense.
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