O funcionário de uma empresa que se negar, sem razão aparente, a tomar a vacina contra a Covid-19 pode ser demitido por justa causa? Diante de uma parcela da população que ainda insiste em negar a ciência, a dúvida passou a circular tão logo a imunização começou a se tornar uma realidade no Brasil neste domingo (17). A punição seria extrema e, neste momento, pouco provável na avaliação de especialistas ouvidos pela coluna, mas poderia encontrar amparo em situações específicas. Como muitas questões trabalhistas, o tema é complexo e polêmico e ainda não há consenso a respeito, abrindo margem para interpretações diferentes na Justiça do Trabalho.
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Há correntes do Direito com entendimentos distintos. Um lado sustenta que a Constituição Federal é clara quando diz que é papel do empregador zelar pela saúde do empregado – e outros funcionários estariam em risco caso um colega recuse se imunizar. Os adeptos desta tese também se amparam em uma decisão de dezembro do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que entendeu que União, Estados e municípios podem criar mecanismos legais para prever que as pessoas se submetam à vacinação contra a Covid-19, mas não à força.
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Na prática, o STF decidiu que a obrigatoriedade da vacina é constitucional, partindo do princípio de que a saúde coletiva se sobrepõe ao direito individual, mas desde que haja previsão legal para isso. Só que essa previsão (uma lei, por exemplo) ainda não existe. E é aí que entra a segunda corrente, que alega que não há embasamento para aplicar a demissão por justa causa nestes casos.
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Advogado especializado em Direito do Trabalho, Rafael Amaral Borba sugere que as empresas devem agir com bastante cautela em relação ao tema, analisar caso a caso individualmente e aguardar a publicação de normas específicas. Sem previsão legal clara, uma demissão por justa causa poderia ser facilmente revertida na Justiça do Trabalho, impondo ônus financeiro ao empregador. Quem ainda assim optar por esse caminho, colocando a segurança sanitária do ambiente de trabalho em primeiro lugar, não deve descartar assumir eventuais passivos.
Conselheiro estadual da OAB-SC e coordenador da pós-graduação em Direito do Trabalho da Unifebe, em Brusque, o advogado Rafael Maia enxerga a possibilidade de a empresa ser processada por um funcionário que contraiu a Covid-19 de um colega que não se vacinou e eventualmente transmitiu o vírus. Na opinião dele, isso poderia ser classificado como acidente de trabalho, resultando até mesmo no pagamento de uma indenização à vítima ou a familiares.
— Olhando pelo lado econômico, eu entendo que sim, para evitar que a empresa se coloque em um risco financeiro altíssimo, ela pode fazer essa demissão, porque ela não é obrigada a se sujeitar ao risco por uma negativa injustificada. Embora você tenha a liberdade individual, ela não é irrestrita e o empregador não é obrigado a se sujeitar a ela — avalia.
Maia acrescenta ainda o risco de a infecção atingir um grupo maior de trabalhadores em uma linha de fábrica, por exemplo, afetando a produtividade do negócio e provocando a necessidade de contratação de trabalhadores temporários, gerando mais custos à empresa.
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Presidente da Associação Catarinense dos Advogados Trabalhistas (Acat), Fabrício Mendes dos Santos admite que a questão é complexa, mas avalia que, por ora, não há embasamento legal que justifique a demissão por justa causa. Ele defende que, antes de tomar qualquer medida mais drástica, as empresas façam campanhas orientativas, esclarecendo os colaboradores sobre a importância da adesão à proteção.
— Se o governo entender que é uma questão de saúde pública e tornar obrigatória a vacina, aí passa a ser uma questão de justa causa. Nesse momento eu entendo que não, é passível no máximo de uma advertência.
Mais do que doses de vacina, informação também é fundamental a partir de agora.
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