O plano de gestão compartilhada da crise com os municípios, como o governo de Santa Catarina chama a regionalização das medidas de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus que passa a valer a partir da próxima semana, ainda deixa muitas dúvidas no ar. Prefeitos e autoridades municipais de saúde continuarão a se debruçar ao longo dos próximos dias sobre os dados da matriz de risco lançada pelo Estado, mas, numa análise prévia, a ventilada autonomia para a tomada de decisões, algo tão cobrado por eles, já é contestada.

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Há questionamentos, por exemplo, sobre os critérios estabelecidos para balizar as ações. Na apresentação desta segunda-feira (1º), o governo destacou quais são eles: número de mortes, taxa de ocupação de leitos de UTI, taxa de transmissão da doença e casos confirmados de Covid-19. O último deles gera mais discórdia porque existem realidades distintas sobre a capacidade de testagem dos municípios.

— Estamos testando toda síndrome gripal, e tem municípios que não estão — argumenta o prefeito de Blumenau, Mario Hildebrandt.

Em Blumenau o protocolo de testagem mudou a partir do dia 20 de abril. Se antes apenas casos suspeitos mais graves de Covid-19 eram examinados, a partir desta data todos os pacientes com sintomas de gripe, após orientação médica, passaram a ser testados. Já foram feitos mais de 4,4 mil testes no municípios. E outros 15 mil, comprados em pregão pela prefeitura, chegam à cidade nos próximos dias.

Uma testagem mais ampla diminui a subnotificação, e um dos receios é de que uma medida inicialmente positiva, que invariavelmente resultará em um número maior de casos – nas contas da prefeitura de Blumenau, eram 799 confirmados até esta segunda –, possa ter efeito contrário na avaliação do grau de risco. Isso já passa a ser um obstáculo para a eficiência da proposta.

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Em uma primeira análise da ferramenta, a região do Médio Vale estaria em situação grave. Na apresentação dessa matriz feita pelo Estado à Federação Catarinense dos Municípios (Fecam), ainda no dia 22 de maio, essa seria uma condição que, além de impedir o retorno do transporte coletivo, também resultaria no fechamento de serviços que já foram autorizados a retomarem as atividades, como bares, restaurantes e shoppings.

Apesar de reconhecer méritos na iniciativa, a médica infectologista Sabrina Sabino, que participa de um comitê que avalia a situação da Covid-19 em Blumenau, considera um equívoco criar o que ela chama de denominador comum para todo os municípios. Na prática, cidades que testam mais, como Blumenau, acabam sendo prejudicadas na avaliação se considerados apenas os números absolutos. Como a ferramenta ainda é nova, Sabrina acredita que ela ainda pode ser alterada:

— Todos os municípios estão conversando. Então acho que, em conjunto com a Federação (Fecam), a gente vai possivelmente conseguir modificar isso.

Em resposta ao governo de Santa Catarina após uma análise preliminar da matriz, a prefeitura de Blumenau alegou que via limitações na construção dos indicadores e pediu justamente a rediscussão de alguns parâmetros. Além de reforçar que há diferentes procedimentos de testagem entre os municípios, argumentou que a ferramenta do Estado considera o mesmo critério para casos recuperados, mas que isso poderia variar. Blumenau, por exemplo, considera recuperado quem deixa de apresentar os sintomas duas semanas depois da coleta do exame e da assistência ambulatorial ou hospitalar.

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A prefeitura também entende que, em vez de grau de letalidade (número de mortes dividido pelo número de casos confirmados), seria mais adequado trabalhar com taxa de mortalidade, o que permitiria um reflexo mais realista sobre o efeito das políticas de testagem e das medidas de contenção e resposta à Covid-19 em cada cidade.

Ainda no documento enviado ao Estado, Blumenau diz que a reabertura de serviços como bares, shoppings, academias e restaurantes a partir do dia 22 de abril “não necessariamente resultou em um aumento expressivo de óbitos e de pacientes internados em estado grave nas UTIs”. E sugere a revisão dos pesos das quatro dimensões que norteiam a ferramenta (isolamento social, testagem, reorganização de fluxos assistenciais e ampliação de leitos) de “modo a refletir melhor a realidade de cada município e também para evitar eventual incentivo acidental à subnotificação”.

A Fecam se posicionou a respeito, dizendo que a gestão regionalizada de ações deve ser amplamente discutida com prefeitos e gestores da saúde em todas as regiões catarinenses e que “o compartilhamento de decisões e medidas requer diálogo, testagem e calibração de ferramentas de dados para a gestão de riscos”. Como se pode ver, a discussão sobre o assunto está apenas começando e ainda terá muitos capítulos nos próximos dias.

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