O Juiz da Vara de Execuções Penais em Joinville, João Marcos Buch, encaminhou uma carta aos 2.000 presos do complexo prisional da cidade. O magistrado, reconhecido pelo trabalho em defesa dos direitos humanos, todo o ano envia uma mensagem aos detentos.
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— Eu acredito que esse é um forte instrumento para que o preso sinta que estado, estado-juiz na espécie, existe para resgatar a dignidade e não para oprimir. Essa construção eu tenho feito ao longo de anos e vejo como um caminho de superação da violência — disse o magistrado à coluna.
Confira o que disse o magistrado aos detentos:
“MENSAGEM DE FINAL DE ANO PARA OS DETENTOS DA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL E DO PRESÍDIO REGIONAL DE JOINVILLE/SC
A cada final de ano fico a pensar sobre o que falar de relevante para vocês, que estão presos, longe de seus familiares, sonhando com um futuro melhor. É difícil dizer algo diante de um governo brasileiro que não tem feito a lição de casa. Vivemos em uma sociedade longe de ser justa, livre e solidária e o sistema prisional acaba sendo o centro das mazelas, causando muita dor.
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E mesmo não sabendo bem o que dizer, eu lhes devo umas palavras. Vocês sempre me receberam nos pavilhões, pátios, galerias e celas e sempre estiveram dispostos a dialogar comigo com respeito. Uma mensagem de final de ano é o mínimo, portanto, a fazer. Poderia eu lhes falar sobre a situação prisional, mas, vocês já têm essa vivência e sabem melhor do que eu da realidade da prisão e suas dificuldades. Desta vez, assim, direi um pouco do meu olhar, o olhar de um juiz que, antes de tudo, é um ser humano.
Quando assumi a execução penal, no ano de 2012, eu vinha de uma carreira como juiz criminal, julgando, condenando e absolvendo. Aquela função não me satisfazia mais, porque eu percebia que os processos se destinavam apenas a pessoas economicamente vunerabilizadas, em um país racista, com um abismo social extremo. Então, a minha vinda para a execução penal foi com a intenção de trabalhar para reduzir os danos que a prisão causa em um ser humano.
A questão é que eu não tenho conseguido fazer isso da forma como queria. As políticas públicas, no lugar da educação, saúde, habitação, emprego, proteção da primeira infância, dão prioridade ao uso da força e por consequência da violência, com tudo de nefasto que isso produz na sociedade. Essa frustração, de não poder fazer mais, traz-me angústia e sofrimento, mas tenho consciência de que, comparando-me a quem está preso, meu fardo torna-se pequeno e insignificante.
Para mim, este ano de 2021 ficará marcado pelos chinelos que me foram oferecidos quando adentrei em uma cela descalço e pelo conselho para eu não encostar em colchões sujos, mas que eram usados no cárcere. Todos que trabalham no sistema de justiça deveriam ter experiências assim.
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De minha parte, espero que elas me ensinem como ser um juiz melhor. Enfim, neste momento, a mensagem que eu lhes transmito é de votos de um feliz Natal e um bom ano novo, renovando-lhes meu compromisso de continuar, com todas minhas forças, na luta pela garantia dos direitos humanos dos encarcerados. Meu fraterno abraço.
Joinville, 17 de dezembro de 2021.
João Marcos Buch
Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville”
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