O assassinato brutal de quatro crianças na creche Cantinho Bom Pastor, em Blumenau, completa um mês nesta sexta-feira (5). Passada uma folha no calendário, a dor ainda é latente, mas aos poucos as famílias, os professores e as crianças tentam retomar a vida após aquela manhã trágica de abril.
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De lá para cá, educadores pediram demissão da escolinha, profissionais se afastaram para tratamento psicológico, crianças deixaram a unidade. Mas na outra ponta, uma corrente de solidariedade se formou em apoio aos pais das vítimas e às profissionais que fizeram o máximo para proteger os pequenos de um assassino.
— Nós estamos recebendo ajuda na prática e não só no discurso — conta com lágrimas nos olhos Alconides Ferreira, professora aposentada e dona da creche.
Quem chega ao Cantinho Bom Pastor hoje percebe que os muros aumentaram, ganharam nova pintura, um segurança passou a cuidar do acesso e câmeras monitoram o que acontece dentro e fora do pátio. Tudo fruto de doações e trabalho voluntário para aumentar a sensação de segurança.
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No parquinho, os pequenos se divertem com uma atividade de pintura com algumas professoras novas. Alconides diz que depois do ataque, quatro pediram demissão e novas contratações precisaram ser feitas. Uma profissional ainda está afastada, saiu da cidade para tentar se recuperar.
Quem está ali, no dia a dia com os pequenos, ainda recebe apoio psicológico.
— Para você atender a criança, precisa estar bem. Você só vai dar aquilo que tem. Se tem segurança, é isso que vai passar. Se você tem amor, carinho, fortalecimento, é isso que você vai passar. É o mínimo que as nossas crianças merecem — analisa a diretora.
Depois da chacina, cerca de 20 crianças não voltaram mais para a unidade. Alconides relata que muitas ficaram traumatizadas e não reagem bem ao passar em frente à creche. Por outro lado, seis novas matrículas foram registradas nesse período.
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Stephanie dos Santos Sestrem diz que cogitou mudar a filha de unidade. Naquela manhã da chacina, ela estava no trabalho quando percebeu que uma amiga começou a ligar várias vezes. Depois, uma colega entrou na sala onde estava e contou que uma pessoa tinha invadido a escola onde a filha dela estudava. O sentimento foi de pânico, mas com ajuda psicológica fez outra leitura do momento.
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— Agora o coração está mais tranquilo. Ver toda essa mobilização, a comunidade ajudando a transformar a escola. Isso transborda amor e vida. Então agora a gente tem um pouquinho de medo, é claro, mas é gratificante estar aqui, porque é como uma família. O Cantinho Bom Pastor é a extensão da nossa casa — frisa a mãe.

Ressignificado e missão
Na semana em que o assassinato de Bernardo Cunha Machado, Larissa Maia Toldo, Enzo Marchesin Barbosa e Bernardo Pabst da Cunha completou um mês, uma ambulância foi chamada à creche para uma surpresa. As crianças puderam entrar na viatura, conhecer os equipamentos e até passear com a equipe de emergência. Foi a forma que Alconides encontrou para criar uma imagem positiva na cabeça das crianças após o vaivém frenético de equipes de socorro no dia do ataque.
— Para mim era o fim do Cantinho, o fim da Alconides, era o fim de tudo, porque a dor era muito grande. Só que antes que eu processasse o que estava imaginando no início, as coisas reverteram de forma que não me achei no direito de abandonar tudo, por todo acolhimento que a gente teve — garante a diretora.
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Ressignificação, diz a psicóloga Catarina Gewehr, é fundamental. Ela explica não se tratar de diminuir a dor que os acontecimentos trouxeram, mas tem a ver com a preservação de todos os afetos em torno dessa memória.
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— Não é negar o luto, mas sim dizer: OK, isso aconteceu, isso me dói profundamente, mas eu estou viva, eu sigo vivendo e nesse processo de viver eu vou buscar viver com mais qualidade — aponta a especialista.
“Não terceirizar o amor”
Jennifer Pabst transformou o luto em uma causa. Mãe de uma das quatro vítimas, ela ainda não conseguiu voltar a dormir em casa depois do assassinato do filho. Conta ser difícil ficar no apartamento onde soube da gravidez no primeiro mês após se mudarem.
Nas palavras dela, “a casa respira o Bernardo”.
O engajamento na cobrança por penas mais severas a crimes hediondos como o ataque à creche se tornou a forma de enfrentar a perda do menino. Jennifer também esteve em Brasília em audiência com o ministro da Justiça Flávio Dino, que se comprometeu na busca por medidas para que a tragédia não se repita.
Mas a perda prematura e trágica de Bernardo deixou outras lições:
— A gente tem na cabeça que diante do ciclo da vida os pais vão antes dos filhos. Então essa tragédia mostrou a importância de curtir cada momento com o filho da gente, de ser pai, não terceirizar o amor, participar da vida filho. Olhar para a criança de forma mais amorosa, de dizer eu te amo — desabafa.
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O impacto na rede pública
Passado um mês do ataque, a prefeitura de Blumenau ainda precisa encontrar formas de levar de volta às salas de aula cerca de 4 mil estudantes que não que retornaram após o que aconteceu no Cantinho Bom Pastor. O número já foi maior, chegou 12,3 mil na primeira semana de retorno. A resposta do governo municipal para dar mais segurança às famílias foi contratar vigilantes armados. Atualmente são 128 escolas e creches com segurança.
A rede estadual também sentiu o impacto e o governador Jorginho Mello reagiu quase imediatamente. Com 80% de faltas no primeiro dia de aulas depois dos assassinatos, o Estado anunciou a contratação de policiais aposentados armados para os colégios em toda Santa Catarina. Apesar do anúncio rápido, a burocracia ainda não permitiu que esses profissionais estejam nas unidades de ensino.
O projeto já foi aprovado na Assembleia Legislativa, mas o governador ainda deve emitir um decreto normatizando as atividades. Ao mesmo tempo, as polícias Civil, Militar, Penal, Científica e o Corpo de Bombeiros estão fazendo levantamentos internos para saber quantos aposentados das corporações têm interesse em prestar o serviço nas escolas.
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Se tudo correr como o planejado, os colégios estaduais terão a presença de policiais armados a partir da segunda quinzena de junho.
Transferência
Na última quarta-feira (3), a Secretaria de Administração Prisional confirmou que o assassino da creche Cantinho Bom Pastor foi transferido de unidade. Ele estava na Penitenciária Industrial de Blumenau desde o dia do crime, mas um relatório do serviço de inteligência motivou a mudança para São Cristóvão do Sul, na região serrana de Santa Catarina.
Não foram divulgados detalhes sobre o teor do relatório, apenas de que a transferência ocorreu por “questão de segurança”. Vale lembrar que o assassino já não havia sido encaminhado ao Presídio Regional de Blumenau — para onde vão os detentos que aguardam julgamento — justamente por isso. Na época a alternativa encontrada pelo Departamento de Administração Prisional foi levá-lo para a penitenciária do município.
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