Os bracinhos agitados tocam os brinquedos e demonstram o interesse da bebê em ouvir a mãe cantar ou brincar com ela. Apesar de não conseguir sorrir ou mexer os olhos por conta de uma síndrome rara, a pequena de apenas três meses usa outras partes do corpo para mostrar a alegria de estar com a mãe Marlete Azevedo dos Santos.

Continua depois da publicidade

Já quando nasceu, a bebê precisou ir para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em uma maternidade de Joinville, pois teve dificuldade em respirar, resultado da Síndrome de Moebius, que causa uma paralisia facial. O caso da pequena catarinense é raro. Segundo o médico pediatra e neonatologista Paulo André Ribeiro, a incidência estimada é de um a dois nascimentos para cada 50 a 100 mil.

Marlete explica que sua filha nasceu com três características da síndrome, sendo a paralisia facial, pé torto e fissura de palato mole.

— A característica principal é a paralisia facial, essa síndrome afeta dois nervos periféricos do rosto. Ela não consegue olhar para as laterais, não faz careta, tem o choro rígido, não franze a testa ou faz biquinho. Ela não tem nenhum tipo de expressão facial. Ela nasceu com o pé torto congênito bilateral e também com a fissura de palato mole, que é lá no céu da boca. Com um aninho ela vai precisar fazer cirurgia — explica a mãe.

Sombra em foto durante evento religioso em Joinville comove fiéis: “Eu senti a presença”

Continua depois da publicidade

Como a suspeita do diagnóstico da família foi precoce, logo após o parto, a pequena já faz diversos tratamentos para melhorar a condição de vida. São quatro vezes por semana em que é levada ao fisioterapeuta por conta da hipotonia, uma redução do tônus muscular, que deixa os membros “molinhos”. Além disso, há as visitas à fonoaudióloga e aos médicos especialistas como o doutor Paulo e o geneticista Paulo Victor Zattar Ribeiro, que investiga a origem da síndrome da filha de Marlete.

No início, a mãe também conta que a pequena teve dificuldades para se alimentar, pois não conseguia sugar o leite na amamentação ou na mamadeira comum, necessitando de uma especial para crianças fissura de palato. Depois de encontrar a mamadeira ideal, Marlete conta que a filha vem se alimentando super bem e crescendo normalmente.

Agora, após descobrir a síndrome, a mãe criou uma conta no Instagram para divulgar o caso, alertar famílias e estimular o tratamento precoce.

— Quanto mais você trabalha no desenvolvimento, mais a criança evolui. O que você não pode é deixar a criança parada. Então qual é o prognóstico médico para ela, o que o médico vê para ela no futuro? É trabalhar o desenvolvimento. Ela vai ser independente, essa não é uma síndrome que deixa a pessoa totalmente dependente da família, então vai ter a independência dela, vai crescer, poder trabalhar, fazer de tudo — diz a mãe com confiança.

Continua depois da publicidade

Marlete, porém, ressalta que a única questão que pode ser “prejudicial” é a sociabilidade das outras pessoas com a pequena por conta da paralisia facial e a falta de expressões como o sorriso, o choro e a raiva. 

— Porque como ela não tem expressão facial. A questão social no futuro é que vai ser um pouco complicado, a questão do bullying, do preconceito por ela não poder sorrir, não fazer nenhum tipo de expressão. Esse é o problema maior dessa síndrome. Existem neurocirurgiões especializadas em cirurgias de nervos periféricos, só que isso é algo mais para o futuro. Quando ela tiver uns quatro aninhos, eu vou procurar, ver se eu acho um especialista que consiga fazer alguma cirurgia para ver se ela recupera algum movimento de expressão. Geralmente, o que eles conseguem recuperar é o sorriso. Mas em questão clínica, ela está super bem e vai ficar cada vez melhor — conta a mãe.

A mãe, entretanto, acredita que falar sobre o assunto vai desmistificar e fazer com que as pessoas conheçam a síndrome, aprendendo a lidar com ela. Por conta do futuro, criar uma conscientização e, também, estimular o diagnóstico precoce.

Marlete conta que já viu muitas famílias que deixam de investir no desenvolvimento dos filhos com a síndrome por falta de informação.

Continua depois da publicidade

— Mas a criança se desenvolve muito bem, eles não tem limites. É a dedicação dos pais em levar em bons profissionais, que trabalhem junto contigo para desenvolver essa criança. Compartilhar o caso dela é para transmitir às pessoas que trabalhem em cima do desenvolvimento do filho e não desanime, porque a criança que tem essa síndrome assim a tendência é só é progredir não regredir — explica a mãe.

Por fim, Marlete também quer incentivar outras famílias, dividir os anseios, as conquistas e mostrar que há uma saída, apesar de, no início, a síndrome assustar.

— A mensagem que eu deixo para todas as famílias atípicas, não só têm a Síndrome de Moebius, mas que não gastem as suas energias reclamando ou tentando entender o porquê. Gastem as suas energias fortalecendo os seus passos, porque uma mãe atípica, ela precisa ter força para passar força para o filho. E a criança, ela precisa da mãe, mais do que nunca, porque a mãe é a chave principal para o desenvolvimento dessa criança. A presença da mãe na vida de uma criança atípica é fundamental. Não desanimem, não reclamem, não fiquem tentando entender o porquê, sabe, ergam a cabeça. Porque cada passo que a gente dá é muito importante para a vida dos nossos filhos — enfatiza.

Marlete ainda destaca que, apesar da filha não sorrir ou não fazer outras expressões, ela transmite seus sentimentos por meio de outras ações. A mãe sabe quando a bebê está se divertindo, está triste ou quer algo justamente por conta dessa atenção e acompanhamento que Marlete emprega com a filha.

Continua depois da publicidade

O que dizem os especialistas

O médico Paulo André Ribeiro, que é pediatra e neonatologista, a Síndrome de Moebius causa uma paralisia facial congênita, ou seja, uma incapacidade de movimentar os músculos da face. Como resultado, o bebê tem falta de expressão facial, com dificuldade para sorrir e franzir a testa, por exemplo. Também pode haver dificuldade para sugar, mastigar e engolir. 

— Esses bebezinhos podem ter falha ou mau desenvolvimento motor oral, que dificulta a fala. Pode haver também fraqueza de membros superiores e inferiores, além do pé torto congênito [como a neném de Joinville]. Essa síndrome pode levar ao estrabismo, aos olhos secos e pode haver déficit cognitivo leve. Mas, a inteligência, o QI, das crianças é preservado — destaca o especialista.

Apesar de não haver cura, há tratamento para a síndrome. Ele deve ser feito de forma personalizada para cada paciente, com atuação multidisciplinar e estimulação precoce. São necessárias consultas com fonoaudiólogos para melhorar a alimentação e a fala, fisioterapia e terapia ocupacional para melhorar o desenvolvimento motor e a coordenação, oftalmologia para acompanhar as alterações oculares e os olhos secos e, eventualmente, a cirurgia plástica para correção da fissura palatina, assim como o apoio psicoterápico para a criança até a adolescência, como também para a família, aponta Ribeiro. 

O médico destaca que todo o tratamento precoce previne os atrasos de desenvolvimento motor, de coordenação e de fala, melhora a capacidade alimentar da criança, de deglutir e sugar, reduz as complicações ortopédicas e visuais e  melhora a integração social e escolar da criança, ajudando o desenvolvimento emocional e autoestima.

Continua depois da publicidade

Por isso, o médico acredita que falar sobre a síndrome pode ajudar outras famílias como a de Marlete. Além de estimular o desenvolvimento, abordar o assunto pode desmistificar estereótipos.

—  [A importância da conscientização] é para reduzir o preconceito e melhorar a empatia para que as pessoas conheçam a doença. Estimula o diagnóstico precoce, que é fundamental para o bom desenvolvimento do paciente. Garante políticas públicas de apoio aos familiares e as crianças e apoia pesquisas científicas, já que é uma doença bastante rara. E isso ajuda também a dar voz às famílias e aos grupos desses pacientes — enfatiza Ribeiro.

Inclusive, a Síndrome de Moebius é uma das mais raras do mundo. O médico geneticista Paulo Victor Zattar Ribeiro, que também acompanha o caso da família de Joinville, conta que a estimativa é que a síndrome afete entre 1 a 20 pacientes por milhão de recém-nascidos. Também comenta sobre um estudo italiano que avaliou casos e encontrou 0,27 paciente a cada 100 mil pessoas, ou seja, cerca de 1 a cada 370 mil.

Qual a causa e como prevenir a síndrome rara

A causa da síndrome de Moebius é multifatorial, explica o geneticista. Na maioria dos casos, há uma combinação de fatores ambientais, como a alterações no fluxo de sangue para o tronco cerebral durante a gestação

Continua depois da publicidade

— Por exemplo, exposição a medicamentos como misoprostol, cocaína, ergotamina) podem interromper o desenvolvimento dos nervos faciais. Durante a 5ª e 6ª semana de gestação ocorre uma redução do fluxo sanguíneo na região do tronco cerebral. Isso impede o desenvolvimento pleno dos núcleos dos nervos VI e VII. Em alguns casos, alterações genéticas afetam diretamente esses mesmos núcleos ou nervos. — cita o médico.

Há também os fatores genéticos, que possui variantes raras, por exemplo nos genes REV3L, PLXND1, HOXA1, HOXB1, TUBB3, que em alguns casos monogênicos causam a síndrome . Isso significa que algumas famílias apresentam forma hereditária, embora isso seja raro, aponta Zattar.

Não há exatamente como prevenir a síndrome, mas como alguns casos são hereditários, a avaliação genética familiar ajuda a estabelecer o risco de recorrência em futuras gestações.  Em formas autossômicas dominantes hereditárias, é possível fazer PGT-M (diagnóstico genético pré-implantacional) para reduzir o risco em futuras gestações. 

Nos casos esporádicos, relacionados a fatores ambientais (como misoprostol), a prevenção se baseia em evitar essas exposições durante a gravidez. Porém, não há prevenção universal, pois muitos casos surgem aleatoriamente, conforme o especialista.

Continua depois da publicidade

Em casos de diagnósticos fechados, o Zattar explica que o acompanhamento genético ainda pode orientar o tratamento personalizado e prevenção de complicações. Isso porque testar os genes relacionados ajuda a identificar se a origem é genética ou ambiental, apoiando decisões em reprodução, diagnóstico precoce e terapia. A família da bebê está fazendo esta busca, por exemplo.

Assim como Ribeiro, Zattar também cita que falar sobre casos de Síndrome Moebius ajudam a desmistificar a doença e reduzir preconceitos.

— Pessoas com Moebius não demonstram expressões faciais, mas isso não significa que sejam frias, distantes ou sem emoções. A falta de expressividade pode ser interpretada erroneamente pela sociedade, levando ao isolamento e dificuldades no convívio social. A conscientização ajuda a reduzir estigmas e preconceitos, promover inclusão em escolas e sentimentos de pertencimento, incentiva o diagnóstico precoce e acesso a tratamentos, além de apoiar famílias na compreensão da condição e preparo emocional — destaca.

Leia também

Com sono, gambá invade creche e dorme em lugar inusitado em Jaraguá do Sul

Empresário de Joinville recebe convite e garante presença no leilão do Neymar

Pedido de casamento inusitado viraliza após noivo usar caminhão em SC; veja vídeo