Os bloqueios em rodovias empenhados por bolsonaristas insatisfeitos com a vitória de Lula (PT) nas eleições despertaram questionamentos sobre a atuação das forças de segurança. As ponderações tratam de falha na preparação para as ocorrências à suspeita de uso político da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em prol da candidatura do presidente Jair Bolsonaro ao menos desde o último domingo (30).

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Em Santa Catarina, Estado com o maior número de bloqueios no país ao longo da terça-feira (1º), a PRF comunicou, na segunda-feira (31), que tentava a liberação das vias com negociações pacíficas e que, para adotar eventuais medidas mais duras e ter apoio de outras forças de segurança, havia pedido à Advocacia-Geral da União (AGU) que buscasse um mandado judicial.

Ainda antes de ir à Justiça, no entanto, a AGU comunicou, ao Diário Catarinense, já haver precedente jurídico que autoriza a atuação de ofício das polícias em ocasiões assim, citando como exemplo a greve dos caminhoneiros de 2018. No mesmo dia, um agente da PRF foi filmado em um bloqueio em Palhoça, no Km 215 da BR-101, ao comunicar aos manifestantes ter ordem para apenas acompanhá-los no ato.

Falha no preparo

Ex-secretário de Segurança Pública catarinense, o advogado Alceu de Oliveira Pinto Junior diz concordar com a estratégia de se adotar uma negociação e, apenas em caso de negativa, fazer uso gradual da força. Ainda assim, ele pondera que uma preparação anterior poderia ter evitado que a situação se agravasse a tal ponto.

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— A ocorrência era prevista, inclusive houve notícias de convocação. Bem antes da eleição, já se previa a possibilidade de alguma reação das partes, indepedentemente de quem ganhasse, em decorrência do resultado — afirma o também diretor da Escola de Ciências Jurídicas e Sociais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).

— Essa previsibilidade, ou seja, esse exercício da inteligência da PRF, que, diga-se, é uma das melhores do Brasil, ela necessariamente redundaria em uma preparação maior para esse tipo de bloqueio. Não é que já se devesse ter a tropa de choque de prontidão para desbloquear, mas que pudessem ser acionadas mais rapidamente as forças, para evitar que os bloqueios atingissem a forma a que chegaram — explica.

Também na segunda, em uma coletiva de imprensa do gabinete de crise montado pelo governo estadual para lidar com os bloqueios, o comandante-geral da Polícia Militar de Santa Catarina, coronel Marcelo Pontes, disse que setores de inteligência do Estado não haviam detectado com antecedência o movimento dos bloqueios. Pinto Junior contesta, no entanto, que situações assim são já comuns para quem atua com segurança.

— Em toda eleição há possibilidade de ocorrências assim, com manifestações, com bloqueio de vias até para comemorações. Há sim previsibilidade para que se tenha um evento desse. Não só em eleições, mas em Copa do Mundo, Carnaval — diz.

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Ele ainda acrescenta que situações assim não se resumem apenas à previsibilidade e que, quanto aos casos filmados em que agentes parecessem endossar os bloqueios, é necessária uma avaliação particular para apontar prevaricação por razões políticas.

Uso político da PRF

Também especialista em segurança pública, o pesquisador Bruno Langeani reforça que a ameaça de bloqueio já circulava entre serviços de inteligência, mas é mais assertivo ao levantar a suspeita de cooptação da PRF, um órgão de Estado, e não de governo, para uso político-partidário.

Ele diz que três eventos desde o último fim de semana reforçam isso: o diretor-geral da corporação, Silvinei Vasques, ter pedido voto em Bolsonaro nas redes sociais; a PRF ter adotado uma operação que interceptou veículos com eleitores, em especial ônibus no Nordeste, onde já era esperada votação mais expressiva a Lula; e a postura da polícia considerada por ele negligente diante dos bloqueios, que puderam ganhar força.

— É importante que a gente diga que não se tratam de protestos políticos. Não há guarida na Constituição Federal para pedidos de golpe de Estado, para pedidos de desrespeito do resultado das urnas já homologados pelo TSE. Então os indícios nos parecem muito fortes de uso político da PRF por essa liderança — diz Langeani, que é também gerente do Instituto Sou da Paz, em menção a Vasques.

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— Existem bloqueios de estrada todos os dias no Brasil e por diversos motivos, às vezes uma manifestação porque acabou a água em determinado bairro, ou por ter tido a morte de alguém pela polícia. Essas manifestações são rotineiras, e a polícia tem protocolos para fazer essa desobstrução se necessário e sem uso desse mandado judicial. Então fica muito claro que a polícia parece ter dois pesos e duas medidas a depender do interesse político do momento — afirma o pesquisador.

Ele acrescenta ainda que o silêncio de Bolsonaro desde a derrota nas urnas reforça a iniciativa dos bolsonaristas, que, segundo a própria PRF, pedem por novas eleições, o que é inconstitucional. O presidente só se pronunciou na tarde desta terça, quando afirmou que manifestações pacíficas são bem-vindas, mas que não podem cercear o direito de ir e vir — ainda assim, apoiadores entenderam como um recado para que sejam mantidos os bloqueios.

O que diz a PRF

A reportagem questionou a superintendência catarinense da PRF, entre outras coisas, se existe orientação para que policiais apenas acompanhem os bloqueios.

Em resposta, o órgão afirmou que todos os agentes estão orientados a negociar localmente com os manifestantes pela liberação do tráfego. Acrescentou ainda que isso deve ocorrer de maneira pacífica, sem uso da força.

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O Diário Catarinense também buscou contato com a coordenação da PRF em Brasília para tratar das suspeitas levantadas de uso político da tropa. 

A corporação afirmou que questionamentos seriam respondidos em coletiva de imprensa nesta terça (1º), na qual estiveram presentes diretores da corporação, mas não o diretor-geral, Silvinei Vasques, que estaria em reunião no Ministério da Justiça.

Diretor-executivo da PRF, Marco Antônio Territo disse no evento com jornalistas que a demora para se desobstruir as rodovias se deve à complexidade dos bloqueios e que é priorizada uma interveção pacífica até aqui. Foi anunciado ainda que agentes flagrados endossando as interdições serão investigados pela Corregedoria da corporação.

— É uma operação muito complexa. Quem já participou em campo, como eu participei em 2018, sabe o quão difícil é isso — disse Territo.

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— Então a PRF tem que agir com bastante parcimônia junto com nossos parceiros da segurança pública. Primeiramente, temos um diálogo, uma negociação, e, com o passar do tempo, a gente tenta outras medidas, de interdito proibitório, medidas judiciais, até combinando com eventual uso da força de choque — emendou o diretor-executivo, que também minimizou os questionamentos sobre as fiscalizações no dia das eleições.

— A Operação Eleições visou a fluidez do trânsito, para que todos os cidadãos pudessem exercer seu direito constitucional. Apreendemos diversas pessoas praticando crimes eleitorais, foram quase R$ 5 milhões em espécie, então a PRF visou ter eleições limpas. Foram toneladas de drogas, armas, então a PRF exerceu a sua função, como fizemos também no primeiro turno e em outros eleições — disse.

Na coletiva, a PRF também anunciou ter feito 306 desobstruções até o início da tarde desta terça. Em Santa Catarina, 16 pontos de rodovias federais haviam sido liberados.

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