A trama golpista que ameaçou a democracia com planos de assassinatos de autoridades, minuta de ruptura com apoio de militares e um levante com destruição de prédios públicos em 8 de janeiro de 2023 chegou aos capítulos finais no julgamento concluído esta semana no Supremo Tribunal Federal (STF). O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os outros sete réus que compuseram o núcleo crucial do golpe foram condenados por cinco crimes ligados à tentativa de golpe, com penas acima de 20 anos de prisão para cinco dos oito réus (confira abaixo todas as penas e réus condenados).

Continua depois da publicidade

Condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, Bolsonaro tornou-se o primeiro ex-presidente condenado por tentativa de golpe. Ele precisará cumprir a pena em regime inicial fechado. O local em que isso irá ocorrer ainda será definido. Atualmente, o ex-presidente está em prisão domiciliar como medida cautelar em outro inquérito, que investiga tentativa de coação e obstrução da investigação sobre golpe. O cumprimento da pena deve começar quando não houver mais possibilidade de recursos. A defesa do ex-presidente ainda pode apresentar embargos de declaração para esclarecer pontos da sentença, mas após a análise desses pontos a tramitação do cargo chega ao fim e o presidente pode ser alvo de ordem de prisão para cumprir a pena.

Outra possibilidade pode ser uma tentativa da defesa de apresentar embargos infringentes, que permite pedir uma revisão do caso no plenário do STF. Embora a jurisprudência atual exija dois votos divergentes — e a maioria dos réus da trama golpista só obtiveram um, do ministro Luiz Fux —, especialistas apontam que essa poderia ser uma discussão aberta proposta pela defesa.

Bolsonaro ainda foi alvo de uma multa que pode ultrapassar os R$ 300 mil. Além disso, ele e os demais réus, junto com todos os demais réus dos atos de 8 de janeiro, serão responsáveis por uma indenização de R$ 30 milhões pelos prejuízos aos prédios públicos.

A condenação da maioria dos réus ocorreu por 4 votos a 1 na Primeira Turma do STF, com posições favoráveis dos ministros Alexandre de Moraes (relator do caso), Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. O ministro Luiz Fux, que fez um voto divergente de mais de 13 horas de duração, foi o único a pedir a absolvição do ex-presidente e de outros cinco réus — ele concordou com a condenação apenas do ex-ajudante ordens Mauro Cid e do ex-ministro da Casa Civil e candidato a vice na chapa de Bolsonaro, Walter Braga Netto.

Continua depois da publicidade

Veja fotos do julgamento de Bolsonaro

Por ter firmado acordo de delação premiada que colaborou com o avanço da investigação e a obtenção de provas, o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, teve pena de apenas 2 anos, em regime aberto. Ele também recebeu benefícios como restituição de bens e valores apreendidos, a extensão dos benefícios ao pai, esposa e filha e garantia de segurança com apoio da Polícia Federal.

Já o ex-chefe da Abin Alexandre Ramagem foi condenado apenas por três dos cinco crimes acusados, sem ser responsabilizado por dano ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado. Isso se deve ao fato de que os atos de 8 de janeiro ocorreram após Ramagem ser diplomado deputado federal. Por conta disso, a investigação desses crimes foi suspensa pela Câmara, e ele foi responsabilizado apenas pelos fatos anteriores ao mandato. Em razão disso, teve a segunda menor pena entre os réus, com 16 anos, 1 mês e 15 dias de prisão, mais multa.

O advogado Ruy Espíndola, professor de Direito Constitucional e membro da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, considerou o inquérito e a denúncia bem construídos, com elementos sólidos sobre os fatos da trama golpista, e uma fase de instrução transparente, com todas as etapas inclusive televisionadas.

Continua depois da publicidade

— Foi um julgamento histórico, em que a Suprema Corte manteve sua independência, não curvando a espinha a governos estrangeiros, dando uma lição ao mundo e aos próprios Estados Unidos — avalia.

Bastidores do julgamento

A condenação dos réus surge como uma resposta institucional aos que tentaram passar por cima das regras do jogo democrático e ir além das profanadas quatro linhas da Constituição, perpetuando um grupo político no poder. O capítulo que definiu o desfecho da trama golpista foi marcado por cinco dias de julgamento na Primeira Turma do Supremo, nas últimas duas semanas.

Ao longo dos votos, os ministros deixaram claro a gravidade dos fatos investigados e o risco sofrido pelo país com a tentativa de golpe. O ex-presidente Bolsonaro foi apontado pelos quatro ministros como o líder da organização criminosa que tramou os eventos para impedir a transição de governo. A ministra Cármen Lúcia, que deu o voto decisivo

para condenar o ex-presidente, afirmou que ele não foi tragado para os fatos, como a defesa tentou sugerir, mas era o “causador e líder” da organização. Cristiano Zanin, último a votar, apontou Bolsonaro como “o maior beneficiado dos atos” (veja frases dos ministros abaixo).

Continua depois da publicidade

O julgamento ocorreu sem a presença de Bolsonaro, que preferiu não acompanhar o julgamento por questões de saúde, segundo a defesa. Após o resultado, a defesa de Bolsonaro afirmou considerar a pena “absurdamente excessiva e desproporcional”, negou que o ex-presidente tenha participado de qualquer plano e prometeu recorrer da decisão, “inclusive no âmbito internacional”.

Os efeitos políticos sobre o bolsonarismo

A condenação de Bolsonaro põe um ponto final no episódio da trama golpista, mas deve produzir novos capítulos no enredo político. Já em prisão domiciliar, o ex-presidente tem recebido uma romaria de aliados em sua casa em Brasília para discutir definições para as eleições de 2026. Entre os assuntos discutidos com o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, estão os nomes dos candidatos ao Senado por Santa Catarina no próximo ano. A candidatura do filho de Jair, Carlos Bolsonaro, em uma das duas vagas do partido no Estado catarinense seria um dos desejos do ex-presidente e que pode emplacar na chapa do PL.

O governador Jorginho Mello (PL) divulgou vídeo na sexta-feira (12) reforçando apoio a Bolsonaro e criticando a condenação. O chefe do Executivo se baseou no voto favorável do ministro Luiz Fux, citando um suposto “autogolpe” e o suposto cerceamento de defesa como inconsistências do julgamento.

— É urgente que o Congresso vote a anistia, que a direita se una — defendeu.

No campo nacional, a principal definição do bolsonarismo envolve a definição do sucessor do ex-presidente na disputa presidencial de 2026. Favorito ao posto, o governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos) mergulhou de cabeça na articulação em defesa da anistia de Bolsonaro, em busca da bênção do ex-presidente para a corrida presidencial, e deve voltar à linha de frente da agenda da anistia na próxima semana. Dos Estados Unidos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro continua a cobrar sanções norte-americanas em razão da condenação do pai e tenta se viabilizar como alternativa de nome ao bolsonarismo mais radical para herdar o espólio político do pai, agora inelegível até oito anos após o fim do cumprimento da pena pela trama golpista.

Continua depois da publicidade

A condenação de Bolsonaro também movimentou o campo político internacional nas relações com o Brasil. Horas após a decisão, o presidente norte-americano Donald Trump lamentou a condenação e, por meio do secretário de Estado Marco Rubio, indicou que pretende responder “de forma adequada” à “caça às bruxas” que, na avaliação dele, vem sendo feita ao ex-presidente e aliado Bolsonaro. O governo Lula

respondeu de imediato, com uma carta exaltando a resposta do Judiciário à tentativa de golpe e afirmando que ameaças “não intimadarão a nossa democracia”.

Leia também

Como anistia ganhou força em meio a julgamento de Bolsonaro e quais os impactos para 2026

Saiba qual a pena de Bolsonaro e de cada um dos outros sete réus condenados por trama golpista

Saiba quando Bolsonaro poderá disputar novas eleições após ser condenado pela trama golpista