Tempestades de neve e auroras boreais faziam parte da rotina de Yulia Mikolaevna Boyarchuk, de 43 anos. Há treze anos, porém, a russa deixou o frio congelante de -50ºC para viver no calor tropical do Brasil. Mais precisamente, em Joinville, Santa Catarina, onde virou ativista pelo clima.
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Yulia conta que nasceu em Dudínka, no extremo norte da Rússia, acima do Círculo Polar Ártico. O local é uma terra de permafrost, ou seja, solo permanentemente congelado, que guarda há milênios grandes quantidades de carbono e metano. Segundo a ativista, um dos pontos mais sensíveis da crise climática global.
A cidade é portuária e fica à beira do rio Yeniséi, cercada por vastas tundras onde quase nada cresce. Por muitos meses do ano, vive sob temperaturas que podem chegar a -50 °C. Para Yulia, diferente do inverno brasileiro, lá a estação não é apenas fria, mas é escura, silenciosa e profunda.
— A beleza da cidade é brutal, marcada por tempestades de neve, ventos cortantes, auroras boreais e também por cicatrizes profundas deixadas pelo Norilsk Gulag, um dos maiores campos de trabalho forçado da era Stalinista, onde milhares de pessoas, a maioria delas prisioneiras políticas, morreram em condições desumanas. Cresci em meio a essas memórias silenciadas, nesse território onde a dor e a resilência se entrelaçam, tanto nas histórias dos povos originários da Sibéria quanto nas vidas daqueles que, como meus pais, chegaram ali em busca de futuro e enfrentaram o peso da opressão — conta.
Como russa virou ativista pelo clima em SC
Aos 30 anos, Yulia resolveu deixar para traz a terra congelante onde nasceu. Em 2012, se mudou para o Brasil atrás do amor e o sonho de morar perto do mar.
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— Já tinha 10 anos de experiência como empresária na área de comunicação e publicidade, formada em Letras. Mas a mudança foi mais do que física: foi existencial. Me apaixonei pelo Brasil assim que pisei aqui. A exuberância das cores, os sabores, a força acolhedora do povo brasileiro me encantaram de um jeito que poucas palavras podem traduzir. Decidi fincar raízes aqui, e logo comecei a trabalhar em uma cooperativa de mulheres periféricas que costuravam bolsas ecológicas. Ali, mergulhei de vez na sustentabilidade e vivo disso até agora — explica.
Foi assim que Yulia começou a traçar seu caminho como ativista pelos direitos humanos, a natureza e a arte. Hoje, atua em movimentos sociais e organizações socioambientais em Joinville e também como comunicadora e gestora.
— Trago a escuta das ruas, das comunidades, da natureza e dos dados. Trago a sabedoria dos povos e a vontade de regenerar — diz.
Além da convivência na cooperativa, que impulsionou o ativismo na russa, o envolvimento com pautas climáticas têm relação com o lugar de onde Yulia veio.
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— Entendi, com o tempo, que o derretimento do permafrost onde nasci está conectado à seca nos rios da Amazônia por ser a consequência de um sistema global que prioriza o lucro a qualquer custo, em vez do cuidado. Pois a emergência climática potencializa a desigualdade e a violência estrutural — cita.
Além da atuação pelo clima, hoje a russa une o ativismo com a arte por meio de sua participação no Coletivo Baque Mulher, um grupo percussivo de maracatu de baque virado, vindo do Pernambuco, e que constrói uma trajetória de fortalecimento feminino na cidade.
— Quando o ativismo se une à arte, como acontece no Coletivo Baque Mulher, nos tornamos ainda mais fortes. Transformamos dor em tambor, silêncio em voz, trauma em cura. Juntas, construímos novos modos de existir, pensar e agir. Porque quando um sonho de um mundo melhor se alimenta de redes que conectam corações no planeta inteiro, somos capazes de regenerar nossas relações conosco, com o outro e com a Terra — diz.
É nesse contexto que Yulia, diretamente de Joinville, constrói um novo mundo para seus iguais e, também, para quem ainda vai crescer, como seus dois filhos.
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— Minha militância nasce dessa memória: do frio que me ensinou a sentir a terra viva, da dor que me fez buscar o cuidado e certeza de que a resposta está na união entre ancestralidade, ciência, arte e coragem. Vivemos um momento delicado, de múltiplas crises — climática, econômica, humanitária e política. E nesse contexto, o ativismo não é um luxo. É uma necessidade vital. É a fonte da nossa força — cita a russa.
Antonietas
Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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