A mãe da criança morta por suspeita de maus-tratos em Florianópolis disse ao padrasto que o menino tinha medo dele em mensagens trocadas no dia 5 de agosto, 12 dias antes do crime. O homem, de 23 anos, e a mulher, de 24, foram indiciados por homicídio qualificado pelo emprego de meio cruel e contra pessoa menor de 14 anos, no inquérito finalizado na quinta-feira (28). O inquérito foi obtido com exclusividade pela NSC TV.

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A investigação nos celulares da mãe e do padrasto localizou várias mensagens com referências a situações de violência envolvendo a criança ao longo dos meses. Na conversa do dia 5 de agosto, por exemplo, a mãe perguntou ao companheiro se havia alguma “picadinha” no rosto do filho.

Neste momento, o suspeito assume que machucou a criança: “Não, amor. Mas assim, amor, sei que tu vai ficar brava comigo. Eu fui brincar com ele, meio que mordi ele muito forte. Aí ficou uma marquinha. Eu vou passar um gelinho, juro que não foi por maldade!”.

Em seguida, a mulher responde: “tadinho, cara, eu hein! Por isso que o menino tem medo de tu. Fica fazendo isso cara, depois fala que não tem brincadeira de morder, caramba! Sério, sei… p*! Tá vendo. Eu não vejo a hora de chegar em casa”.

Em seguida, ela manda um áudio cuja transcrição diz o seguinte: “Por que tu não morde o [outra criança]? Não tem essas brincadeiras com ele né, mas com o [menino] tu tem. Eu to trabalhando. Tu vem com essas brincadeiras, eu ainda falei pra não ficar brincando com ele. Que m*! Por isso que eu não deixo o nenê contigo. Acho que tu não é normal não, tu não gira bem da cabeça não, né?”.

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Para a Polícia Civil, esse diálogo, além de confirmar que as marcas no corpo da criança eram causadas por ações diretas do padrasto, “evidencia não apenas episódios de possível negligência e práticas violentas contra a criança, como também a manifestação explícita da mãe acerca da preocupação com a conduta do padrasto, a quem atribui comportamento anormal e prejudicial ao filho”.

À NSC TV, o advogado da mãe informou que ela está “em luto pela perda irreparável de seu filho”, e em liberdade provisória com parecer favorável do Ministério Público. A defesa diz também que “o processo tramita em segredo de justiça, e que por isso não pode divulgar mais informações.” A defesa salientou que a conduta a ela imputada é de “omissão imprópria”, não de ação direta contra seu filho.

Em nota, a defesa do padrasto informou que ele “nega as acusações que pesam sobre si e defende que tinha uma boa relação com o menino, ponto confirmado por relatos do inquérito”. Os advogados também afirmam que não existe denúncia formal, e sim “provas inconclusivas e incompletas no presente momento, com a necessidade de diligências complementares, como a própria autoridade policial reconhece”.

Primeiras mensagens sobre machucados são de 1º de abril

A análise dos celulares encontrou trocas de mensagens mencionando “machucados” no menino desde 1º de abril. Nas primeiras vezes, o padrasto relatava que a criança havia batido o rosto sozinha ou havia aparecido “com manchas” nas costas e no rosto. Ele ficava com o menino enquanto a mãe trabalhava, conforme a polícia. Também há mensagens de que a criança rejeitava o padrasto.

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Em 22 de maio, o homem relatou à mãe da criança que o menino não queria brincar. “Acho que isso é momento dele, mas não sei por que é só comigo (…) Acho que ele sente falta do pai dele, aí fica bravo comigo, porque sabe eu não sou”, diz um trecho da mensagem.

No mesmo dia, o padrasto mandou um vídeo da criança deitada no chão, por volta das 13h. Ela pergunta se ele desmaiou, mas o homem diz que não. Pouco mais de 3 horas depois, o padrasto encaminha outra foto, na qual o menino aparece com a orelha roxa.

Nesse mesmo dia, a criança foi levada a uma unidade de pronto-atendimento, ocasião em que o prontuário apontou um “quadro clínico sugestivo de maus-tratos”. A criança precisou ser encaminhada ao Hospital Infantil Joana de Gusmão e a mãe foi instruída a registrar um Boletim de Ocorrência.

Padrasto demonstrou ansiedade com possível prisão

Durante a internação, a mãe relatou ao companheiro que os médicos suspeitavam de maus-tratos. “Eles estão investigando, porque não sabem o que tá acontecendo com o neném, então vão investigar tudo. Vão investigar também se bateram nele, vão chamar um perito. Eu quero que façam mesmo, porque pelo menos tira isso da cabeça dos médicos, que não foi isso e também, querendo ou não tira da nossa cabeça. A gente também tem dúvida”, disse a mulher, segundo transcrição do áudio.

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Já o padrasto se diz preocupado. “Tá achando que eu bati nele??”, questiona o homem. “Não, né, mas os médicos acham isso”, responde ela. “Você falou o que? Que ele tava só comigo? Aí é lógico que vão achar. Deveria ter falado que você estava junto”, pressionou ele.

A conversa segue e o padrasto demonstra ansiedade com a situação. Ele diz à mulher: “Eu sou algum psicopata? E se esses médicos falarem que foi batido nele? E aí? Daí vou preso? Sem ter feito nada? Daí pode ter certeza que vou tá morto”. A mulher diz que não acredita que o companheiro bateu no filho e que só quer entender o que aconteceu com ele.

Conforme a polícia, a conversa sugere que o padrasto “estava consciente de que qualquer lesão poderia ser atribuída a ele, demonstrando preocupação intensa em relação a responsabilização legal”. Já a mulher “atua tentando minimizar a percepção de culpa do companheiro”, conforme o inquérito.

Veja mensagens trocadas entre a mãe e o padrasto

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Casal foi indiciado por homicídio qualificado

O relatório policial, assinado pelo delegado Alex Bonfim Reis, da Delegacia de Homicídios da Capital, indiciou a mãe e o padrasto pelos crimes de homicídio qualificado pelo emprego de meio cruel e contra pessoa menor de 14 anos.

Além das mensagens, o inquérito incluiu um laudo necroscópico que aponta que o menino morreu por choque hemorrágico decorrente de traumatismo abdominal, causado por instrumento contundente. Para a polícia, os indícios comprovam que “a criança sofria maus tratos, sendo agredida pelo padrasto com pleno conhecimento da mãe”.

O inquérito foi finalizado e encaminhado para a 36ª Promotoria da Capital. Nesta sexta-feira (29), o Ministério Público (MP) confirmou o recebimento e disse que pediu diligências complementares à Polícia Civil.

Relembre o caso

O crime aconteceu por volta das 15h30min do dia 17 de agosto, quando o menino foi levado desacordado para o MultiHospital, no Sul da cidade, em parada cardiorrespiratória. Em relato à NSC TV, os vizinhos contaram que o menino passou mal e foi levado por uma moradora, que é enfermeira, e pelo padrasto à unidade.

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Ao dar entrada no hospital, os profissionais perceberam que ele tinha uma mordida na bochecha, várias manchas roxas no abdômen e marcas de agressões nas costas. Durante o transporte, a vizinha tentou fazer uma manobra de reanimação, mas o menino não resistiu e chegou já sem vida ao local.

Segundo a polícia, em depoimento, o padrasto informou que notou que a criança estava estranha durante o domingo. Quando o menino ficou desacordado, ele foi até a casa da vizinha pedir ajuda. Já a mãe da criança, de 24 anos, relatou que estava no trabalho.

No entanto, os profissionais teriam constatado a presença de lesões no corpo da vítima, o que levantou a suspeita de outras agressões. Ainda de acordo com a polícia, o padrasto também apresentou um comportamento considerado estranho durante o atendimento.

Por conta desses indícios, o casal foi preso em flagrante e encaminhado à delegacia. A mãe do menino foi solta na audiência de custódia, já que está grávida. O homem, no entanto, segue detido.

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A reportagem tentou contato com a defesa, mas não obteve retorno até a publicação.

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