Os estragos registrados após o mar “engolir” um trecho de cerca de 300 metros da Praia dos Ingleses, no Norte da Ilha, em Florianópolis, foram resultado de uma “tempestade perfeita”, segundo o professor de Ecologia e Oceanografia e pesquisador em mudanças climáticas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo Horta. Apesar disso, o fenômeno era considerado previsível pelo especialista e chegou a ser antecipado em um estudo de dois anos atrás que analisou obras de alargamento de praias em SC.
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A combinação que resultou nos danos desta terça-feira envolve carência de sedimentos causada pelo aumento da urbanização, ressaca influenciada pela maré alta e pela força dos ventos e fatores globais, como a elevação do nível do mar.
No total, cinco postes de iluminação e 12 casas e estabelecimentos foram atingidos. Moradores relataram nunca ter visto o mar com tamanha intensidade. A ressaca levou embora parte do trecho da praia que passou por obras de alargamento em 2023.
Apesar disso, o especialista afirma que o desfecho para a obra de alargamento era “previsível”. Uma nota técnica divulgada em outubro de 2023 pelo programa do qual o pesquisador faz parte, o Ecoando Sustentabilidade, avaliou os projetos licenciados de ampliação da faixa de areia e citou que nas obras já executadas o processo de erosão que vinha sendo registrado era mais intenso do que antes do aterro.
Veja fotos dos estragos na Praia dos Ingleses
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“O aspecto relacionado com a proteção das infraestruturas é legítimo, mas a solução apontada é ineficaz. A ação proposta tem duração de curto prazo e com custos na casa das dezenas de milhões de reais. Uma proteção parcial e temporária das infraestruturas deveria ser considerada apenas quando esta faz parte de um planejamento visando a soluções a médio ou longo prazo”, afirma um trecho da nota técnica do grupo de pesquisa.
No documento, os pesquisadores afirmam que os efeitos da erosão que atinge locais como a Praia dos Ingleses são intensificados por fenômenos regionais, como a carência de sedimentos, e globais, como o aumento dos eventos extremos e do nível do mar. “Como as previsões são de intensificação dos eventos extremos e aumento do nível do mar, qualquer medida paliativa, temporária e isolada não surtirá efeito para objetivo pretendido. A estratégia de mitigação e adaptação possível é a transferência progressiva das infraestruturas próximas às praias para áreas mais distantes e elevadas e uma restauração do sistema praial que vise potencializar as características que maximizam a proteção da costa”, afirmaram.
Tempestade perfeita, mas “previsível”
O professor Paulo Horta explica que o avanço da urbanização, com construções que ocupam áreas costeiras e envolvem mineração de areia, somada à construção de barragens e hidrelétricas, que também represam sedimentos que iriam para o mar e ajudariam a conter a erosão, formam o cenário que resulta em mais casos de estragos causados por ressacadas. Tudo isso em um momento de mudanças climáticas, com elevação do nível do mar e aumento de eventos extremos.
— O que observa em Ingleses é resultado dessa convergência, uma tempestade perfeita, em que ações foram equivocadas em um momento que demandaria o oposto, demandaria elevar a oferta de sedimentos para evitar processo de erosão — avalia.
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Na análise dele, o episódio pode motivar uma mudança de paradigma para o planejamento de soluções futuras.
— O que acontece é pedagógico na perspectiva de reconhecermos o que se fez de errado e, a partir daqui, adotarmos protocolos para o enfrentamento do momento que vivemos, em que o planeta aquece, o mar eleva e eventos como os que a gente está vivendo são mais frequentes, e às vezes mais intensos — afirma Horta.
Uma proposta defendida ainda no estudo de 2023 era a exigência de Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e audiência pública para obras deste porte em aterros em faixa de areia, que atualmente são dispensadas dessas exigências em razão de uma legislação ambiental.
Soluções já cogitadas como uma nova avenida na região, por exemplo, são criticadas por ele. O especialista defende que as soluções devem estar em outra direção, como a restauração de vegetações nas áreas de restinga e dunas, e até mesmo de sistemas marinhos de vegetação para reduzir a força das ondas.
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— Era previsível [o que ocorreu nos Ingleses], considerando tudo que a gente já tinha de informação em 2023. O que é pior é que o cenário de 2023 era “menos pior” que o cenário de hoje. Quando fizemos essa nota técnica, estávamos começando o ano que se mostrou mais quente da história até ali, mas 2024 foi mais quente ainda — compara.
O que diz a prefeitura
A Defesa Civil informou que o cenário no local dos estragos desta semana vinha sendo monitorado há cerca de três semanas. A Prefeitura de Florianópolis informou que técnicos estão avaliando os impactos e estudam novas medidas para conter a erosão costeira e garantir a segurança dos moradores. Uma vistoria técnica estava prevista para a tarde desta terça-feira.
A prefeitura argumenta que os estragos ocorreram em um ponto considerado crítico da praia, no Canto Sul. “Apesar disso, em virtude da infraestrutura trazida pelo alargamento, o avanço se deu em apenas 300 metros da orla, não afetando o restante da extensão que teve a faixa de areia ampliada, que totaliza 3,3 km”, afirmou a administração municipal, em nota.
Uma manutenção da faixa de areia que já estava prevista para esta semana e que aguardava melhoria das condições climáticas também deve ser executada. O município também pretende discutir com o Instituto do Meio Ambiente (IMA) medidas de longo prazo para ampliar a capacidade de proteção da costa naquela localidade. Uma das alternativas cogitadas pelo município é a construção da nova Avenida Beira-mar.
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