O desembargador João Marcos Buch, conhecido pelo trabalho em defesa de direitos humanos, foi alvo de ataques verbais e ameaças de um motorista de aplicativo nesta semana, no Centro de Florianópolis. A situação foi denunciada por ele em uma publicação nas redes sociais, espaço em que recebeu uma onda de comentários e manifestações de solidariedade. O magistrado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) denunciou o caso à polícia, que informou já ter identificado o autor da abordagem violenta e também de outra pessoa que teria incitado a violência contra ele na internet.

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O desembargador prometeu acionar a polícia também contra um sargento suspeito de incitar a violência em comentários na internet sobre as ofensas sofridas nesta semana. Buch, frise-se, é magistrado e, por conta disso, não tem filiação partidária.

Em entrevista ao NSC Total, Buch deu detalhes do episódio, afirmou que as ameaças tornam ainda mais necessário o trabalho de defesa dos direitos humanos e dos mais vulneráveis e criticou as manifestações de ódio que se proliferam sob a roupagem de “liberdade de expressão”. Confira a entrevista do desembargador:

Como foi a abordagem e a ameaça que o senhor sofreu nesta semana?

Essa situação está sendo melhor apurada no sentido de tentativa de responsabilização do responsável, mas, em síntese, eu estava me dirigindo ao meu local de almoço pela calçada, estava caminhando pelo centro da cidade e um veículo parou, reduziu a velocidade e o seu motorista passou a tecer, passou a gritar algumas coisas que eu não entendi na hora o que significava, mas, então, o carro parou e se dirigiu a mim no sentido de [dizer]: “Petista não entra no meu Uber, petista não entra no meu Uber”, mas de uma forma muito virulenta e muito intimidatória. Em determinado momento, eu acredito e eu tenho agora, revendo na minha memória, eu tenho quase que certeza que ele falou “bicha e petista não entram no meu Uber”. A minha assessoria, que estava comigo caminhando pela calçada, conseguiu fotografar o carro e, então, a partir dali eu encaminhei às autoridades competentes para fazer a busca, no sentido de instauração de inquérito policial sobre ameaça e homofobia e, também, uma reparação cível que, em geral, significa danos morais praticados. Então, esse foi o encaminhamento que eu fiz.

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Qual foi sua sua reação e seu sentimento na ocasião?

É muito surpreendente o fato de você caminhar por uma calçada no centro da cidade e ser abordado de forma tão virulenta. Isso realmente me incomodou, me incomodou bastante e eu imagino que isso deve estar se repetindo em vários lugares contra muitas pessoas, pelo simples fato de essas pessoas existirem e exercerem seus direitos de cidadania e, no que se refere à minha pessoa, fazer a defesa dos direitos humanos. Então, isso acaba atingindo, de uma forma ou de outra, outras pessoas que se sentem violadas, eu não imagino a partir do quê, e se sentem no direito de interromper e tentar eliminar o outro.

Então, a minha resposta a isso são os encaminhamentos legais e jurídicos no sentido de trazer uma resistência a esse “estado de natureza”, como se as pessoas pudessem fazer o que bem entendem e não assumissem suas responsabilidades. Então, trazer dentro da legalidade uma resistência a isso, e mostrar para pessoas que sofrem a mesma violência que existem aqueles que, em razão da sua condição, da sua realidade existencial naquele momento, podem se defender dessa violência.

O que acha que isso representa sobre o momento que vivemos? Dá a medida do grau de acirramento e violência que temos enfrentado?

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Eu, como eu coloquei e repeti, eu me senti coagido naquele momento, porque a atitude foi realmente bastante virulenta. Imaginei que a pessoa poderia estar armada, porque hoje nós vemos isso acontecendo diuturnamente, pessoas sacando suas armas em razão dessa proliferação de arma e armamento da população, então, a minha sensação foi de vítima mesmo de uma ameaça, uma ameaça concreta e que poderia avançar e evoluir para um ato mais grave ainda. Eu não digo que há uma polarização, não. Polarização nós já tivemos no passado, desde a reabertura democrática. Eu reputo isso a um extremismo, um extremismo de pessoas que não aceitam a existência de outras pessoas, na sua concepção, fora daquele molde, daqueles parâmetros a que elas estão acostumadas. Então, é um estado de natureza, um estado de natureza, um “salve-se quem puder”. Isso eu vejo no nosso país nos últimos 10 anos, acontecendo a partir dos anos 2016 em diante. Antes não existia, não era assim. Hoje, a gente realmente acaba vendo muita situação de extremismo e fanatismo, de pessoas que não aceitam discutir, não aceitam dialogar. E as desejam a eliminação do outro. E isso a gente vê muito nitidamente através até mesmo das redes sociais, onde o discurso de ódio se confunde, sob a roupagem de liberdade de expressão trazem condutas violentas e odiosas que causam mal a outra pessoa, a outras pessoas, a outros coletivos. É isso que eu procuro com a minha conduta e a minha reação agora a esse fato que eu sofri, resistir e combater. Dentro da legalidade e dentro da racionalidade e tentando estabelecer assim limites mínimos para que a gente possa conviver em sociedade.

Chama a atenção a ameaça ter ocorrido em uma semana que se falou muito sobre suposta “pacificação”?

Eu vejo com muita cautela essa expressão, o movimento de pacificação, porque nas comunidades vulnerabilizadas, as populações pobres, vulnerabilizadas e negras da periferia, periféricas, essas não têm esse direito à pacificação.

Essas pessoas vivem com muita violência, sofrendo de muita violência diariamente. Então, se nós falarmos em movimento de pacificação, nós deveríamos falar em movimento de habitação, empregabilidade, saneamento, cultura, lazer e especialmente educação para todas essas populações que possam ter as oportunidades que pessoas como eu, por exemplo, tiveram de um crescimento digno e saudável. Aí eu considero um movimento de pacificação.

Agora, pacificação a partir de atos violentos que tendem a abolir o Estado Democrático de Direito, atos que atentem contra a democracia, contra a república, no sentido de derrubar, que não sobre pedra sobre pedra, talvez aí esse caminho não seja o melhor, porque essas pessoas se sentirão livres, leves e soltas para repetir no futuro tudo aquilo que praticaram no passado. Então, eu vejo com muita cautela essa ideia de pacificação nesse sentido.

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O episódio despertou mensagens de apoio ao senhor nas redes, mas também outros ataques. Como viu essas manifestações, de ambos os lados?

Na realidade, eu não diria para um lado e para o outro. Existem pessoas que apoiam e que se solidarizam e podem existir pessoas que questionam, porque não têm conhecimento, às vezes não leem a matéria, ficam só na manchete, não compreendem, não sabem exatamente o que aconteceu e procuram saber, procuram discutir e emitir suas opiniões. Isso eu considero muito natural e salutar a partir do momento que se aceite o diálogo. Agora, existem pessoas que não se contentam em discordar e realmente partem para um novo discurso de ódio, novo discurso de violência, virulento e sobre isso, é claro que eu também não posso me calar.

Eu tenho que manter a racionalidade e com a razão, dentro da estrita legalidade, tentar de alguma forma combater isso. Então, eu continuo agindo com muita serenidade e com muita tranquilidade na defesa especialmente de um direito fundamental que eu diria que não pertence só a mim, mas a todo ser humano, a todo cidadão, o direito de existir, o direito de transitar e caminhar por uma calçada sem se sentir violado e ameaçado.

Isso não o inibe nem desencoraja no seu trabalho feito junto aos direitos humanos?

Absolutamente, aí demonstra a necessidade de aprofundamento desse trabalho de defesa dos direitos humanos que, repito, não é defesa de uma determinada classe, de um determinado extrato social, mas sim a defesa de todo o ser humano, especialmente aqueles mais vulnerabilizados.

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Que resposta o senhor espera desse episódio?

Eu espero que a lei seja cumprida e que o exemplo do cumprimento da lei sirva para as pessoas observarem que a cidadania implica em responsabilidades também e que uma pessoa não pode interferir na vida do outro simplesmente porque não concorda com a opinião ou a existência do outro. Eu espero que a gente evolua nesse sentido e eu espero que nós avancemos como cidadãos nesse país que tanto precisa de democracia e de, enfim, solidariedade.

Essa compreensão da importância do respeito mesmo diante da divergência é um conceito em que precisamos avançar, mesmo que sob pena da responsabilização de quem excede isso?

Exatamente, do contrário, nós voltaremos ao pré-iluminismo, do contrário, nós voltaremos às bruxas queimadas nas fogueiras, do contrário, nós voltaremos ao absolutismo, em que aquele discurso que é “ame ou deixe”, ou você se adequa àquilo que eu entendo como concepção de mundo ou você deixa de ser brasileiro, deixa o Brasil, você não ama o Brasil, você não pode sequer usar as cores da pátria. Não é assim que funciona, a cidadania é de todos, os direitos humanos transcendem o ser humano, especialmente através do caminho da não violência, do diálogo e da construção comum de um projeto de vida coletivo para todos.

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