O assassinato de Catarina Kasten, de 31 anos, no dia 21 de novembro, reacendeu o debate sobre a violência contra a mulher em Santa Catarina e no Brasil na última semana. Em entrevista ao NSC Total, a delegada Patricia Zimermann, coordenadora das Delegacias de Proteção à Criança, Adolescente, Mulher e Idoso em Santa Catarina (DPCAMI), falou sobre as investigações relacionadas à morte da estudante em uma trilha de Florianópolis, comentou sobre as ações feitas no Sul do Estado após a onda de feminicídio em novembro e explicou como estão os encaminhamentos do Plano Estadual de Combate à Violência Contra as Mulheres.

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Catarina foi morta por um desconhecido enquanto caminhava em direção à aula de natação por volta das 7h. O crime aconteceu na trilha da Praia do Matadeiro, no Sul da Capital, na sexta-feira do dia 21 de novembro. O agressor confessou que matou a estudante e foi preso em flagrante. Segundo a delegada, os autores de feminicídio em Santa Catarina “não saem impunes” e que a resolução deste tipo de crimes no Estado é de 100%:

— A Polícia Civil tem um índice altíssimo de identificação e o índice de resolução desses crimes é de 100%. Qual é o recado que a gente passa para a população? Não fica impune. Os autores são identificados e, se é feminicídio, ele é tipificado como feminicídio, tenha ou não relação de afeto.

O caso Catarina foi mais um entre o total de nove feminicídios registrados em Santa Catarina em novembro, segundo a Polícia Civil. Do total, quatro casos ocorreram no Sul do Estado. A delegada explica que o estado catarinense faz uma série de ações de conscientização, especialmente voltadas a campanha 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher, que teve início no fim de novembro e se estende no mês de dezembro.

— São feitas palestras, divulgação na mídia, trabalhos também nas redes sociais das delegacias da mulher, chamando a atenção para que as vítimas percebam os sinais de violência — pontua.

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Confira a entrevista na íntegra com a delegada

Doutora, eu queria começar trazendo a questão de crimes de feminicídio aqui no Estado. Como que é a investigação desses crimes, tanto naqueles que já “apresentavam sinais” daquela mulher que era vítima de violência, mas também feminicídios que podem acontecer com qualquer mulher, a qualquer momento, em qualquer rua, sem nenhum tipo de sinal, que eu acho que é o que mais assusta as pessoas. Como acontecem essas investigações?

É importante a gente esclarecer para a população que a lei que trata o crime de feminicídio define duas situações. Primeiro, o feminicídio praticado na situação de violência doméstica e familiar — que a gente tem a Lei Maria da Penha, que define quais são as situações — e o feminicídio com menosprezo ou discriminação na condição de mulher — que não há o vínculo íntimo de afeto. A Polícia Civil já tem, desde os anos de 2021 e 2022, um curso específico para os policiais civis, para que na investigação identifiquem as duas condições: o vínculo íntimo de afeto, a condição de violência doméstica e familiar, ou menosprezo à condição de mulher, ou essa discriminação. Os detalhes da investigação, a maneira como o crime aconteceu, são preponderantes para que a gente identifique esses sinais. A maneira como o corpo foi encontrado, como o crime foi praticado, a quantidade, às vezes, de golpes no corpo dessa vítima, como ela foi atacada. Isso são situações, vestígios que a gente chama, de [violência de] gênero no corpo da mulher.

A investigação é feita com muito cuidado: o isolamento correto do local do crime, a perícia bem feita, os passos anteriores e imediatos, as testemunhas. Tudo isso para que a Polícia Civil consiga identificar [os elementos]. Esses crimes têm sido muito bem investigados. A Polícia Civil tem um índice altíssimo de identificação e o índice de resolução desses crimes é de 100%. Então, qual é o recado que a gente passa para a população? Não fica impune. Os autores são identificados e, se é feminicídio, ele é tipificado como feminicídio, tenha ou não relação de afeto.

Eu queria que a senhora trouxesse essa questão do feminicídio não íntimo e do feminicídio íntimo e reforçar o direito da mulher de estar onde ela quer estar, como por exemplo no caso da Catarina, às 7h, indo para uma aula, numa trilha, à luz do dia…

É importante que a gente descreva isso porque, quando o feminicídio tem menosprezo ou discriminação à condição de mulher, nós temos como vítimas tanto as mulheres que estão, às vezes, transitando num lugar para ir para uma aula de natação, voltando de uma balada, como também mulheres que são prostitutas, mulheres trans, mulheres que estão em locais de vulnerabilidade. Nós trabalhamos com o protocolo latino-americano que define essas mortes violentas, como também com o protocolo nacional que identifica essas mulheres. Lá tem uma categorização muito importante: mulheres traficadas, mulheres em situações de imigração, mulheres da prostituição e mulheres trans. Então, não importa a situação: se uma mulher foi morta, seja por discriminação ou menosprezo, ela está nessa condição.

A Polícia Civil vai investigar com exatidão, decisão e sem nenhum preconceito. Isso é importante que as pessoas saibam. Às vezes a pessoa olha e diz assim: “mas ela estava caminhando naquele momento, naquela hora, ela se colocou em risco”. E aí eu lhe faço a seguinte pergunta: se um dia você esquece de trancar a porta da sua casa, você dá autorização para uma pessoa entrar lá dentro e subtrair os objetos que estão lá dentro? Se você esquece de trancar o seu carro, você dá autorização para que uma pessoa furte o seu veículo? Com a vida das pessoas é a mesma coisa. A gente tem que olhar para essas mulheres como sujeitos de direito, como pessoas que têm que ser respeitadas e que têm o direito de andar nos locais onde elas querem andar. A mulher tem todo o direito de andar de manhã cedo por uma trilha para ir a uma aula de natação.

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Nós temos que garantir a segurança dessas mulheres e, quem tentar cometer algum crime contra elas, pode ter certeza que a identificação da autoria e a prisão é o caminho que vai acontecer. A Polícia Civil não vai ficar inerte, ela vai trabalhar na investigação com responsabilidade.

Os crimes vão ser identificados da maneira como têm que ser, seja na condição de mulher, ou seja na relação íntima de afeto.

O que se caracteriza o crime de importunação sexual e como são investigados esses casos? Como é a tipificação aqui no Estado?

Qualquer conduta que tenha a prática de ato libidinoso, que é aquela satisfação do desejo sexual, caracteriza o caso da importunação sexual. Isso pode ser um toque lascivo, uma filmagem dos órgãos genitais da mulher, e também uma nova modalidade que é mandar mensagens e conteúdos pornográficos para essa mulher.

A gente tem casos, às vezes, de pessoas que tiram fotos nuas, mandam aquela imagem para a mulher e convidam para um encontro, por exemplo, uma saída posterior. A importunação, seja presencial ou por meio digital, é algo que acontece. E aí o que a gente precisa? Pedir para as pessoas que comuniquem à Polícia Civil […] O transporte público tem câmeras internas, eles chamam a Guarda Municipal ou a Polícia Militar. Os autores são presos, levados à delegacia e o flagrante é lavrado. Não deixe passar em branco. Se é por meio digital, também procure a Polícia Civil. Nesse caso do meio digital, o autor alegava que tinha ingerido bebida alcoólica e não tinha controle do que estava fazendo. Ele vai responder com agravante. Então, não importa: você importunou sexualmente uma pessoa, vai responder.

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Eu queria perguntar para a senhora sobre os crimes de feminicídio no Sul do Estado, que neste mês registrou quatro casos. A Polícia Civil está fazendo alguma ação específica para a região?

Além dos trabalhos de investigação e identificação, a Polícia Civil faz trabalhos de conscientização. Nós entramos agora nos 21 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher. São feitas palestras, divulgação na mídia, trabalhos também nas redes sociais das delegacias da mulher, chamando a atenção para que as vítimas percebam os sinais de violência. Nós temos um fenômeno muito difícil que é o cultural. A mulher, às vezes, acredita que vai mudar esse agressor, e muitas mulheres ainda se responsabilizam pela agressão. Ela pensa: “o que é que eu fiz para ele se tornar dessa maneira?”, quando, na verdade, a culpabilidade e a responsabilidade estão no perfil de padrão de comportamento do agressor. O que a gente precisa? Conscientizar a mulher de que ela é vítima e que precisa de proteção.

A Polícia Civil, através do programa Polícia Civil por Elas, além da criação de espaços como a Sala Lilás, está fazendo assiduamente a campanha de conscientização, trabalhando com os nossos policiais civis, principalmente os que estão capacitados nos grupos reflexivos, para tentar parcerias para grupos reflexivos para mulheres e homens em situação de violência e, principalmente, conscientizando essas mulheres para identificação dos sinais e que procurem ajuda enquanto é tempo.

No ano passado, 90% das vítimas de feminicídio não tinham boletim de ocorrência contra o agressor. Então, a gente precisa conscientizar essas mulheres e trazê-las para a rede de proteção. Uma vez na rede de proteção, que elas confiem nos órgãos do Estado, porque nós temos outro fenômeno também: uma vez concedida a medida protetiva de urgência, o autor entra naquela fase de prometer tudo — promete que não vai agredir, que vai melhorar — e, às vezes, atrai a mulher para conversar sobre divisão de bens, guarda de filhos ou até mesmo uma promessa de reconciliação. E ali nós chegamos a registrar a situação de feminicídio.

Quando a mulher vai conversar com ele, nós orientamos essas vítimas: se você quer conversar, faça através de um advogado ou defensor público. Nós temos a parceria da OAB Por Elas para fazer essa mediação. Então, queremos trazer as vítimas para uma escala de proteção integral, para que elas não sofram nenhuma agressão por parte do autor do crime.

E sobre o Plano de Combate Estadual à Violência Contra a Mulher anunciado em agosto deste ano. Tivemos algum avanço desde então? 

A gente teve a primeira reunião, onde já trabalhamos essas questões entre todas as secretarias de Estado: o que é que nós estamos fazendo, aquelas ações que são intersetoriais. A gente está trabalhando em conjunto na divulgação, por exemplo, do plano, do fluxo integrado entre a Polícia Civil, Polícia Militar, Bombeiro, Polícia Científica e Secretaria de Assistência.

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Também estamos trabalhando nessas ações entre os grupos. A Polícia Civil está se preparando, assim que sair o decreto do governador, para começarmos a separação das delegacias e, aí, trabalhar com as delegacias novas que vão surgir. Então, o plano está caminhando.

A vice-governadora [Marilisa Boehm], que é quem coordena o plano, chamou todos nós para uma reunião, para verificar como estão essas ações, cada secretaria apontando a sua. Nós, da Polícia Civil, já fizemos esse estágio de revisão de todos os projetos, trabalhando em conjunto com as outras secretarias.

E agora, o que nós vamos fazer? Estamos esperando o decreto do governador. Saindo o decreto, nós vamos trabalhar na expansão e criação das novas delegacias, separando as atribuições.

Antonietas

Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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