Na correria do cotidiano, nem todo mundo consegue parar e olhar para os detalhes ao redor. Mas quem prestou atenção neste outubro talvez tenha se surpreendido porque os ipês ainda estavam floridos em Blumenau. O que parecia um bônus do começo da primavera pode, na verdade, ser um reflexo direto do “estresse” das árvores diante de um clima cada vez mais imprevisível.

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O professor André Gasper, do Departamento de Botânica da Universidade Regional de Blumenau (Furb), explica que esse prolongamento da floração está ligado à própria biologia das espécies e à forma como elas respondem ao ambiente.

— A mudança climática tem alterado os períodos de floração das espécies, isso já está comprovado. Excesso ou falta de chuva afetam não apenas os ipês, mas todas as flores — explica.

A equação é simples, mas o resultado é complexo: dias longos, chuvas irregulares e temperaturas fora do padrão confundem o “relógio interno” das plantas. Por isso, passam a florir mais cedo, mais tarde ou até mais vezes no mesmo ano. Gasper lembra que o estresse hídrico, ou seja, a escassez de água, pode levar as plantas a “acelerar” o ciclo reprodutivo.

— Um alto estresse pode induzir um boom de floração, porque a planta “entende” que está em risco e tenta deixar descendentes — elabora o professor.

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Um calendário em mutação

O Brasil tem mais de 40 espécies diferentes de ipês, e cada uma tem uma temporada de floração diferente. De forma geral, essas árvores florescem entre agosto e setembro, época que coincide com o final do inverno e início da primavera. É um calendário que vem sendo reescrito de pouco a pouco. O que desencadeia a florada é uma soma de fatores, como temperaturas, disponibilidade de água, nutrientes no solo e o fotoperíodo, a duração do período de luz solar em um ciclo de 24 horas.

— A indução da floração é um fenômeno controlado por hormônios vegetais, e esses podem sofrer alterações na sua produção em virtude de fatores como nutrição do solo, disponibilidade hídrica, mas fundamentalmente temperatura e fotoperíodo — explica.

Esses fatores ativam os meristemas caulinares, estruturas que permanecem adormecidas até que os hormônios certos as transformem em gemas florais, conforme explica João de Deus Medeiros, biólogo e professor aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Períodos secos e com baixa umidade costumam induzir floradas mais intensas, já que o estresse hídrico faz parte da estratégia de sobrevivência da espécie. Ou seja, o ipê “acelera” a reprodução antes que o ambiente piore. Em contrapartida, chuvas excessivas ou irrigação contínua podem atrasar, ou até abortar a floração.

Os ipês, afinal, são plantas adaptadas a solos secos, e precisam de um período de estiagem para florescer plenamente. Temperaturas muito altas ou muito baixas também desequilibram o metabolismo e alteram o ciclo natural da planta. Medeiros destaca que invernos secos e ensolarados favorecem florações mais densas, enquanto períodos prolongados de chuva podem estender o tempo de flores abertas, mas reduzir a intensidade da florada.

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— Neste ano, houve uma aparente redução nas floradas de ipês-amarelos, mas, por outro lado, a florada se prolongou. Avalio que, no nosso Estado, tivemos um inverno mais prolongado e chuvoso, e isso tenha causado algum impacto na floração, porém nada muito acentuado — observa.

Um espetáculo e um alerta

Essas alterações nos períodos de floração são naturais até certo ponto, mas, em larga escala, podem desestabilizar ecossistemas inteiros. Muitos alimentos dependem da polinização e, se flores e polinizadores não estiverem mais sincronizados, isso vira um problema real, conforme alerta Gasper.

— O que importa é reduzir as emissões e arborizar as cidades, para que elas se tornem mais verdes e resilientes às mudanças climáticas, inevitáveis, já que não conseguimos reduzir as emissões a níveis ideais — conclui o professor da Furb.

A exuberância dos ipês, portanto, é uma resposta da natureza ao próprio meio ambiente. Na pressa, passamos por eles como se estivessem ali por acaso, mas eles não florescem à toa. Por trás da paisagem que colore Blumenau no começo da primavera, há uma mensagem ecológica nítida: as árvores estão se ajustando a um ambiente em mudança climática.

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