O sonho de ser mãe se tornou sinônimo de preocupação para Emilly Vitória Oliveira. A jovem da aldeia Tucumã, de Araquari, está grávida de 9 meses e, durante toda a gestação, não teve nenhum acompanhamento médico. Outros moradores indígenas também contam que estão sem exames de acompanhamento de doenças. Além da precariedade no atendimento, em dezembro de 2024, o polo base dedicado à saúde indígena foi fechado. Os problemas enfrentados pela aldeia foram alvos de manifestação nesta semana.
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O polo base é semelhante às Unidades Básicas de Saúde (UBS), porém, são dedicados integralmente à saúde indígena. É dali que são coordenadas as equipes de médicos, enfermeiros, nutricionistas e dentistas que vão até as aldeias da região fazer o atendimento da população indígena. Acontece que, desde dezembro do ano passado, o polo base de Araquari está fechado. Além disso, a aldeia Tucumã relata, ainda, que durante o funcionamento alguns serviços não estavam sendo executados.
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— Nenhum exame, eles até pediram, mas nunca vinham fazer exame, nem nada. Os médicos só vinham, olhavam para a nossa cara e diziam que estava tudo bem e, então, estava tudo certo para nós também. Meu maior medo é a minha filha nascer aqui e nascer sem vida porque não tem atendimento médico nem nada, meu medo ultimamente está sendo esse — conta Emilly sobre a falta de assistência e, agora, o fechamento do polo.
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Emilly é uma entre vários moradores da aldeia que reclamam da precariedade do atendimento do polo base. Regiane Medeiros, também da comunidade indígena Tucumã, sofre de hipertensão, diabetes e problemas na coluna. Há mais de um ano aguarda na fila para fazer os exames.
— É muito tempo, um ano para fazer os exames, eu estou com o encaminhamento para fisioterapia e até agora nada. Cada vez a doença só vai se agravando. Tem dia que olha, hoje mesmo, eu estou com a coluna e meus ossos todos doloridos, por dentro formiga. Aí, eu só choro dentro do quarto — diz Regiane.
Além da falta de atendimento, o caso se agravou após o fechamento da unidade, que ocorreu após demissão da coordenadora e enfermeira que estavam à frente do local. Desde então a comunidade está sem nenhum tipo de atendimento.
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— Não funciona porque não tem como a própria equipe fazer o seu trabalho sem uma pessoa mediando. A equipe já é desfalcada porque não tem profissionais suficientes, aí vem essa bagunça em si mudou todo o cronograma — diz o cacique e presidente do Conselho de Saúde Indígena, Vilson Moreira.
Neste período, a prefeitura de Araquari tem dado suporte às comunidades indígenas. O secretário de Saúde do município, Valmir José Santhiago Júnior, explica que para os atendimentos serem feitos, os moradores das aldeias precisam se deslocar e fazer a solicitação dos serviços por meio do SUS.
— Todo o indígena aqui de Araquari é atendido como qualquer cidadão, então os encaminhamentos para exame, especialista, exames de sangue, raio-X junto ao nosso Pronto Atendimento, tudo como qualquer cidadão de Araquari. Acontece que a Sesai faz esse a mais, que é o tratamento diferenciado nas aldeias, que isso é exclusivo do Sesai. Então esse serviço tem que ser fortalecido, precisamos de uma atenção do serviço, principalmente federal, que ali é diretamente ligado ao Ministério de Saúde, para que possa fazer esse aporte aqui também para dar mais robustez nesse atendimento, para que as aldeias não fiquem desassistidas — esclarece Valmir.
A população indígena tem direito a um atendimento específico de saúde dentro das aldeias. A lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, estabelece um subsistema de atenção à saúde indígena dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). O atendimento deve “levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para a atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência à saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional”, diz a lei.
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A partir disso, foi criada a Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), que administra os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), que por sua vez, controlam os polos bases. Estes últimos são importantes para o atendimento de saúde dos povos indígenas porque tem como objetivo atender as aldeias, levando em consideração a realidade socioeconômica e cultural de cada povo. Toda essa estrutura de atendimento dedicada aos indígenas é de responsabilidade direta do governo federal por meio do Ministério da Saúde.
Além dos cuidados com saúde, como citado anteriormente, a Sesai e DSEI também são responsáveis por garantir acesso a saneamento básico nas aldeias, o que também tem faltado no atendimento à Tucumã. No local há uma estrutura improvisada para a realização dos atendimentos médicos, não há banheiro e as famílias recebem água de forma fracionada.
— Aqui nós não temos água potável, recebemos água três vezes na semana para 14 famílias com crianças e idosos. Essa água não é suficiente para toda a comunidade e não temos banheiro — denuncia a professora Antônia Tavares da Silva.
O que diz o DSEI
Em nota, o DSEI comentou cada um dos pontos questionados pela aldeia Tucumã, de Araquari.
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“A Sesai está passando por uma transição entre conveniadas em todo Brasil e informa que em dezembro de 2024 todos os profissionais da saúde foram desligados respeitando as orientações referentes ao processo de transição entre conveniadas”, diz a nota. Também informa que durante o processo de demissão, foram realizadas avaliações de desempenho técnico por parte do controle social, formado por lideranças, e pela equipe técnica do DSEI Interior Sul (ISUL), na qual alguns profissionais não foram recontratados, o que foi o caso da Chefe de Polo e da Enfermeira, que puderam atuar no local até o dia 31 de dezembro de 2024.
Além disso, o DSEI também falou sobre as demais denúncias que envolvem os atendimentos de saúde e acompanhamento de gestantes. “A coordenação do DSEI ISUL enviou profissionais para tomada de providências e elaboração de um novo planejamento de atendimento junto a equipe do Polo Base de Araquari, tendo em vista que se trata de reclamações referentes à gestão do Polo de 2024”, diz o órgão.
A nota também informa que na quarta-feira (8) foi realizada uma reunião entre DSEI ISUL, equipe do Polo Base de Araquari, Conselho Distrital de Saúde Indígena Interior Sul (Condisi ISUL) e lideranças da região, com objetivo de esclarecer os fatos referente à demissão das profissionais e garantir o atendimento da saúde indígena. O órgão também ressaltou que na quinta-feira (9) as equipes do Polo Base de Araquari retomaram as atividades nas áreas normalmente.
“DSEI ISUL reitera seu total compromisso com a saúde da população indígena, bem como evidencia a integridade e a transparência com que vem realizando a gestão, bem como os esforços para oferecer uma assistência mais digna às comunidades indígenas de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul”, finaliza a nota.
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*Em parceria com Guilherme Barbosa, repórter da NSC TV.
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