O delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, informou que irá solicitar um laudo complementar para a Polícia Científica para verificar se os efeitos dos medicamentos encontrados no organismo de Cezar Mauricio Ferreira, de acordo com o laudo divulgado na terça-feira (29), poderiam ser confundidos com sinais de embriaguez.

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O dentista foi encontrado morto no dia 19 de julho em uma cela da Central de Plantão Policial de São José, na Grande Florianópolis, após ser preso pela Polícia Militar por embriaguez na noite anterior. O laudo da Polícia Científica apontou que a causa da morte foi arritmia cardíaca. Além disso, exames toxicológicos apontaram que não havia presença de álcool no organismo da vítima.

Segundo o delegado-geral, o inquérito da Polícia Civil sobre o caso deve ser concluído até a próxima sexta-feira (1º).

— Via de regra, a pessoa que está alcoolizada tem a fala arrastada, o andar cambaleante e pode haver uma confusão entre um sintoma de uma questão cardíaca com a situação envolvendo uma embriaguez — diz o delegado.

Investigação sobre morte de dentista em SC aguarda novo laudo e já tem data para ser concluída
Segundo o delegado, o inquérito da Polícia Civil sobre o caso deve ser concluído até sexta-feira (Foto: NSC TV, Reprodução)

Indicativos de atendimento médico

Ulisses disse, ainda, que não havia elementos indicativos da necessidade de um pronto-atendimento para o dentista na delegacia. Ele afirmou que a Polícia Civil não recebe pessoas que estejam com lesões ou necessidade de atendimento e, nesses casos, a Polícia Militar é orientada a levar a pessoa para uma unidade de saúde.

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Cezar também não teria comunicado ter problemas cardíacos e que estava passando mal no momento da prisão:

— É importante salientar que, quando a pessoa chega numa delegacia de polícia e diz que está precisando de atendimento médico, em razão de ser cardíaca ou apresentar alguma outra situação que implique a necessidade de um pronto-atendimento, o policial também faz o acionamento dos serviços de atendimento médico.

A prisão em flagrante de Cezar foi baseada no auto de constatação de embriaguez, feito pela Polícia Militar, e em indicativos observados pela delegada que atendeu a ocorrência no momento do interrogatório, conforme o delegado-geral.

— O auto de constatação é um instrumento para lavratura do auto de prisão em flagrante, mas não é o único e pode ser contraditado ou não aceito pelo delegado de polícia. Mas é claro que há uma confiança no policial militar que tem uma presunção de veracidade. Via de regra, nós trabalhamos numa atuação policial aonde se prima pelo cumprimento da lei — declarou Ulisses.

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Acionamento da família

Ulisses Gabriel afirmou que é um direito do preso comunicar a família e acionar um advogado, diferente do que alega o advogado de defesa de Cezar, que afirma que a família só foi comunicada após Cezar ser encontrado morto dentro da cela.

— Quando se começa a lavrar o o boletim de ocorrência para a lavratura do auto de prisão em flagrante já se aciona a família e já permite ao investigado o acionamento de advogados para a garantia dos direitos constitucionais — disse o delegado-geral.

Advogado rebate alegações

Em nota ao NSC Total, o advogado Wilson Knöner Campos, que representa a família do dentista, disse que o pedido de um laudo complementar “parece desviar o foco” da investigação e informou que ele não conseguiu verbalizar um pedido de socorro pois estava passando por um “evento cardíaco catastrófico”.

“A expectativa da família é que a investigação se concentre nos fatos concretos e nas suas graves consequências: a alegação de um odor inexistente, a falha em reconhecer uma emergência médica óbvia e a aplicação de uma presunção de veracidade que se sobrepôs ao dever de proteger uma vida”, diz um trecho (veja a nota completa abaixo).

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Relembre o caso

Cezar foi detido na noite de sexta-feira (18) pela Polícia Militar por embriaguez ao volante. A PM foi acionada após o dentista bater na traseira de um outro carro, na rua Cândido Amaro Damásio, no bairro Barreiros. De acordo com relatos dos agentes no boletim de ocorrência que o NSC Total teve acesso, o dentista não conseguiu responder os policiais por “estar aparentemente embriagado”. Ele também não conseguiu fazer o teste de bafômetro, ainda conforme o registro.

O dentista foi autuado por embriaguez e encaminhado à Delegacia de São José. No local, segundo relato do policial civil que recebeu a ocorrência, Cezar recusou água e comida, e foi colocado em uma cela. Entre 1h e 3h, já na madrugada de sábado (19), o atendente relatou ter ido às celas para checar a situação dos presos e o dentista respondeu que estava bem.

Às 7h40min, Cezar foi encontrado morto dentro da cela. O Samu foi acionado e constatou o óbito. Segundo o registro da Polícia Civil, um homem que estava preso ao lado do dentista relatou ter ouvido apenas um barulho e voltou a dormir durante a noite.

De acordo com o advogado Wilson Knöner Campos, que representa a família do dentista, Cezar tinha problemas cardíacos, levava uma vida saudável e não bebia por motivos religiosos. Conforme a defesa, no momento em que bateu o veículo, ele estava saindo de uma padaria onde recém havia feito um lanche.

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— Ao invés de ir para um hospital receber tratamento, ele foi parar em uma cela fria — afirmou o advogado em entrevista à NSC TV.

O laudo pericial feito pela Polícia Científica, assinado pelo médico legista Felipe Quintino Kuhnen, descreve no exame anátomo patológico sinais que caracterizam a cardiopatia hipertrófica. Ainda, no exame toxicológico foi indicada a presença de medicamentos antidepressivos, anti-histamínicos, relaxante muscular, anti-hipertensivo, antiarrítmico e antidiabético.

A azitromicina, citalopram e sertralina, três dos medicamentos listados, aumentam o risco de arritmias ventriculares fatais, especialmente em indivíduos com alteração cardíaca, segundo o laudo.

“A presença de dispositivo implantável cardíaco atesta que era portador de arritmia, sendo que o dispositivo não evita o risco de morte súbita por arritmias, podendo ser causada por falência elétrica, tempestade arrítmica ou falência mecânica aguda”, afirma um trecho do documento.

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Dessa forma, o laudo da morte conclui que a causa do óbito é a cardiopatia hipertrófica, sendo o mecanismo provável morte súbita arrítmica, que pode ter sido desencadeada ou agravada pelo uso de alguns medicamentos.

Família busca respostas após dentista morrer dentro de cela após ser preso por embriaguez em São José (2)
Dentista e servidor do Tribunal Regional do Trabalho (TRT/SC), Cezar Maurício Ferreira morreu em uma cela da Central de Polícia de São José (Foto: Redes sociais, Reprodução)

Veja a nota completa da Polícia Civil

“A Polícia Civil de Santa Catarina informa que está investigando as circunstâncias da morte de um homem, na noite de sábado, 19 de julho, após prisão em flagrante realizada pela Polícia Militar.

A vítima teria se envolvido em um acidente de trânsito e foi conduzida pela Polícia Militar à Central de Plantão Policial de São José em razão de indícios de que estaria dirigindo sob efeito de álcool.

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Ao tomar conhecimento dos fatos, na tarde de ontem, o Delegado-Geral da Polícia Civil, Ulisses Gabriel, que solicitou um relatório de inteligência da Diretoria de Inteligência (DINT/PCSC), enviando as informações para a Delegacia Regional de São José, para que os fatos fossem devidamente apurados, com a máxima urgência“.

Veja a nota da Polícia Militar

A Secretaria de Estado da Segurança Pública, a Polícia Militar e a Polícia Civil lamentam profundamente o falecimento de Cezar Maurício Ferreira e se solidarizam com seus familiares e amigos neste momento de dor.

Cezar foi abordado por policiais após colidir seu veículo na traseira de outro carro. Durante a abordagem, os agentes identificaram sinais de alteração psicomotora. Ele conversava com os policiais e apresentava indícios de estar sob efeito de álcool ou medicação, não tendo, no entanto, relatado qualquer problema de saúde. Diante do quadro, foi conduzido à delegacia para os procedimentos legais, onde ocorreu o fato relatado.

Os procedimentos adotados pelos policiais militares estão sendo analisados em inquérito policial militar e a PMSC só poderá se manifestar depois de todos os tramites necessário serem finalizados e o laudo pericial for apresentado oficialmente.

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Da mesma forma, a Polícia Civil está com inquérito policial em instrução para apurar a causa da morte, com base no laudo oficial da Polícia Científica.

Veja a nota da defesa da família

“Com relação aos posicionamentos da Polícia Civil, a família do Dr. Cezar Maurício Ferreira entende que os seguintes pontos merecem uma reflexão serena e detalhada:

  1. Sobre o Desvio do Foco Investigativo

O pedido de um laudo complementar para avaliar se os medicamentos poderiam simular embriaguez parece desviar o foco da questão central e mais grave. A prisão do Dr. Cezar não foi justificada por “sintomas genéricos de confusão mental”. Ela foi fundamentada, em documentos oficiais, pela alegação específica e falsa de “odor etílico”. Medicamentos não produzem cheiro de álcool, e a ciência já provou que não havia álcool. Portanto, a pergunta fundamental que a investigação precisa responder não é se remédios podem confundir, mas sim: por que um “odor etílico” que nunca existiu foi afirmado em um documento oficial e usado para prender um homem que estava morrendo?

  1. Sobre a Falha no Dever de Cuidado e a Responsabilidade da Vítima

Quanto à afirmação de que o Dr. Cezar “não informou que precisava de cuidados médicos”, é preciso nos colocarmos em seu lugar. Falamos de um homem em meio a um evento cardíaco catastrófico — comprovado por laudo —, tão desorientado que não conseguia responder ao próprio nome. Como esperar que ele pudesse verbalizar um pedido de socorro?

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Sua necessidade de ajuda era a emergência visível. O socorro não deveria depender de um pedido, mas ser uma resposta à sua condição evidente. Essa responsabilidade não pode ser transferida para a vítima, especialmente quando, conforme consta em depoimento, a premissa dos agentes era a de que o Dr. Cezar estaria apenas “fingindo” para escapar da “vergonha” da prisão. Essa crença equivocada, ao que tudo indica, ofuscou a visualização dos erros e da urgência médica.

  1. Sobre a “Presunção de Veracidade” e a Falha no Controle de Legalidade

O Delegado-Geral menciona que “há uma confiança no policial militar que tem uma presunção de veracidade”. A morte do Dr. Cezar é o exemplo doloroso de quão perigosa pode ser a aplicação cega dessa presunção.

A função da Polícia Civil não é meramente homologar o que foi feito na rua, mas exercer o controle de legalidade. Cabia à autoridade na delegacia confrontar as informações do papel com a realidade: a condição visível e urgente em que se encontrava o Dr. Cezar. Seu estado de desorientação severa, que perdurou por horas, era uma prova em si mesma, que contradizia uma “embriaguez comum” e implorava por uma reavaliação que considerasse outras hipóteses, como um possível AVC — condição que, até onde se sabe, não foi investigada ou descartada com base em qualquer exame.

Conclusão

A expectativa da família é que a investigação se concentre nos fatos concretos e nas suas graves consequências: a alegação de um odor inexistente, a falha em reconhecer uma emergência médica óbvia e a aplicação de uma presunção de veracidade que se sobrepôs ao dever de proteger uma vida.”

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