Uma decisão da Justiça Federal determinou que cinco beach clubs de Jurerê Internacional, em Florianópolis, devem ser interditados. A medida também aumentou as multas aplicadas aos estabelecimentos pela não retirada de estruturas consideradas irregulares no processo sobre o caso, que já dura mais de 15 anos. As novas sanções podem passar de R$ 200 mil.
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A decisão do juiz Marcelo Krás Borges, da 6ª Vara Federal de Florianópolis, foi publicada no último dia 9. A prefeitura de Florianópolis foi procurada pela reportagem da NSC, mas disse que ainda está analisando o caso. As defesas dos beach clubs e da empresa proprietária dos imóveis informaram que não foram notificadas da decisão e que, quando isso ocorrer, vão avaliar as medidas cabíveis (veja íntegra dos posicionamentos ao final do texto).
O despacho mais recente atendeu a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). Após mais de uma década de polêmica na Justiça sobre a regularidade ou não das estruturas ocupadas pelos beach clubs, um julgamento da Justiça Federal de 2017 pareceu encaminhar uma solução para o caso. A decisão determinou que os chamados postos de praia, que são de alvenaria e foram construídos antes de 2005, com projeto aprovado pela prefeitura de Florianópolis, poderiam ser mantidos, mas que as estruturas instaladas depois desse período precisariam ser retiradas ou demolidas.
Essas ampliações foram feitas com decks de madeira, suportes metálicos, passarelas, cercas e em alguns casos, até alvenaria. Segundo a Justiça, essas estruturas estão em cima de espaços de praia, passeios públicos e vegetação de restinga — considerada área de preservação permanente.
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O ano de 2005 foi escolhido como data de corte porque marca a assinatura de um termo de ajustamento de conduta (TAC) em que os beach clubs teriam se comprometido a remover as estruturas adicionais e limitar os avanços dessas construções.
Após uma série de recursos e questionamentos, os estabelecimentos teriam se comprometido a retirar as estruturas adicionais até janeiro deste ano, mas segundo a Justiça, isso ainda não ocorreu. A União apresentou no processo mapas e imagens aéreas que ainda mostrariam a existência de estruturas que não estavam no projeto original dos beach clubs, pedindo o cumprimento da decisão que determinou as remoções.
Beach clubs de Jurerê Internacional são multados
Em abril, uma decisão já havia interditado os beach clubs por não atender à sentença, mas um mês depois a Justiça Federal autorizou a reabertura dos espaços. Agora, um novo despacho obriga outra vez o fechamento dos clubes de praia e a suspensão dos alvarás de funcionamento até o cumprimento da sentença que definiu a retirada das estruturas. A medida de interdição deve ser determinada à prefeitura, que fica sujeita a multa de R$ 100 mil em caso de descumprimento. O município também não pode emitir novas licenças.
Já os beach clubs podem ser duplamente multados. A primeira cobrança informada na sentença é de R$ 200 mil diários em caso de descumprimento da decisão judicial que determinou a retirada das estruturas sobre áreas públicas. O valor foi aumentado em relação à decisão que já obrigava a remoção das construções porque, segundo o juiz responsável, as quantias anteriores estariam “sendo insuficientes” para coibir o descumprimento da decisão judicial.
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Além disso, os estabelecimentos foram condenados por litigância de má-fé (quando uma das partes age com intenção de causar dano ao processo), irregularidade pela qual eles também deverão pagar multa de R$ 200 mil. O motivo, segundo o juiz cita na decisão, seriam as “inúmeras e injustificadas protelações no cumprimento das ordens judiciais”.
Nesta semana, ao menos dois beach clubs já iniciavam a demolição de parte da estrutura.
Associação cobra cumprimento
A advogada da Associação de Moradores de Jurerê (Ajin), uma das partes da ação contra os beach clubs, aponta que as estruturas que pela sentença deveriam ser retiradas permanecem no local. Segundo ela, o que ocorreu em alguns casos foi apenas a substituição de áreas cobertas por bangalôs, ou de decks antigos por novos.
— Falta eles cumprirem a decisão e demolirem o que tem que demolir. Cada decisão que vem a gente recebe com certo otimismo, esperando que desta vez eles vão cumprir, mas vamos aguardar as cenas do próximo capítulo — afirma.
A advogada especialista em Direito Ambiental e Urbanístico, Rode Anélia Martins, afirma que o processo atualmente está na fase de execução da sentença, quando se determina como deve ser cumprida a decisão final sobre o caso.
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— Isso que a gente está discutindo no âmbito dos beach clubs de Jurerê está em uma fase de execução de sentença, em um ambiente em que várias partes têm um entendimento do que seria cumprir fielmente a sentença. Então, isso significa um prolongamento do conflito — pontua.
Contrapontos
O advogado dos cinco beach clubs no processo, Lucas Dantas Evaristo de Souza, afirmou à reportagem que a defesa não foi comunicada da decisão, ainda está analisando a situação e não possui posicionamento sobre a decisão.
À reportagem da NSC TV, Lucas afirmou também que algumas demolições já estão sendo feitas e outras devem ser iniciadas. Na avaliação da defesa dos beach clubs, a decisão recente contraria a sentença de 2017 do TRF4.
— A nossa avaliação é que essa decisão é equivocada porque o que o tribunal decidiu lá atrás, e talvez tenha possibilidade de atestar agora, que o que precisa acontecer é retornar ao que existia em fevereiro de 2006. Em fevereiro de 2006 nós temos provas, documentos, fotos, imagens aéreas que mostram que os estabelecimentos funcionavam como restaurantes e áreas da União eram utilizadas, aquelas áreas de fora eram utilizadas com cadeiras, guarda-sóis. Então, é isso que nós queremos, que o Tribunal diga isso e que a decisão atual não considera — defendeu.
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O advogado da Habitasul e da Ciacoi, respectivamente a construtora e a administradora dos imóveis onde ficam os clubes, Douglas Dal Monte, afirmou na tarde desta terça-feira (14) que ainda não foi formalmente intimada da decisão e que, quando isso ocorrer, irá verificar as medidas adotadas.
— Independentemente disso, a gente reitera que a empresa é cumpridora das suas obrigações, das decisões judiciais e vai cumpri-las, sem desconsiderar que vai continuar adotando todas as medidas cabíveis para defender seus direitos — afirma.
A prefeitura de Florianópolis informou em nota que “considerando a existência de agravo de instrumento apresentado pela parte interessada à Justiça, ainda a ser julgado, peticionou pedido de suspensão junto ao TRF4, por 15 dias, da exigência para cancelamento de alvarás e demais autorizações de funcionamento de beach clubs em Jurerê, no norte da ilha”. A prefeitura explica que “a petição leva em conta que, se realizada qualquer ação antes da finalização do julgamento, pautado para o período compreendido entre os dias 20 e 28 deste mês, há risco de grave lesão ao funcionamento dos locais, com prejuízo às atividades comerciais na área e danos potencialmente irreversíveis, com impactos que vão além dos interesses privados defendidos”.
Entenda o caso
A construção dos beach clubs vem sendo questionada desde o início da década de 2000. Um TAC chegou a ser assinado em 2005 com o compromisso de manter as construções dos postos de praia, mas remover as estruturas adicionais que avançaram sobre espaços da praia, do passeio público e da área de restinga.
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A primeira decisão pela retirada de equipamentos fixos instalados pelos beach clubs para além das construções dos postos de praia foi tomada em 2017, no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Nos anos seguintes, a decisão foi contestada pela defesa dos estabelecimentos, mas mantida no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF), que deu a palavra final sobre o caso em junho de 2021.
Em novembro de 2022, uma audiência de conciliação com as partes envolvidas definiu o dia 17 de dezembro daquele ano como prazo para que as estruturas anexas fossem removidas. Após a prefeitura alegar um possível risco de prejuízos econômicos para trabalhadores e turistas com a retirada dos espaços no período de festas de fim de ano, o prazo passou para 9 de janeiro de 2023. Na ocasião, os beach clubs chegaram a informar o início da retirada das estruturas.
No entanto, 10 meses depois, a informação é de que os estabelecimentos ainda não teriam cumprido a demolição das estruturas ampliadas em redor dos postos. A defesa de uma das empresas dona de beach clubs chegou a apresentar um pedido de embargos de declaração contra a decisão que pedia a remoção das edificações, mas a solicitação foi rejeitada pelo juiz responsável em setembro deste ano. Na decisão, ele afirmou que a companhia estaria agindo apenas para “criar argumentos para retardar ou não cumprir o que está transitado em julgado e não pode mais ser discutido, não havendo mais nenhuma contradição, obscuridade, omissão ou dúvida (…)”.
* Colaboraram Rafaela Cardoso e Gisele Willaim, da NSC TV
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