Bia Vargas estava sentada na última cadeira no canto direito do palco, escondida atrás do púlpito em que os apresentadores inflavam a plateia presente ali. O público vindo de várias regiões do Estado, lotou a praça Tancredo Neves, em Florianópolis, para ver o comício de Luiz Inácio Lula da Silva, candidato à presidência.
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Vice na chapa petista ao governo catarinense, Bia sentiu frio na barriga ao ser avisada pela produção minutos antes de discursar que precisava estender seu discurso aos apoiadores.
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— Agora chegou a hora de ouvir essa mulher guerreira, de luta, que ao lado do governador Décio Lima mudará Santa Catarina. Alô, alô, alô, fala Bia — chamou o apresentador.
Ela vestia um terno de alfaiataria da cor “vermelho PT”. Ao se dirigir ao maior público que já falou na vida, não transparecia o nervosismo. Com voz empostada, se apresentou como mãe solo e empreendedora. Falou de violência contra a mulher, de injúria racial e dos números da fome no Estado.
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— Que Suíça é essa que tem meio milhão de pessoas passando fome? — disse ao recusar a comparação de Santa Catarina com o país europeu.
Terminou o discurso de mãos dadas com Décio e após posar para dezenas de fotos, foi abraçada por Dilma Rousseff e pelo anfitrião do comício, Lula. Toda cena no palco representa bem a acolhida petista à candidata do PSB, partido que compõe a autodenominada Frente Democrática e do qual Bia é filiada há sete anos.
A coligação conta ainda com o PCdoB, PV e Solidariedade. Com 17,42% dos votos, o grupo fez história ao levar para segundo turno um partido de esquerda em Santa Catarina. Se eleitos, podem conquistar outro feito histórico: o de eleger a primeira negra no comando do Executivo catarinense.
Bia Vargas tem 35 anos e escolheu levar o apelido no lugar do nome completo para a vida política também. Em 2020, auge da pandemia, a empresária recebeu uma ligação inesperada de Alex Michels, que já era candidato declarado à prefeitura de Içara, cidade do Sul catarinense e residência da família de Vargas há cerca de duas décadas.
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A ligação pareceu descabida no primeiro momento. Bia foi convidada a compor como vice a coligação encabeçada pelo PSB e completa pelo Republicanos e PSD. “Você tá louco?”, respondeu por impulso.
Apesar do susto inicial, o aceite oficial veio dias mais tarde e Bia foi para o “corpo a corpo” numa campanha em meio ao isolamento social e o medo da Covid-19. Ela mobilizou a comunidade do bairro Esplanada, o mais distante do Centro de Içara e onde ela vive até hoje.
A chapa Michels-Vargas ficou em segundo lugar na disputa perdendo para a candidata do PP Dalvania Cardoso, mas com resultado melhor que o MDB que concorria com Arnaldinho Lodetti encabeçando a chapa. Feito comemorado até hoje pela candidata.
Nas eleições gerais de 2022, Bia chegou a se lançar como deputada federal, inclusive montou a equipe, gravou vídeos e fez fotos para a pré-campanha. A desistência ocorreu para tentar ser vice de Décio Lima. O ex–prefeito de Blumenau e ex-deputado federal conhecia Bia apenas de eventos políticos anteriores. Em um deles, em Brasília, Bia discursou na convenção nacional do PSB.
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A fala foi feita um dia após a morte de bell hooks, em 15 de dezembro de 2021. Durante o discurso ela lembrou o falecimento da escritora americana, o que chamou a atenção de Décio, que largou o celular para prestar atenção na homenagem de Bia à teórica feminista.
O nome da candidata para vice na chapa de Décio enfrentou resistência na cúpula do PSB. O partido chegou a homologar os nomes da vereadora de Chapecó Marcilei Vignatti e do ex-vice-prefeito joinvilense Rodrigo Bornholdt para a vaga, sem que Bia compusesse a nominata. Dias depois, em nota oficial, a legenda anunciou que, por decisão de Décio, ela seria a candidata.
As rusgas dentro do partido, não impediram a festa de Vargas. Em 12 de agosto, ela publicou uma foto ao lado de Décio em seu Instagram. Os dois estão sentados lado a lado na fotografia. Uma cena que seria repetida inúmeras vezes durante a campanha.
“Por mais união, justiça, renda digna e comida na mesa de todos os catarinenses, está oficialmente definida a chapa que representa a esperança de uma nova política para Santa Catarina”, escreveu Bia na legenda.
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Mãe do Hugo
Em 2017, Bia conheceu o amor de sua vida. Mesmo na rotina intensa da campanha, visitando o máximo de cidades possíveis nos 50 dias do primeiro turno, ela não passa um dia sem ligar ou trocar mensagens com o amado. A paixão em questão tem cinco anos, preguiça de acordar cedo e orgulho da mãe que chama de vice-governadora antes mesmo da validação das urnas.
Para Hugo, Bia já ganhou.
O nascimento do menino marcou uma fase de mudança na vida de Bia. Foi a transição da mulher que vivia quase sem amarras, para a mãe que precisava se dedicar ao filho pequeno e que após a separação virou mãe-solo, o que dobrou o trabalho.
Hugo não sai da cabeça da mãe, nem mesmo quando ela precisa planejar os próximos passos do dia. Indo para um dos compromissos na agenda que cumpriu em Florianópolis na última semana, ela é lembrada pela assessora e “braço direito e esquerdo” Josiane Fátima de Souza, 34 anos, que esqueceu de botar a máscara que transformaria o filho no homem-aranha. Era dia de ir fantasiado para a pré-escola.
— Putz, é verdade — exclamou Bia franzindo os olhos.
O item ficou de fora da mochila arrumada por ela antes de sair de casa para cumprir agenda em Florianópolis. Ajustar os materiais do filho é um dos rituais que ela mantém como tradição para uní-los. Outro deles é o carinho diário feito por Hugo nos cachos da mãe antes de dormir.
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Além de Hugo, o fã-clube de Bia também tem outros membros da família. Seu pai Osvaldo, que já concorreu a cargos públicos e hoje é filiado ao MDB, ficou com lágrimas nos olhos ao falar sobre a filha em um evento para apoiadores. Com feijoada no cardápio, o encontro foi feito em Içara na casa da família. O patriarca dos Vargas tomou o microfone e disse aos presentes que acreditava no poder da filha.
Bia diz que o pai não interfere nas escolhas políticas dela e nem foi por ele já ter disputado eleições que ela resolveu entrar na vida política. Mas, é generosa ao descrever a sabedoria de Osvaldo. Negro como ela, a candidata conta que foi com ele que contribuiu em seu aprendizado sobre racismo estrutural. Diz que o pai traz essa pauta em suas falas.
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Outra a contar com orgulho da candidata é Josy, sua assessora, amiga, confidente, cunhada e “irmã’. A dupla está junta há cerca de 10 anos desde que o irmão de Bia casou-se com Josiane.
Ao sentar para almoçar, Bia pede uma Coca-Cola e dois copos sem gelo, a metade da lata, avisa ela ao garçom, é para a assessora que aceita a divisão sem nem titubear. Estão acostumadas a dividir o refrigerante e as 24 horas do dia na companhia uma da outra. Quando a candidata conta uma história, é Josy quem completa com os detalhes com mais precisão muitas vezes que a própria Vargas.
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Josy também ajuda Bia na produtora de eventos e na empresa de cestas de café da manhã que ela mantém até hoje. Enquanto a candidata cuida da montagem e lida com os organização, a assessora ajuda a pôr em prática todo o combinado.
Além do planejamento da campanha, a dupla está trabalhando em um casamento marcado para 5 de novembro. A festa foi encomendada antes da pandemia, mas só poderá ser feita neste ano.
Vida em SP e volta para SC
Enquanto era acompanhada pela reportagem, Bia conseguiu um espaço na agenda para fazer as unhas e a sobrancelha. Escolheu o esmalte vermelho e sentou-se para o atendimento em uma das cinco poltronas enfileiradas na parede do salão. Com o movimento que fazia com as mãos para que a manicure pudesse trabalhar deixava a mostra a tatuagem de um “B“ que tem em um dos braços. Ao todo, tem quatro. A última delas foi feita há oito anos no quadril.
Enquanto é atendida, lembra da vida em São Paulo no auge dos 20 anos. Saiu de Santa Catarina e se mudou para o estado para seguir carreira de modelo, mas trabalhou como anfitriã de eventos e chegou a ter uma importadora de vinhos ao lado de uma amiga. Fala que para entender de vinho é necessário estudo contínuo, coisa que não faz mais. Contudo, indica três ou quatro rótulos que gosta, mas lembra que “vinho é questão de paladar”.
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A volta de São Paulo para Santa Catarina aconteceu quando a mãe morreu de infarto em 2010. Escolheu retornar para a casa na condição de única mulher da família — tem dois irmãos e três primos criados como irmãos. Sentia como se precisasse assumir o papel da matriarca. Hoje, ao lembrar da história, é crítica com si mesmo e culpa o machismo pela necessidade de cuidar do lar. A fala é interrompida pela manicure Nami. Venezuelana recém chegada ao Brasil, ela diz que é médica e que sonha em atuar na profissão no país. Pede desculpa pela intromissão e fala que se identificou com Bia, pois também faz de tudo pela família.
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Depois da camada extra-brilho e óleo, as unhas de Bia estão vermelhas e reluzentes, cor simbólica para o Partido dos Trabalhadores. O próximo compromisso da agenda estava previsto para às 18h, o que dava um tempo para descanso rápido no apartamento onde está instalada no Centro de Florianópolis.
Bia diz que o que quer após o fim da campanha é organizar seu guarda-roupa, ficar longe do celular por pelo menos uma semana e ler um livro por prazer.
— Ganhei tantos durante a campanha e não tenho tempo para ler nenhum deles — afirma.
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