Faz pouco que as questões de gênero chegaram nas conversas do dia a dia, mas do mundo da moda elas participam há bastante tempo. Essa indústria sempre foi receptiva a ideias transgressivas, que desafiam os limites da autoexpressão.
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Agora, mais do que nunca, é possível perceber que a cada coleção se atenuam os limites entre o feminino e o masculino, um reflexo das discussões sobre gênero que invadiram o mundo da moda.
– Inclusão e diversidade são duas palavras-chave e, nesse sentido, a igualdade entre os sexos se torna fundamental – explica Lilian Pacce, jornalista e aprestadora do GNT Fashion. Confira a entrevista completa no fim desta matéria.
Androginia
Um dos movimentos mais populares da moda é chamado de andrógino, termo do qual o mundo fashion se apropriou para criar composições que pegam peças emprestadas do guarda-roupas do gênero oposto, como foco em pessoas que se identificam, ao mesmo tempo, com os dois gêneros.
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As composições andróginas misturam elementos femininos e masculinos e se tornaram recorrentes no mundo da moda. Marcas como Louis Vuitton e Gucci se destacaram não apenas por trabalhar o conceito de forma inédita, mas também pelos desfiles com castings compostos tanto por homens quanto mulheres representando coleções femininas, sem nenhum preconceito.
O movimento andrógino é a maior prova de que a distinção de gêneros está cada vez mais sutil no mundo fashion. E se a moda reflete comportamentos e tendências sociais, era questão de tempo até outra moda ganhar força: a sem gênero.
Moda sem gênero
Debates aquecidos sobre questões de gênero e campanhas de marcas como Calvin Klein também contribuíram para que a ideia de moda sem gênero retornasse às passarelas e araras. A proposta é de acabar com os limites do que é masculino e feminino, a favor da livre expressão. Sob essa perspectiva, o gênero deixa de ditar o que as pessoas devem vestir. As peças são pensadas para pessoas reais, respeitando a individualidade e particularidade de cada corpo.
Para alguns, pode parecer que se trata de um conceito novo. Mas não é.
– A ideia de que homens e mulheres se transformariam, no ponto de vista da aparência, em uma amálgama de seres sem distinção de gêneros, teve seu ápice na segunda metade de 2010. Ela foi inserida num contexto mais amplo, era contra o binarismo de gênero – explica a professora especialista em moda Ilma Godoy.
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Tanto a moda andrógina quanto a moda sem gênero são movimentos que representam algum apelo social. A princípio, os conceitos de moda sem gênero e de moda andrógina podem se parecer. Afinal, o mundo da moda já passou por diversos períodos em que as fronteiras entre o feminino e o masculino se esmaeceram e mudaram a forma como as pessoas encaravam o vestir.
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Desafiar padrões
Um grande exemplo de quebra de paradigma é o trabalho de Coco Chanel, que, insatisfeita com a limitação dos vestidos pesados e sufocantes que as mulheres usavam nos anos 1920, propôs uma nova roupagem feminina que trazia leveza e fluidez. Mais tarde, incorporou elementos masculinos ao vestuário feminino, como blazers, camisas, calças e influências navy. O feito revolucionou a indústria da moda na época e, em pouco tempo, revolucionou a maneira como as mulheres se vestiam.
No meio artístico, a vontade de desafiar padrões estéticos parece ser mais evidente. Artistas como David Bowie, Kurt Cobain e, mais recentemente, Jared Leto, chamaram atenção por adotar vestidos ou saias como parte do visual, cada um representando um movimento diferente do seu tempo, com propostas e apelos individuais.
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O movimento de Chanel e dos músicos têm em comum o desejo de fazer diferente, de questionar regras e reforçar o papel da moda como instrumento de expressão pessoal. Mas se a moda é premeditada por tendências sociais, o que define a sem gênero é outro conceito.
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– Quando observamos um movimento, é importante perceber o contexto sociocultural em que ele está inserido. A forma como o Kurt Cobain usou vestido era muito diferente da questão do agênero. O contexto sociocultural de agora é muito mais amplo, tem a ver com quebra do conceito masculino e feminino, com a livre expressão de identidade de gênero, com a ressignificação da família, da sexualidade – diz Ilma.
A moda sem gênero é muito mais do que apenas um sinal estético da nossa época. Ela tem o papel de questionar arquétipos sociais de uma forma intensa, preenchendo uma lacuna do mercado da moda ao atender um público que, até pouco, se via desamparado.
– As pessoas sem gênero adotam linhas tênues ou até uma fusão entre o feminino e o masculino em sua identidade. Uma pessoa pode ser genderfluid, ou seja, flexível sobre sua identidade de gênero, transitando pelo feminino e pelo masculino. Enquanto uma pessoa agênero é aquela que se identifica como sem gênero. A moda sem gênero é um posicionamento, uma forma de se expressar e de questionar valores como o binarismo, o papel do homem e da mulher.
Para o colunista de moda Lucca Koch, o público jovem impulsiona uma nova maneira de ver a roupa. E essa forma é percebida e absorvida pelas novas confecções:
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– É sempre o desejo do público que aponta para a indústria o que ela deve fazer e quais necessidades deve suprir.
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Mudanças que geram polêmicas
O retorno da moda sem gênero desperta interesse em assuntos que antes não tinham espaço, como a pregação contra o binarismo, o abandono de marcadores distintivos de gêneros e o questionamento sobre as cores certas para crianças, por exemplo, como a ideia de que o rosa é uma cor feminina e o azul, masculina. Estes temas, por proporem novas formas de pensar, estimulam polêmicas e discussões acaloradas, especialmente em esferas mais conservadoras. Por trás do movimento, a proposta é lutar contra as discriminações de todo o tipo.
– No fundo, as pessoas estão cada vez mais querendo se libertar de certos códigos pré-estabelecidos. A moda sem gênero surge para quebrar paradigmas, abraçar a diversidade e mostrar que a moda é livre, independentemente de quem seja o público final – pontua Koch.
Tudo isso quer dizer que vamos deixar o binarismo da moda de lado? Não. O objetivo do movimento é criar um ambiente confortável para que pessoas possam ser quem são, fiquem livres de limitações e encontrem na moda uma forma de expressar ao máximo a sua personalidade. A proposta da moda sem gênero é quebrar preconceitos e abrir espaço para que todas as pessoas sejam aceitas e respeitadas.
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A jornalista, consultora de moda e apresentadora do programa GNT Fashion, Lilian Pacce compartilhou sua visão sobre o retorno da moda sem gênero às passarelas. Confira o bate-papo com a especialista.
Como você define o conceito de moda sem gênero e o que acha que originou o surgimento dele?
Estamos vivendo um momento de transformação, capitaneado pela geração millennial. Inclusão e diversidade são duas palavras-chave e, nesse sentido, a igualdade entre os sexos se torna fundamental. Por isso, o “unissex”, que surgiu nos anos 1960 na rabeira do movimento de libertação feminina, volta agora como “genderless” ou “agênero”, para expressar também o desejo de equidade entre os sexos e, por que não, o empoderamento feminino.
O que acha que esse retorno da moda sem gênero traz de novidade?
Os movimentos sociais são cíclicos. Essa questão volta a ter relevância mas num outro contexto, numa sociedade diferente de 50 anos atrás, supostamente mais evoluída. E no entanto com muitas conquistas sociais a alcançar.
Qual sua visão sobre a moda sem gênero voltada para a infância? Ainda há uma distinção muito grande entre “roupa de menino” e “roupa de menina”?
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Acho muito importante a disseminação da moda sem gênero na infância, para não haver muita distinção. A restrição do azul para meninos e do rosa para meninas já provoca um preconceito na mais tenra idade, quando sabemos que cores não têm sexo. E o mundo, hoje, apesar de hiperconectado, vê surgir radicalismos importantes quando o ideal seria essa conexão gerar mais empatia e respeito entre pessoas diferentes.
Como compor um estilo próprio vestindo moda sem gênero?
Quem tem estilo, tem até vestindo uma camiseta branca com calça jeans, bem básico!
Como as marcas podem fazer algo criativo com moda sem gênero sem deixar de ter personalidade e traços próprios?
A marca só deve abraçar o conceito do sem gênero se, de fato, ela se identificar com isso. É preciso ser fiel e genuíno consigo próprio e com seu consumidor para criar uma imagem coerente e clara.