O números de mortes em confrontos policiais em Santa Catarina mais que dobraram em quatro anos no Estado. É o que apontam dados da Gerência de Estatística e Análise Criminal da Secretaria de Estado da Segurança Pública, obtidos pela NSC TV. Os dados mostram que, em 2022, foram 44 mortes, enquanto em 2025, de janeiro até dezembro, a letalidade policial chegou a 96 mortes contabilizadas.
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Os números mostram um aumento ano após ano no número de mortes, com 44 mortes em 2022; 80 em 2023; uma leve queda em 2024, com a letalidade chegando a 79 óbitos; e, em 2025, nova alta, com 96 mortes registradas até esta quinta-feira (18). Se forem levados em considerações apenas os dados de 2024 e 2025, o aumento chegou a 21,33%. Em outubro deste ano, as mortes já haviam ultrapassado o total registrado durante todo o ano de 2024.
Os números vão na contramão da redução na ocorrência de homicídios em geral, que excluem as mortes em confronto. De um ano para o outro, a queda foi de 15,35%, com 456 mortes em 2024 e 386 homicídios registrados até dezembro de 2025.
Fonte: SSP/SC
População de comunidades protestou contra mortes
Entre os mortos estão pelo menos dois adolescentes de comunidades de Florianópolis. Hudson Pinheiro Martins Cipriano tinha 17 anos quando descia o Morro do Mocotó, onde morava, na noite do dia 12 de dezembro, e foi morto a tiros pela Polícia Militar. Segundo a corporação, as guarnições trabalhavam em uma operação coordenada contra o tráfico de drogas e a atuação de facções criminosas quando o adolescente teria entrado em confronto com os policiais e, para “cessar a injusta agressão”, foram feitos disparos contra ele.
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Contudo, moradores da comunidade e familiares de Hudson rebatem a versão da polícia e afirmaram que o jovem não tinha envolvimento com qualquer tipo de crime e que ele estava desarmado no momento que foi ferido. Segundo uma pessoa que vive na comunidade e afirma ter passado pelo local do crime logo após a ocorrência, Hudson não usava balaclava, como afirmou a PM, e estava com a camisa levantada logo após o crime, sem nenhuma arma à mostra.
Já em setembro, um adolescente de 16 anos também foi morto a tiros dentro do próprio quarto no bairro Monte Cristo, na região continental de Florianópolis, durante uma ação policial.
Em ambos os casos, a população se revoltou com a letalidade policial, fazendo protestos pelas vidas dos jovens. Segundo o doutor em Ciências Sociais e pesquisador da história das polícias, Almir Felitte, os protestos focam para além das mortes dos jovens, com um pedido de mudança para a política de segurança pública nas comunidades.
— Quando essas comunidades se organizam para protestar contra a morte de um dos seus jovens, eles estão dizendo em alto e bom som que parem de nos matar […]. Estão dizendo, em outras palavras, que eles não querem uma política de segurança pública que seja também ela parte do problema — disse.
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De acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Dessa forma, conforme o documento, os agentes de segurança têm o dever de proteger a vida.
Nos casos citados, a PM justificou como legítima defesa, argumento utilizado frequentemente em casos envolvendo mortes em confronto. Para o promotor de Justiça Jádel da Silva Junior, titular da 40ª promotoria de Justiça da Capital, um dos pontos em que é necessária atenção, é a investigação dos episódios. É a forma como os episódios são investigados.
— Quando ocorrem essas mortes, quem investiga é que o fator determinante. Em Santa Catarina, quem tem investigado é a própria Polícia Militar, envolvida no confronto, mas também identificamos uma investigação paralela da Polícia Civil e verificamos também que há sempre respostas e conclusões conflitantes entre essas duas polícias — afirmou.
Câmeras corporais
O retorno das câmeras corporais utilizadas por policiais também são vistas como alternativas apontadas por especialistas para entender como a atuação das polícias ocorre no Estado. O programa foi interrompido em setembro de 2024 após alegações de problemas operacionais e falta de recursos financeiros.
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O diretor de Assuntos Penais da OAB/SC, Guilherme Silva Araújo, afirma que as câmera “já se mostraram ao redor do país como um instrumento efetivo um recurso efetivo por controle da violência da letalidade policial”.
— Até mesmo como um instrumento de provas de produção de provas para persecução penal e de própria garantia do agente policial em relação a eventuais denúncias infundadas dentro da sua atuação — afirmou.
Como tentativa para a volta do uso dos equipamentos, a Defensoria Pública do Estado firmou, em setembro, um acordo que visa garantir a retomada do uso de câmeras corporais pela Polícia Militar. O Estado terá que apresentar, em até 90 dias, estudos técnicos sobre a retomada do programa e, em até 180 dias, as conclusões sobre como será feita a nova implementação. O prazo vai até março de 2026.
Aumento no número de operações
A Polícia Civil afirma que a alta das mortes em confrontos envolvendo seus agentes também está relacionada ao aumento do número de operações. O diretor-geral do gabinete da Delegacia-geral da Polícia Civil, Marcelo Nogueira, afirma que as guarnições tentam evitar ao máximo o confronto.
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— Naquele ano a Polícia Civil desencadeou pouco mais de 500 operações. Cada operação envolve risco, possibilidade de confronto, isso a ser considerado no cenário. Em 2024, o número de operações da Polícia Civil saltou para mais de 900. […] Em 2025 nós ultrapassamos 1,6 mil operações só da Polícia Civil, então é evidente que a possibilidade de confronto é maior estatisticamente, numericamente falando — apontou.
Nogueira ainda lamenta “qualquer morte que haja numa operação policial”
— O objetivo de uma operação policial na Polícia Civil é ou buscar provas para o inquérito policial, ou prender um criminoso que já está com mandado de prisão com uma ordem judicial de prisão — afirmou.
Para o secretário adjunto da Segurança Pública, Cel. Sinval Santos da Silveira Junior, a opção do confronto nunca vem do policial.
— Ele se encontra com o marginal em algum local, e o marginal tem duas opções: ou ele se entrega, ou ele puxa uma arma para o policial. Neste caso, o nosso policial é altamente treinado para voltar para casa vivo. […] A maior parte dos nossos resultados é o da prisão. Aqueles que resolvem confrontar a Polícia Militar ou a Polícia Civil, tem que arcar com as consequências — disse o secretário adjunto.
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O que diz a PM
Em nota, a Polícia Militar afirmou que “as ações policiais são realizadas no intuito de preservar a ordem e proteger a vida dos catarinenses”. Além disso, também disse que “Santa Catarina recentemente foi indicado como o Estado mais seguro do país e Florianópolis como a Capital mais segura”.
Sobre as câmeras corporais, a Polícia Militar também disse que “não há relação às ações operacionais da PMSC, com ou sem câmera corporal, com os resultados a que o suposto levantamento a que a reportagem se refere”.


