Aos 38 anos, Karen Cristina da Rosa Ramos é uma referência no bairro onde vive em Lages, na Serra catarinense. Mesmo sem ocupar um cargo público, é a recicladora que luta para garantir os direitos e itens básicos para os moradores que vivem na comunidade.
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— É uma comunidade muito carente. Eles são carentes de roupa, de cama… eles moram na beirada do rio. Eu fico de certa forma feliz por ter alguém pra lutar por eles como mulher, mas ao mesmo tempo eu fico triste porque eu não posso fazer muito — conta.
A lageana é só uma das 2.881.284 eleitoras que estão aptas a votar em Santa Catarina em outubro de 2026, segundo dados do TSE. As mulheres, atualmente, representam 52% do eleitorado catarinense. Em cidades como Lages e Criciúma, por exemplo, o número é maior que a média estadual, com 53,04% e 53,09% dos votantes sendo do sexo feminino, respectivamente.
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No entanto, os dados não representam o que é visto nas bancadas catarinenses. Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), entre os 40 deputados estaduais, apenas três são mulheres. Na Câmara dos Deputados, dos 16 federais, cinco são mulheres (31,25%).
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A história também nos mostra a falta de representatividade feminina nas decisões para os catarinenses. Apesar de Santa Catarina ter se destacado por ter eleito Antonieta de Barros em 1934 para o cargo de deputada estadual — ano esse em que, pela primeira vez, mulheres puderam votar no Brasil — a Alesc nunca teve uma mulher presidindo a Casa. Além disso, nunca houve uma governadora mulher eleita.
Em âmbito federal, o Estado só foi ter uma senadora mulher em 1979, quando Maria Syrlei Donato foi eleita. Depois dela, apenas outras três ocuparam o cargo nos últimos 45 anos.
— Se fôssemos seguir uma regra da representação proporcional por gênero, ou seja, se mulheres votassem em mulheres, nós teríamos algo em torno de 50% das representantes políticas do sexo feminino. O voto feminino é permeado por uma série de variáveis para além da própria questão do gênero, o que historicamente tem se materializado numa sub representação feminina nas instâncias de decisão — diz o professor de Sociologia da UFSC, Julian Borba.
— Antonieta de Barros é um caso que fez de Santa Catarina uma referência nacional, mas ao mesmo tempo não ganhou um acúmulo, na medida em que nos dias atuais a gente não vê o aumento de mulheres negras ou de mulheres na política — complementa Glaúcia Fraccaro, professora do Departamento de História da UFSC.
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E as próprias mulheres percebem o quanto a falta de representatividade impacta no credo na política, como salienta a recicladora Karen Cristina da Rosa Ramos:
— Eu gostaria que tivesse uma Cris lá no poder, que enxergasse as coisas da forma que eu vejo, porque a gente sente na pele o que a gente passa. Não foi porque fulano disse, foi porque eu passei, porque o meu filho passou, porque o meu vizinho passou. [Ter alguém lá] para poder fazer algo pela gente, porque eu me sinto representada.

A mesma visão é compartilhada pela advogada e empresária Andrea Sessim. Ela mora em Balneário Camboriú, a cidade catarinense que tem o maior número de eleitoras mulheres do Estado: elas representam 54,51% do eleitorado. Apesar disso, foi apenas no ano passado que o município litorâneo elegeu pela primeira vez uma mulher como prefeita.
— Eu acredito que a gente deveria se manifestar mais e representar mais, mas eu acredito que deve ter um número muito baixo, porque a mulher tem aquelas outras responsabilidades: ela é mãe, tem filhos, tem a casa e muitas tarefas para cuidar, fora seu próprio trabalho. […] Essa visão é uma coisa que eu acho que já vem do nosso passado, que parece que só o homem é aquele poder que teria condições de representar [um grupo]. Mas eu acredito que é possível quebrar esse paradigma — salienta.
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A cidade que quebrou estatísticas
Com 3.593 habitantes, Anitápolis, mostra que é possível aumentar a presença feminina na política por meio do poder do voto. O município da Grande Florianópolis, além de contar com uma prefeita mulher, das nove cadeiras da Câmara de Vereadores, cinco são ocupadas por vereadoras — uma realidade diferente de outras 37 cidades catarinenses onde nenhuma mulher foi eleita para o cargo no legislativo em 2024.
— Em 2021, entrou eu e mais uma colega. Nessa última eleição [de 2024], fomos cinco vereadoras votadas, fomos as cinco mais votadas. Nenhuma entrou por legenda. Realmente é uma classificação. As cinco mulheres estão em primeiro — pontua Marcelli Mates (Podemos), presidente da Câmara de Vereadores de Anitápolis.

Porém a prefeita da cidade, Solange Back (MDB), detalha que sofreu represálias durante a campanha, tendo que lidar com piadas e comentários machistas. Apesar disso, reforça a importância e o papel que a mulher tem na política.
— O mundo da política ainda é muito machista. Nós somos poucas mulheres. Eu acho que a política precisa da mulher. Eu acho que a mulher, ela não tem que ter a cota, ela tem que ter cadeira, porque só a partir do momento que ela tiver uma cadeira, tanto nas Câmara de Vereadores quanto nas assembleias, nós vamos conseguir avançar na representatividade feminina. E fico muito feliz por Anitápolis ser um exemplo para o Brasil — salienta.
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O que diz a lei de cota de gênero
Atualmente, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) exige que partidos assegurem o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidaturas de cada sexo. No entanto, o Projeto de Lei Complementar n° 112, de 2021, que trata do novo Código Eleitoral prevê a reserva de 20% das cadeiras da Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais para mulheres. Caso esse percentual não seja cumprido, haverá substituição de candidatos homens por mulheres. Atualmente, o texto segue em análise no Senado.
Enquanto novas regras não são aprovadas, o TRE-SC tem lançado campanhas para incentivar mulheres a participarem da política, como o Acorda Mulher.
— A justiça eleitoral tem estimulado a participação do voto feminino em programas, por exemplo, como o Acorda mulher que incentiva a participação política das mulheres na candidatura. Quanto à participação e a escolha da representatividade de mulheres, no jogo partidário, a Justiça Eleitoral têm interesse na representatividade e que a pessoa possa votar em quem quiser. Então, são políticas públicas que estimulam a participação, a reflexão e a escolha das pessoas nos seus candidatos e candidatas — explica Carlos Valério Gerber Wietzikoski, coordenador da Gestão do Cadastro Eleitoral do TRE-SC.
Radiografia do eleitorado de SC
A série de reportagens “Radiografia do eleitorado de Santa Catarina” é uma parceria entre o NSC Total e a NSC TV. Divido em três matérias, o especial mergulhou, com o apoio de dados, nos detalhes do eleitorado de Santa Catarina, suas características e o peso que o eleitor tem nas escolhas para cargos públicos, já mirando as eleições de 2026.
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FICHA TÉCNICA
- Reportagem: Luana Amorim
- Produção: Elaine Simiano, Rafaela Cardoso, Mateus Barreto, Simone Philipsen, Claúdia Pletsch, João de Carvalho, Reginaldo de Castro e Luís Casagrande
- Imagens: Patrick Rodrigues, Alessandro Carrer, Josué Betim, Matheus Castro, Gabriel Marques, Heverton Ferri e Lucas Mendes
- Infográficos: Ben Ami Scopinho
- Edição: Augusto Ittner e Léo Laps
- Coordenação: Raquel Vieira
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