De chapéu claro no meio de uma plantação no interior de Santa Catarina, calçando coturnos, a passos lentos e um olhar atento para o solo, Edgar Baldo, de 56 anos, parece um agricultor dedicado. Por trás da caminhada sem pressa, porém, há uma intenção totalmente diferente do que a imagem comunica. Baldo na verdade é um conhecido policial civil de Laurentino, no Alto Vale, que tem como hobby predileto a busca por objetos históricos.
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Um dos cinco filhos de um casal de professores de Rio do Sul, Baldo sempre gostou de coisas antigas. Interessado pelo passado da família e da própria região, deixou a curiosidade levemente adormecida durante um tempo. Entrou para a Polícia Civil de Santa Catarina há três décadas, sendo o ofício desempenhado em Laurentino o primeiro e único emprego da vida dele.
Formou-se em Pedagogia, casou-se, tornou-se pai de uma menina. A rotina se dividia entre o trabalho, a família, as atividades na igreja, as leituras e o passatempo por adquirir móveis antigos. Baldo sempre acreditou na polícia comunitária, prova disso é que tem um contato muito direto com os moradores. Figura respeitada no município de pouco mais de 8 mil habitantes, quando se deu conta percebeu que o amor pelo trabalho acabou se conectando com a paixão pela História.
— As pessoas encontram objetos e me avisam — comenta.
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Em 2008 começaram as incursões pelas matas e terrenos agrícolas. Desde então, apenas quando precisou enfrentar dois cânceres é que houve uma pausa do lado desbravador. Os anos de idas à floresta e plantações com mochila nas costas, facão na cintura, garrafa de água, protetor solar, corda, repelente e um olhar clínico renderam a Baldo cerca de 600 objetos. O enorme acervo foi doado ao município e fica no museu do Alto Vale, que será transferido para o terreno onde está a estátua gigante de Nossa Senhora das Graças, também em Laurentino. A data para a mudança ainda não foi definida, informou a prefeitura.
Baldo decidiu voltar à faculdade e cursou História. Assim, pôde catalogar as descobertas com mais propriedade. Com entusiasmo e detalhes guardados na memória com facilidade, conta que os objetos mais antigos que já localizou na região foram as pontas de flechas. Ao que tudo indica, esses pequenos instrumentos lapidados com uso de ossos e chifres de animais serviam como ferramenta de caça para os indígenas.
Eles são datados em mais de 9 mil anos, já que testes com carbono 14 na Gruta do Tigre, em Rio do Oeste, constataram a existência de humanos na região nesse período. Por serem de pedra, sobreviveram ao tempo para contar a história não escrita. Cada achado teve um significado para o policial historiador, que não se arrisca a dizer qual a peça favorita.
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— Aqui havia muitos grupos diferentes (de indígenas). Os caçadores-coletores não permaneciam. Depois vieram os sedentários, que se estabeleceram e plantaram — explica.
Assista ao vídeo feito com o policial Baldo
Vestígios de aldeias e das plantações antigas foram encontrados pelo policial. Como os materiais feitos por cipós, taquaras ou fibras vegetais não resistem ao tempo, são majoritariamente as ferramentas em pedras que garantem a constatação da existência dos povos originários no Alto Vale, como as pontas de flechas e ferramentas para agricultura.
Com as “investigações” fora do expediente, Baldo encontrou dezenas de sítios arqueológicos que atualmente são plantações de diferentes alimentos. Em uma delas, na vizinha Rio do Oeste, quase 120 pontas de flecha foram recolhidas. As saídas a campo ocorrem, em média, a cada dois meses e normalmente Baldo escolhe os dias de folga ou de férias para as aventuras.
Quem quiser ajudar a aumentar o museu de Laurentino pode avisar o policial caso encontre objetos antigos em qualquer lugar do Alto Vale. O WhatsApp para contato é o (47) 9 97159682.
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