A composição “Poncho Miliquero” foi a grande vencedora da 31ª Sapecada da Canção Nativa, encerrada na noite deste domingo (15), em Lages, durante a 35ª Festa Nacional do Pinhão. 

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Com letra de Evair Suarez Gomez e música de Juliano Marciom Gomes Ávila, ambos de Santana do Livramento (RS), a obra foi interpretada com emoção por Pirisca Grecco, que também recebeu o prêmio de Melhor Intérprete.

A letra comovente, que narra o gesto de um pai que troca seu poncho de estimação por material escolar para o filho, arrancou aplausos e lágrimas do público no calçadão central de Lages, novo palco do festival. A composição toca em uma realidade familiar comum, marcada por renúncias silenciosas em prol do futuro dos filhos.

— Há 25 anos eu venho aqui. Eu sou das gerações mais antigas que participam da Sapecada. Foi uma Sapecada incrível, é o meu tricampeonato. O discurso convence, mas o exemplo, ele arrasta. Eu espero, do fundo do coração, ser referência para alguma criança que esteve na plateia —disse o intérprete, Pirisca Grecco. 

Premiações e destaques da noite

Além da campeã, outras composições também se destacaram:

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— É uma letra que eu não gostaria de ter escrito, mas, infelizmente, a gente acaba tendo que escrever. Fico muito feliz pela visibilidade que isso tomou e como as pessoas estão reconhecendo isso como uma verdade. Eu acho que a identidade cultural de um povo, a cultura que envolve tudo isso, é algo mais valioso que qualquer outra coisa. A composição se chama Coxilha Pobre e fala justamente disso, de estarmos perdendo os nossos campos para a monocultura, principalmente do pinus. Essa mensagem precisa chegar até as pessoas, para que tenham poder e autonomia para mudar essa realidade. Não adianta a gente estar aqui, no ano que vem, falando sobre os campos, sobre um cavalo, sobre um galpão, se a gente não vai ter mais nada disso para as futuras gerações verem — explicou o autor da letra, Luiz Pedro Zambam.

3º lugar: “Rabisco” – José Maurício Rigon (letra) e Joca Martins (música e interpretação), vencedor também na categoria Melhor Melodia

— Cada edição é um aprendizado pra gente, especialmente pra mim, que já sou dos veteranos, e eu posso aprender com a gurizada. O próprio pessoal que me acompanha também na estrada são jovens. Então eu fico muito feliz, porque eu venho aqui, me renovo, me desafio. Estar no palco cantando uma música inédita é um desafio para o intérprete, mesmo com estrada, a gente fica nervoso, quer fazer o melhor. Então eu saio daqui com um aprendizado e com um carinho maravilhoso desse público, que é incrível — revelou Joca Martins. 

Veja imagens da premiação

Outros premiados

  • Melhor Tema Campeiro: “Rima Guaxa” – Francisco de Assis Morador Brasil (letra) / Gabriel Jardim (intérprete)
  • Melhor Arranjo: “Presilha de um Laço” – Marcelo Mendes (letra), Odair Teixeira (música) e Juliana Spanevello (intérprete)
  • Melhor Letra: “Sem Temer da Própria Sorte” – Fábio Maciel (letra), interpretada por André Teixeira e Roberto Borges
  • Melhor Instrumentista: Rodrigo Maia (baixo), em “O Bugio Ressuscitado”

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Mudanças de local e data impulsionaram o festival

Com o evento transferido para o coração da cidade e realizado no fim de semana, a Sapecada teve recorde de inscrições, mais de 700 composições, e uma participação expressiva do público. Segundo a Polícia Militar, cerca de 25 mil pessoas circularam pela Praça João Costa ao longo do domingo.

Sobre a inspiração da campeã

O poncho miliquero, também conhecido como poncho pátrio, era tradicionalmente parte do fardamento militar em regiões do pampa uruguaio e argentino. A composição homenageia esses objetos carregados de história e valor afetivo, ressignificando-os como instrumentos de resistência e amor familiar.

Segundo os autores, a música foi inspirada no esforço silencioso de pais que abrem mão do pouco que têm para garantir a educação dos filhos, um retrato fiel da realidade de muitos brasileiros. O “poncho” trocado na venda por cadernos e lápis simboliza esse gesto simples, mas poderoso, de quem carrega nos ombros o peso do sacrifício e da esperança.

Letra na íntegra – “Poncho Miliquero”

Este poncho miliquero, dormindo por sobre a anca

Basteriado das andanças, ungido a fogão tropeiro

Desbotado o azulego, poncho véio do estado

Anda lobuno, já pardo, dando pouso pra’os “aujeros”

Este poncho miliquero, que entrego pra o bolicheiro

De garoas e pampeiros, tem de sobra pra contar

Foi parte do pagamento, por essas coisas da vida

Já me serviu de guarida, hoje pra o guri estudar

Este poncho miliquero, lhe troco por material

Um cadernito comum, desses sem o aspiral

Anda escasso o peão mensal, tudo é na volta da changa

Essa bombacha paysana, me acolhera com a alpargata

Lápis de cor, uma borracha e um tubito de tenaz

Com este poncho, quanto mais material levo por ele?

A mochila na parede, quanto falta pra eu levar?

Peão de tropa, capataz, alambrador ou caseiro

Peão pra cima dos arreios, peão por dia, tanto faz…

Este poncho miliquero, que ganhei faz muito tempo

Lhe entrego, seu Manoel Bento, em troca de material

Lápis de cor, borracha, caderno sem aspiral

Um tubito de tenaz, mochila, umas alpargatas

Era o que fazia falta… outro dia volto por mais!

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