Depois de conquistar os prêmios de melhor diretor e melhor ator no Festival de Cannes — um feito raro para um mesmo filme —, O Agente Secreto, novo longa de Kleber Mendonça Filho, chegou aos cinemas brasileiros nesta semana, cercado de expectativa. Assim como Ainda Estou Aqui, que deu a Fernanda Torres uma indicação de melhor atriz e levou o Oscar de melhor filme internacional neste ano, o longa desponta como outro forte candidato brasileiro a repetir o sucesso na premiação do ano que vem.
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Embora ambos tratem da ditadura militar e se passem nos anos 1970, as duas obras têm abordagens diferentes. Enquanto Ainda Estou Aqui acompanha o drama íntimo de uma família destruída pelo regime que entra pela porta da frente, com soldados e sequestros, O Agente Secreto traça uma colcha de retalhos com as faces mais sutis da repressão e da corrupção no cotidiano de uma cidade do Nordeste.
Ambientado em Recife em 1977, o filme acompanha Marcelo (Wagner Moura), um professor especialista em tecnologia que retorna à cidade natal para reencontrar o filho único. Aos poucos, ele descobre o tamanho da sombra da perseguição política que o cerca e como ela se origina num lado mais sutil da ditadura: o conluio entre uma estatal e um empresário poderoso interessado em desmontar projetos de universidades públicas para favorecer interesses privados.
Na trama, a corrupção aparece nas frestas da vida comum — na repartição pública que abre às cinco da manhã para atender a elite, nos policiais que executam presos por diversão, no médico do IML que aceita propina. Mas o filme também encontra acolhimento e resistência na força de Dona Sebastiana (Tânia Maria, em atuação excelente) e na alegria popular dos cinemas de rua, do carnaval e da fantasia de “La Ursa”, que assombra e diverte o protagonista.
A recriação de época impressiona. Com cenários grandiosos e figurinos inspirados em fotos de famílias recifenses, O Agente Secreto tem “cara e cor” do Brasil de 1977. A trilha sonora é também um destaque, com músicas nacionais e internacionais que ajudam a marcar as mudanças de tom no filme.
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As tramas paralelas — como a dos policiais corruptos e a da perna humana encontrada na barriga de um tubarão — dão textura à história, mesmo que possam confundir quem espera uma narrativa mais linear. A motivação da perseguição ao protagonista, por exemplo, pode ser confusa ao grande público e poderia ser explicada de forma mais clara. Ainda assim, a densidade das diferentes histórias é justamente o que dá o “molho” a O Agente Secreto
Na reta final, O Agente Secreto deixa mais claro qual é o principal assunto trabalhado pelo diretor desde o início do filme: memória. Filho de uma historiadora, Kleber Mendonça Filho está interessado em discutir a importância da História com H maiúsculo, que resgata, pesquisa e joga luz sobre assuntos do passado muitas vezes ignorado. O filme defende isso na narrativa, mas também na forma, ao reconstituir em detalhes um Brasil vivido na pele pelo próprio diretor, com todas suas alegrias, desafios, contradições e “pirraças”.
Ainda é cedo para dizer se O Agente Secreto ganhará indicações ao Oscar. Mas mesmo que não conquiste nenhuma estatueta, é inegável que, junto com Ainda Estou Aqui, o filme já é protagonista de um momento inédito do cinema brasileiro — em que nossas histórias particulares e universais, sutis e arrebatadoras, ganham os holofotes do cinema mundial.
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