O preço dos hotéis para a COP30, em Belém, tem gerado um mal-estar diplomático. Isto porque, a pouco mais de três meses para a convenção, um grupo de 25 negociadores assinaram uma carta pedindo para que o evento aconteça em outro local no Brasil. A justificativa é de que os valores estariam abusivos, o que impediria que representantes de diversos locais fossem enviados. No entanto, o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, negou nesta sexta-feira (1°) a possibilidade de transferência da sede do evento, mesmo admitindo que há um problema.
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— Há uma sensação de revolta, sobretudo por parte dos países em desenvolvimento, que estão dizendo que não poderão vir à COP por causa dos preços extorsivos que estão sendo cobrados. […] Vamos garantir que essa única dimensão que está sendo levantada, que é o preço dos hotéis, possa ser superada para que todos possam vir a Belém — afirmou em entrevista para a imprensa internacional.
O embaixador disse, ainda, que esforços para conter a crise continuam, mas o setor hoteleiro da região ainda não se deu conta da gravidade da situação. Em alguns casos, segundo Corrêa, as diárias dos hotéis foram multiplicadas por 15.
O impasse, que virou polêmica nesta semana, gerou alerta. Isto porque ele pode gerar riscos diplomáticos ao país, como aponta a professora de Direito Internacional da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e doutora em Direito Internacional pela Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Wanda Helena Mendes Muniz Falcão.
— A COP30 na Amazônia só amplia a responsabilidade internacional compartilhada com esse bioma e com o sul global, que especialmente sofre cada vez mais com a energia climática. Isso é a América Latina, a África e a Ásia. […] A imagem do Brasil fica de fato positiva quando recepciona eventos dessa magnitude, mas quando nós temos um evento desse tamanho, nós temos diversas situações de organizações de logística que o país também tem que ter. […] Caso essas delegações não consigam ter essa hospedagem como almeja, isso gera, querendo ou não, alguns riscos diplomáticos para o Brasil — aponta a especialista.
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Wanda lembra que, recentemente, a ONU fez um evento justamente para observar a condição atual dos últimos preparativos para a COP30. O representante dos negociadores africanos, Richard Muyungi, revelou na ocasião a importância do fato para que os países periféricos e em desenvolvimento estejam presentes no evento, que se volta para o Sul Global.
— São centenas de pessoas que vão atuar nas múltiplas agendas, que não é só climática, é econômica, sobre conflitos armados, sobre tudo aquilo que vai tocar o que nós vivemos e chamamos de emergência climática. Então, isso foi falado por esse negociador e diplomata africano, que, quanto mais for abusiva a cobrança dessa hospedagem, mais afasta justamente os países que mais precisam estar na COP30 para pautar as suas necessidades, seus enclaves — diz a especialista.
Wanda lembra que há países que têm condições maiores de abrigar essas delegações e, por isso, o Brasil precisa se movimentar no sentido jurídico para proteger os consumidores e garantir que o evento tenha maior inclusão.
E se a sede da COP30 mudar?
Para Wanda, a possibilidade de alteração da cidade sede da COP30 é uma possibilidade viável porque vai melhorar alguns outros entraves de origem logística. Porém, também há ônus, que seria a nova organização dessa cidade em quesitos como aeroportos e comunicação oficial, por exemplo.
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— Mas para isso tem que ter toda uma comunicação, inclusive diplomática, para evitar alguns riscos ou retaliações à presença dessas nações aqui no Brasil — comenta.
O que diz a lei brasileira
O professor da graduação e pós-graduação em Direito da UFSC, Orlando Celso da Silva Neto, explica que a hotelaria não é uma atividade submetida à regulação de preços máximos pelo governo federal, ao contrário do que acontece, por exemplo, com medicamentos.
— Não existe preço máximo, e as redes hoteleiras não têm obrigação de informar seus custos ou parâmetros de precificação ao governo. Se existir processo de investigação aberto, os órgãos fiscalizadores do governo podem, eventualmente, obter acesso às informações da empresa — explica.
Ele ainda cita que a lei brasileira, assim como em vários outros países, proíbe o aumento arbitrário/ abusivo de preços. É considerado abusivo o aumento “sem justa causa”.
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Orlando lembra que, no passado, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) já considerou que aumentos de demanda caracterizam a justa causa, ou seja, permitem o aumento de preços. No entanto, não há uma definição objetiva do que seria “preço abusivo”.
— É preciso analisar a cadeia de suprimentos para verificar se houve aumento de custos ou não. Também é preciso considerar se o fornecedor opera em um mercado monopolista ou de ampla concorrência. É preciso verificar se há choque negativo de oferta ou positivo de demanda, como é o caso, ou barreiras de acesso a outros concorrentes — indica.
Orlando comenta, ainda, que outras ações podem ser feitas para facilitar a ampliação de oferta de hospedagens na cidade:
— Eventualmente, se as autoridades governamentais entenderem relevantes, medidas mitigadoras temporárias podem ser tomadas para possibilitar que mais participantes tenham acesso a hospedagem, tais como a flexibilização de exigências legais de “hospitalidade”, como permitir ou incentivar que pessoas hospedem visitantes em suas casas, o que é muitas vezes vedado ou dificultado na legislação municipal — exemplifica.
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O que foi decidido até agora
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, negou nesta sexta-feira (1°) a possibilidade de transferir a sede do evento em Belém por questões de acomodação.
Em nota, a organização do evento afirmou, ainda, que já lançou uma plataforma para gerenciar as hospedagens, que será administrada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Através dela, países em desenvolvimento e insulares poderão ter acesso a vagas com diárias de até U$ 220.
No comunicado, a organização afirma que as opções de estadia serão disponibilizadas por etapas, conforme acordo entre o Brasil e a UNFCCC. Segundo os organizadores, dentre as opções, estarão disponíveis todas as modalidades: setor hoteleiro, aluguel por temporada e navios.
“Nesta primeira etapa, a oferta será realizada, por meio da plataforma, aos 98 países em desenvolvimento e países insulares, com diárias de até U$ 220. Na etapa seguinte, os demais países e grupos como mídia e observadores poderão adquirir acomodações por até US$ 600. Ainda não há uma previsão exata para iniciar as próximas etapas. É a própria ONU que está coordenando a oferta com os países-partes da Convenção-Quadro e, por isso, é ela quem está enviando os links de acesso à Plataforma a todos os credenciados”, afirmou.
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