Entre o som da Camerata tocando Toquinho no Largo da Catedral e os aplausos de 23 mil pessoas assistindo ao show de Beyoncé em Canasvieiras, Eveline Orth vem deixando uma marca impagável na cultura de Florianópolis. À frente da Orth Produções há mais de três décadas, ela foi responsável por alguns dos shows e eventos mais marcantes que já passaram por Santa Catarina.

Continua depois da publicidade

Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp

No entanto, a trajetória profissional de Eveline nem sempre foi na cultura. Até o início dos anos 1990, ela atuava como enfermeira psiquiátrica. Foi uma experiência na Alemanha, em um projeto que promovia peças de teatro a dependentes químicos, que a fez se reconectar com uma paixão que havia sido deixada de lado na adolescência.

— Eu tenho um arcabouço, digamos assim, de música erudita por parte do meu avô, que tocava violino. E na minha casa se ouvia muito rádio, minha mãe adorava música brasileira. A vida é muito interessante, né? Eu nunca poderia imaginar que profissionalmente eu iria por outro caminho. E voltei de novo para este caminho que era o do meu coração — diz.

A “crise dos 30 anos” também a fez buscar uma vida mais tranquila. Eveline decidiu voltar ao Brasil, mas não ao Rio de Janeiro, onde nasceu, e nem a São Paulo, onde já havia morado. Quis vir a Florianópolis.

Continua depois da publicidade

— Eu já tinha vindo a Florianópolis com 19 anos e, na época, dei uma volta na Figueira da Praça XV. Falaram para mim: “você vai dar essa volta e você vai vir morar aqui”. Acho que eu peguei um encantamento — recorda.

“A cultura em Florianópolis está muito mais rica do que já foi”, afirma produtora Eveline Orth

Uma profissão de cuidado

Os primeiros anos na nova profissão não foram fáceis. Eveline, então na casa dos 30 anos, teve que descobrir “na marra” como ser produtora. Acionou conhecidos do Rio de Janeiro que atuavam no showbusiness, passou um tempo com eles e replicou as técnicas em Santa Catarina. Os contatos começaram a vir quase que automaticamente, e a coisa foi acontecendo sem muito planejamento.

— Eu tive a sorte e o destino de ir encontrando excelentes profissionais. E aí eu tive a possibilidade de aprender com os melhores — diz.

Foram muitas tentativas e muitos erros nesse início. Ela lembra que, em 1994, trouxe para a Capital o primeiro espetáculo da companhia de dança de Deborah Colker, chamada de Velox, e amargou 118 pagantes no Centro Integrado de Cultura (CIC) numa noite, e 198 na outra. Hoje, para se ter ideia, os espetáculos do grupo costumam lotar mais de uma sessão em Florianópolis.

Continua depois da publicidade

A realidade também era outra. Em plenos anos 1990, muitas das tarefas que hoje são executadas digitalmente eram analógicas. A produtora lembra, por exemplo, de vários perrengues com a peça A Quarta Estação, com Denise Fraga e Juca de Oliveira, em uma turnê pelo interior de Santa Catarina, em meados de 1995.

— Fizemos cinco cidades, de ônibus. Não tínhamos celular, tínhamos um pager, que já era uma alta tecnologia para a época, e orelhão. Um produtor ia na frente para a cidade, a gente marcava um horário e ligava para fazer o checklist. Nós viajávamos com um saco de fichas de orelhão e simplesmente acontecia. Hoje é inimaginável você fazer isso — recorda.

Ser mulher, nessa época, era um desafio a mais. Ela lembra que a maioria dos profissionais de produção que a atendiam era homens:

— Uma pessoa que faz direção de produção é quem designa as tarefas. Então, você ter um cargo de chefia é muito difícil. Isso vem melhorando muito ao longo dos anos, mas no início era extremamente difícil para eles entenderem que eu era a pessoa que respondia pelo evento, portanto, a pessoa que estava ali como chefe.

Continua depois da publicidade

Hoje com 62 anos, Eveline vê paralelos entre a enfermagem e a profissão que acabou escolhendo para o resto da vida. Em novembro deste ano, ela foi reconhecida com a Medalha Cruz e Souza, entregue pelo governo estadual de Santa Catarina a personalidades de destaque do setor cultural.

— Eu tenho uma personalidade de cuidadora. Na produção, você também é uma cuidadora. Você cuida das pessoas, você cuida de um produto cultural — pontua.

SC busca entrar na rota dos shows internacionais após Paul McCartney, diz produtor

Veja fotos de Eveline Orth com alguns artistas

30 anos de Orth Produções 

Foram muitas as conquistas ao longo das três décadas de Orth Produções. Em seu currículo, está a produção artística de Beyoncé no show no Parque Planeta, em Canasvieiras, em 2010 — incluindo os trâmites de deslocamento da diva pop, a quem a produtora chegou a encontrar pessoalmente.

Continua depois da publicidade

Ela também já trouxe atrações de repercussão nacional, como o espetáculo em que Bibi Ferreira, aos 95 anos, interpretou canções de Édith Piaf no palco do CIC, em 2017. Eveline também promoveu a peça As Centenárias, com Marieta Severo e Andréa Beltrão; a exposição Corpo Humano, que recebeu 70 mil visitantes no Beiramar Shopping, ambas em 2010; e a recente turnê Portas, da cantora Marisa Monte.

Mas o que mais mexe com a produtora são os espetáculos abertos ao público. Um dos trabalhos que mais a marcaram é a apresentação de Toquinho junto à Camerata Florianópolis, que reuniu cerca de 18 mil pessoas no Largo da Catedral, no encerramento do Natal de 2015. Outra que ela leva no coração é o concerto do maestro João Carlos Martins com ritmistas da escola de samba Vai-Vai na Beira-Mar Norte, em celebração aos 285 anos da Capital.

— Os espetáculos abertos ao público têm um outro caráter, que vai em direção da formação do público, do acesso e da democratização da arte. Nos últimos anos, a gente têm feito os desfiles de Natal da cidade. É uma entrega com 250 pessoas desfilando, trilha original, coreografias, ensaios… uma coisa emocionante. Porque vão as crianças, as famílias e as pessoas amam. O Natal tem um caráter que de alguma forma toca as pessoas, que dá acesso (à arte). E eu acho que esse é um caminho que a gente vai trilhar cada vez mais nos eventos — conta.

Para o próximo ano, Eveline já tem na agenda grandes eventos. Florianópolis deve receber o show Bloco na Rua, de Ney Matogrosso, em 26 de abril. Também está prevista uma apresentação da peça Dois de Nós, com Antonio Fagundes e Christiane Torloni, e shows de Tiago Iorc e da banda Lagum.

Continua depois da publicidade

Enquanto segue trabalhando para fazer tudo isso acontecer, Eveline mantém-se fiel à arte. Todo o legado que vem deixando em Santa Catarina busca levar às pessoas a mesma sensação que a jovem enfermeira teve ao se reconectar com a arte, no início de tudo.

— Trabalhar com cultura não é fácil. Para ninguém, em nenhum lugar no Brasil. E aí você encontra esse equilíbrio, do comercial com o conteúdo, e viver disso… É uma construção. Hoje eu não me vejo em nenhum momento fazendo outra coisa. Gosto do que faço — diz.

Leia também

Após dois anos fechado, Masc reabre com exposição sobre Catarina de Alexandria

Gilberto Gil revela que compôs canção famosa tendo Florianópolis como inspiração

Florianópolis ganha novo espaço cultural com galeria, teatro e jardim de esculturas