Era uma noite quente de verão quando Hélio Alves Felipe desembarcou com a família em Joinville, Santa Catarina. O calendário marcava 14 de janeiro de 2022. Naquele dia, o paraibano fez as malas no Rio de Janeiro, onde morava, e embarcou para as terras catarinenses com um sonho missionário. Hélio é uma das 503.580 pessoas que resolveram fazer casa em SC entre os anos de 2017 e 2022, conforme mostram os dados do Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
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Enquanto mais de 500 mil foram chegando, 149.230 pessoas deixaram o solo catarinense no período. Neste contexto, SC se tornou o estado brasileiro com maior saldo positivo de migração, ou seja, de pessoas que migraram dentro do próprio país, sem contar os estrangeiros que vieram de outros países. O saldo migratório catarinense (354.350) superou os de Goiás (186,8 mil pessoas), Mato Grosso (103,9 mil) e Minas Gerais (106,5 mil).
Assim como Hélio, José Roberto dos Santos Carmo, de 22 anos, saiu da pequena cidade de Rialma, no interior de Goiás, para viver o sonho da graduação na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Nas malas, os casacos para passar o inverno catarinense e as passagens marcadas para 22 de agosto de 2022, com destino a Joinville que, ao contrário do município de origem, é a cidade mais populosa de SC.
— Tive boas oportunidades de trabalho lá, entretanto, buscava estudar um curso que poucas universidades no Brasil ofereciam, e uma delas era a UFSC. Quando aprovado, não pensei duas vezes e vim para Santa Catarina, era o meu sonho. Entre as 6 universidades que ofereciam o curso, sempre preferi a UFSC por ser em Santa Catarina. Sempre tive a vontade de conhecer um pouco mais do estado, da cultura, até mesmo o clima. A qualidade de vida em Santa Catarina sempre foi um fator atraente para esta escolha — revela José.

Missionário, Hélio, por outro lado, afirma que recebeu um “chamado” para embarcar para Joinville, onde começou a realizar trabalhos ligados à igreja e à família.
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— Eu e minha esposa somos pastores, trabalhamos com casais, com famílias. Temos um ministério itinerante para trabalhos onde nós damos palestras, ministramos cursos. A gente tem trabalhado na reconstituição de famílias, lares, casamentos, onde a gente tem conversado, levado uma palavra de conforto, de ânimo e procurado ajudar dentro de um conceito bíblico — explica.
Apesar das razões de José e Hélio para terem escolhido SC, a Doutora em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professora da Universidade da Região de Joinville (Univille) Sirlei de Souza explica que grande parte dos migrantes que vêm ao estado o escolhem por conta da propaganda catarinense como um lugar de qualidade de vida e segurança, assim como em busca de emprego.
— Você tem alguns estados preferenciais que veem em Santa Catarina uma qualidade de vida associada ao baixo índice de violência. Eu acho que esse é um público muito específico, enquanto a gente fala de um público com o maior percentual de renda, aposentados, profissionais liberais que desejam e que têm condições de pagar por essa qualidade de vida, pagar por viver melhor no estado, eu acho que a gente precisa separar isso, então é o que acontece para o nosso litoral como um todo. Há uma segunda categoria de imigrantes, que está relacionada à busca de emprego, então vem pra Santa Catarina porque a gente tem aqui polos industriais importantes, como Joinville, Blumenau, todo um complexo do agronegócio, sobretudo da produção de suínos, bovinos e frango no Oeste — comenta Sirlei.
Ainda segundo dados do Censo, em SC, a maior população migrante é gaúcha. Das 503,8 mil pessoas que residiam em outra unidade da federação e que vieram para SC, conforme o Censo 2022, predominam as que têm origem do Rio Grande do Sul (134,8 mil), representando 26,8% do total. Depois estão o Paraná (96,1 mil), com 19,1% do total, São Paulo (62,4 mil), com 12,4%, Pará (44,9 mil), com 8,9%, e Bahia (20,3 mil), com 4,0%. É importante lembrar que quando falamos em “migração” estamos tratando apenas de quem se muda entre os estados brasileiros.
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No que diz respeito aos imigrantes, vindos de outros países, Santa Catarina recebeu nos últimos dez anos 72,7 mil estrangeiros. O maior número de imigrantes vindos para SC são venezuelanos, representando 54% dos estrangeiros que se mudaram para o estado catarinense.
Santa Catarina registrou um crescimento expressivo na proporção de estrangeiros na população residente, segundo dados do IBGE. O percentual mais que triplicou, saltando de 0,3% para 1,1%. O número de estrangeiros no Estado, que em 2010 somavam 11.671 pessoas, aumentou em mais de seis vezes, chegando a 72.793 pessoas em 2022.
Os países que mais imigraram para SC foram Venezuela (26.977), Haiti (7.881), Argentina (2.520), Estados Unidos (1.349) e Portugal (986).
Chapecó foi a cidade catarinense que mais recebeu estrangeiros nos últimos dez anos, foram 10.855. Isso representa 4,26% da população atual da cidade, que tem 254.785 habitantes, segundo o Censo 2022 do IBGE. Depois de Chapecó, os municípios que mais ganharam moradores estrangeiros foram Florianópolis e Joinville, com 8.253 e 6.851 respectivamente.
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Cidades que mais receberam imigrantes em SC
SC é acolhedora com seus migrantes e imigrantes?
Antes de chegar em SC, Hélio imaginou que encontraria no novo endereço pessoas mais fechadas, frias e até grosseiras. Pelo menos, foi o que ouviu falar quando mencionava a mudança ao estado catarinense. Ao pousar aqui, entretanto, a surpresa foi positiva.
— Quando a gente chegou por aqui ouvimos algumas coisas que o povo era bem rude, grosseiro, um pessoal muito fechado, que não gostava de brincadeira. Só que dentro de tudo isso, a coisa foi totalmente diferente. Fomos super bem acolhidos e por pessoas no bairro onde nós moramos, por pessoas na cidade. Quando a gente vai em um local e demora a retornar, as pessoas sentem falta. O pessoal sente aquela saudade. E para mim, são pessoas super acolhedoras — cita Hélio.

Para o estudante José não é diferente. Apesar de cidades completamente diferentes, uma pequena do interior goiano e a outra que é o município mais populoso de SC, o jovem tem gostado de viver em Joinville
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— O estilo de vida geral é bem diferente do que eu estava acostumado e isso foi importante para mim, procurava por algo novo, que me desafiasse. Santa Catarina cumpriu bem com as expectativas que eu tinha em mente antes de vir para cá. Joinville foi bem receptiva, principalmente no ambiente em que eu sempre estive inserido, dentro da universidade, com diversos jovens de outros estados e cidades, então sempre houve uma diversidade cultural. Hoje todos estão bem inseridos na cultura catarinense e é algo que vivemos no dia a dia — conta José.

Apesar do bom acolhimento recebido, a doutora Sirlei de Souza afirma que SC precisa melhorar alguns pontos para conseguir receber melhor todos os imigrantes que por aqui chegam.
Um exemplo seria Chapecó, que foi a cidade catarinense que mais ganhou novos moradores estrangeiros segundo o Censo 2022. O parque frigorífico do Oeste, tanto de bovinos quanto de suínos e frango e a ligação com as indústrias de produção atraem pessoas que estão em busca de emprego.
— Chapecó e região desenvolveu, de uma certa forma, além de possibilidades de emprego, projetos e programas bastante fortes à sociedade civil e às universidades lá presentes, programas muito bem constituídos de acolhimento. Então no processo da imigração é preciso lembrar que um dos fatores muito importantes são os fatores ligados à rede de sociabilidade. Então tanto haitianos como venezuelanos eles têm desenvolvido uma rede forte de solidariedade, de sociabilidade que é receber os seus nacionais — comenta a doutora.
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Ela explica que em cidades do Oeste há casas de acolhimento ou redes de solidariedade que conseguem acolher por 15 ou 20 dias, em um ambiente de moradia, estrangeiros que chegam na cidade. Estes projetos, entretanto, são poucos ao longo do restante do território catarinense, aponta Sirlei.
— A gente tem pouquíssimas casas de acolhimento para imigrantes e não podemos confundir imigrantes com pessoas em situação de rua ou de vulnerabilidade, são questões diferenciadas. Chapecó e região garante uma empregabilidade alta e tem toda uma estrutura, sejam essas empresas, no primeiro momento, de acolhimento mesmo e de criar laços comunitários. Eu acho que isso demonstra como um polo econômico como o Oeste, acaba trabalhando bastante e fortemente com esse processo migratório — diz.
Além dos imigrantes venezuelanos e haitianos, a doutora também indica que há uma grande onda de migrantes do Norte e Nordeste vindo para o Sul do Brasil. Inclusive, o Pará é o quarto e Bahia o quinto estadoS que mais trazem migrantes para SC.
A promessa de empregabilidade evidenciada na propaganda catarinense seria um dos principais motivos para que essas pessoas procurem fazer endereço em SC. Diante da quantidade de migrantes vindos, a doutora aponta que é necessário melhorar o acolhimento e garantir atendimento para esses novos moradores que chegam em busca de melhor qualidade de vida.
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