Maior conjunto de usinas geradoras de energia elétrica a carvão mineral da América Latina, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, no município de Capivari de Baixo, Sul de Santa Catarina, com capacidade de 870 MW, completa 60 anos nesta quinta-feira, 03 de julho. A data será celebrada na manhã de hoje, em evento realizado pela Diamante Energia, controladora do complexo. A coluna conversou sobre a importância desse setor para a região e o futuro incerto da geração a carvão com o presidente da Associação Brasileira de Carbono Sustentável (ABCS) e diretor da Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina (SATC), Fernando Zancan.

Continua depois da publicidade

O especialista destaca que é um setor estratégico para a região por proporcionar movimento econômico de até R$ 6 bilhões por ano, com geração de 21 mil empregos diretos. Segundo ele, o setor espera renovação de fornecimento de energia ao sistema elétrico nacional por mais 15 anos, ao mesmo tempo em que realiza pesquisas para encontrar soluções que permitam atividade sem impacto ambiental.

Fernando Zancan, presidente da Associação Brasileira de Carbono Sustentável (Foto: Divulgação)

Entre as pesquisas estão a produção de fertilizantes e a geração de energia com uso combinado de biomassa. Também mantém contato com o exterior para ver avanços tecnológicos nessa área porque a geração de energia a carvão é a que predomina no mundo e, agora, atende maior demanda de energia devido ao crescente uso de inteligência artificial (IA). A seguir, leia a entrevista exclusiva com Fernando Zancan:

O Complexo Termelétrico Jorge Lacerda está completando 60 anos. Qual é a importância dele para a economia catarinense e brasileira?

– O Complexo Termelétrico Jorge Lacerda reúne sete máquinas, sendo que a mais antiga foi fundada em 1965. Ou seja, são 60 anos de operação. É o coração de toda uma cadeia produtiva. Sem ele, não estaríamos minerando carvão. Sem ele, não haveria moagem de cimento em Imbituba. Não existiria a ferrovia Tereza Cristina.

Continua depois da publicidade

Tudo depende desse coração que move uma cadeia produtiva que gira em torno de R$ 5 bilhões a R$ 6 bilhões por ano na economia. São cerca de 21 mil empregos gerados em torno dessa atividade. Além disso, trata-se de uma questão de segurança energética para Santa Catarina e para toda a Região Sul.

A usina é responsável por gerar cerca de 25% da energia consumida no estado. Ou seja, tem relevância energética, econômica e social. Ela está situada em Capivari de Baixo, mas sustenta o município e outros 14 da região Sul. É a mola propulsora de toda essa cadeia produtiva.

E quanto ao futuro do setor de geração a carvão? Quais são as expectativas? Vai continuar?

– Estamos muito próximos de assinar um contrato de mais 15 anos de venda de energia para o sistema elétrico brasileiro. Com isso, cumpriremos a Lei 14.299, que trata da transição energética em Santa Catarina, uma legislação federal, e criaremos condições para novos investimentos.

Será necessário abrir novas minas para atender essa demanda adicional de 15 anos. Também será preciso investir na usina, algo em torno de R$ 2 bilhões, para mantê-la operando.

Continua depois da publicidade

Além disso, teremos a oportunidade de estudar novos projetos e desenvolver novas economias, inclusive aproveitando os subprodutos da própria operação, como a cinza gerada pela termelétrica.

Só para se ter uma ideia: estamos, aqui na Universidade SATC (Associação Beneficente da Indústria Carbonífera de Santa Catarina), desenvolvendo fertilizantes a partir da cinza da usina, já em estágio avançado. Também estudamos produzir fertilizantes a partir dos gases da combustão.

Então, quem sabe, a Usina Jorge Lacerda, aqui na região de Tubarão, poderá se tornar um polo de produção de fertilizantes nitrogenados, um insumo que o Brasil ainda importa 85% do que consome. Mas o essencial, neste momento, é garantir a operação da usina por mais 15 anos. Isso assegura a continuidade da cadeia produtiva do carvão.

Existe algum plano do governo federal para encerrar o uso do carvão na geração de energia?
– Se a indústria desenvolver tecnologias para captura de CO₂, então será possível manter o setor operando. Caso contrário, ficará inviável continuar com a indústria do carvão.

Continua depois da publicidade

Temos esse período à frente para estudar essas tecnologias de captura e, eventualmente, implementar projetos aqui na região. O objetivo é atender à legislação brasileira para neutralidade de carbono até 2050.

Essa legislação é só para o Brasil? Os países continuarão usando carvão?

A eletricidade se tornou a estrela da matriz energética mundial. Tivemos um “cisne negro” em 2023, que foi a explosão da inteligência artificial. Hoje, vemos dois fenômenos simultâneos: uma demanda gigantesca por inteligência artificial e, por consequência, um consumo exponencial de energia.

Sabemos que a demanda por IA pode crescer 3%, 5%, 10%, talvez até 15%. Ninguém sabe ao certo, mas é um crescimento exponencial. Paralelamente, cresce também o uso de energia elétrica para climatização, cooling, mineração de criptomoedas, eletrificação de veículos e produção de minerais críticos. Tudo isso exige muita energia.

E as fontes renováveis, sozinhas, não dão conta. Por isso, o carvão continuará sendo utilizado. No ano passado, foram consumidas 8,7 bilhões de toneladas de carvão no mundo, gerando cerca de 10,7 mil terawatt-horas. Foi o combustível que mais produziu eletricidade no planeta.

Continua depois da publicidade

Há uma matéria do Financial Times que mostra isso claramente: o carvão não está em queda, apenas estabilizado. Nos últimos anos, ele continuou crescendo. No caso do Brasil, estamos estabilizados. Falta apenas resolver a contratação da usina de Candiota, no Rio Grande do Sul. E só avançaremos com novas térmicas se tivermos soluções efetivas para captura de CO₂.

Ou seja, se houver uma tecnologia que capture totalmente o CO, sem emissões na atmosfera, poderíamos ter novas usinas?
– Exatamente. Estamos estudando até mesmo formas de retirar CO₂ da atmosfera, buscando emissões negativas. Temos um projeto de P&D em parceria com a COPPE (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, da UFRJ), do Rio de Janeiro. São R$ 6 milhões de reais investidos nesse estudo.

 Queremos encontrar um novo modelo. Se conseguirmos resultados nos próximos dois anos, talvez tenhamos uma alternativa com o uso combinado de carvão e biomassa, criando um novo modelo de produção de energia elétrica. É um caminho promissor, mas que ainda está na fase de pesquisa e desenvolvimento.

E essa seria uma solução inédita no mundo, certo?
– Sim. Fala-se muito em biomassa com captura de CO₂, como nos projetos de Carbon Capture and Storage. Mas estamos estudando a combinação com carvão, que acreditamos ser mais eficiente. Isso geraria duas cadeias produtivas, com geração de emprego e renda, além de garantir uma energia firme.

Continua depois da publicidade

Neste último fim de semana, tivemos o planejamento estratégico da ABCS (Associação Brasileira do Carbono Sustentável), e o pessoal do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) foi categórico: precisamos de termelétricas para garantir o sistema.

Elas são essenciais para serviços ancilares, fornecem inércia e sincronismo ao sistema, e evitam apagões como os ocorridos recentemente na Espanha e em Portugal. Grandes percentuais de renováveis, sozinhos, causam instabilidade.

O Brasil já é 94% a 95% renovável, com forte presença da energia hidráulica. Mas é indispensável manter um percentual de térmicas para garantir a segurança do sistema e evitar apagões.

Uma questão que o senhor sempre destaca é o fato de o carvão ser uma fonte de energia firme. Quando se fala que o Brasil está com 95%, 96% de energia renovável, é isso mesmo?
– Na verdade, se considerarmos os próximos meses, todas as nossas térmicas estarão despachando. Inclusive, saiu uma matéria recentemente, não sei se você viu, em que o ONS pediu, literalmente, “pelo amor de Deus”, que todo o parque térmico brasileiro ficasse ligado, de prontidão. Quando se fala em todo o parque térmico, entram as térmicas a óleo, a gás, que são muito mais caras do que as usinas a carvão.

Continua depois da publicidade

E as térmicas a carvão estão ligadas também?
Sim, todas as nossas térmicas a carvão estão funcionando. E, neste momento, estamos exportando energia para a Argentina, para ajudá-los a enfrentar o frio rigoroso por lá. Faz anos que exportamos energia para a Argentina.

Então, quando falamos de energia firme, o carvão é uma delas. Energia firme inclui carvão e diesel, certo?
– Na verdade, todas as térmicas são consideradas fontes de energia firme: carvão, gás, biomassa, nuclear. São fontes nas quais temos combustível, temos máquina, apertamos o botão e elas funcionam. Não dependem do clima.

As térmicas são fundamentais para manter a frequência do sistema elétrico, os 60 Hz. Isso é algo que muitas pessoas não sabem. São grandes rotores que giram a 3.500, 3.600 RPM. Se houver alguma variação na frequência, e isso pode acontecer em milissegundos, esses rotores ajudam a estabilizar o sistema e evitar o colapso. Foi o que aconteceu no apagão de 15 de agosto de 2023. Naquela ocasião, as térmicas do Sul nos ajudaram a restabelecer o sistema em apenas 15 minutos.

No Nordeste, o retorno levou 6 horas. O mesmo ocorre em países como Espanha, Portugal e Chile. Quando há variações na frequência, se cair para 59,4 ou 59,5 Hz, o sistema pode colapsar. Para garantir segurança energética, precisamos desses grandes rotores operando. E é aí que entram as térmicas, pois fontes como solar e eólica não oferecem esse tipo de estabilidade.

Continua depois da publicidade

O senhor falou, no início, de um novo contrato para a Usina Jorge Lacerda. Como está essa questão?
– Estamos num momento decisivo para garantir a contratação da Usina Jorge Lacerda por mais 15 anos. E, embora esse período seja curto, teremos cerca de 5 a 6 anos para desenhar novos projetos para a região. Como você sabe, infelizmente, no Brasil, entre licenciar e colocar um projeto em operação, leva-se até 10 anos.

Por isso, precisamos agir rápido. Estamos olhando para alternativas como o uso das cinzas, a combinação das térmicas com biomassa, tudo dentro da lógica de captura de CO₂. Esse CO₂ gerado não poderá mais ir para a atmosfera. Terá de ser armazenado ou transformado em produtos químicos, como metanol ou fertilizantes.

Inclusive, no dia 8 de agosto, visitaremos projetos desse tipo na China. Trata-se de uma fonte de energia que precisa ser tratada com atenção, porque é fundamental para a geração de emprego e renda.

É uma cadeia produtiva longa e essencial para manter o dinamismo das regiões onde está presente. Existe potencial de futuro, mas tudo depende do avanço dos estudos e das tecnologias. Precisamos de uma transformação tecnológica.

Continua depois da publicidade

Mesmo que não avancemos tecnologicamente, ainda assim vamos precisar de energia firme para equilibrar com as renováveis. Ou seja, é uma energia necessária de qualquer forma?
– Exatamente. É uma energia necessária. Inclusive, o pessoal da operação do ONS tem dito que precisamos manter térmicas no Sul, porque somos importadores de energia na região. As térmicas ajudam a manter o sistema equilibrado. Afinal, à noite não há sol. E o vento é extremamente variável.

Passo com frequência pelo parque de Osório, no Rio Grande do Sul, e, às vezes, está tudo parado. Em alguns momentos, há zero de geração, em outros, 1.600 MW. Isso muda muito. É por isso que precisamos de fontes firmes para segurar o sistema.

E as hidrelétricas podem sofrer com a seca, como agora, quando estamos em bandeira vermelha?
– Sim. Estudos mostram que, com as mudanças climáticas e o aquecimento global, que são irreversíveis, teremos períodos alternados de muita seca e muita chuva. Como o Brasil praticamente não constrói mais reservatórios, a capacidade de armazenamento fica cada vez menor em relação à demanda.

Por isso, precisaremos de térmicas operando, inclusive na base, não apenas de forma flexível. Há quem diga que, até 2040, será necessário operar térmicas de base, permanentemente. E a opção mais barata para isso é o carvão.

O que vocês estão desenvolvendo na SATC em Criciúma?
– Temos muitas iniciativas interessantes no nosso Centro de Tecnologia. Somos credenciados pelo MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) como um dos nove centros de excelência em tecnologia de produção de fertilizantes. Isso será lançado oficialmente na COP30, e Santa Catarina já está no radar dessa nova fronteira.

Continua depois da publicidade

Estamos desenvolvendo fertilizantes a partir da cinza da termelétrica e da zeólita.Já colhemos milho com bons resultados, e agora faremos testes com soja. Temos uma planta-piloto funcionando, tudo em pleno andamento.

Leia também

Almeida Junior apresenta projeto residencial bilionário junto ao Continente Shopping

Maior festa alemã das Américas ganha o Oktoberfest Summit, evento econômico paralelo

“Temos mais de 230 empresas atuando no Brasil”, diz cônsul da Noruega sobre negócios

Starturp de SC da área de IA é convidada para expor no Web Summit Lisboa 2025